Santos x São Paulo: Loucuras de Bielsa ajudaram rivais a serem o que são hoje

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UOL

Bruno Grossi e José Eduardo Martins
  • Daniel Ochoa de Olza/AP

    O técnico argentino Marcelo Bielsa negociou com os rivais paulistas nesta década

    O técnico argentino Marcelo Bielsa negociou com os rivais paulistas nesta década

Muita gente não gosta e torce o nariz quando, principalmente técnicos, ressaltam o controverso Marcelo “El Loco” Bielsa como referência, como mentor no mundo do futebol. Mas a verdade é que o argentino parece mesmo ter um poder de influência acima do comum – para o bem ou para o mal. Tanto é que Santos e São Paulo, que nunca empregaram o treinador, foram afetados por suas “loucuras”.

Os rivais se enfrentam neste domingo, às 16h na Vila Belmiro, pela 25ª rodada do Campeonato Brasileiro, felizes com os trabalhos dos técnicos Cuca e Diego Aguirre, respectivamente. Mas estiveram muito perto de contar com Bielsa em um passado recente e, anos após falharem em contratá-lo, ainda se viram prejudicados por “caprichos” do argentino em sua conturbada passagem pelo Lille, da França. Até Rogério Ceni, um de seus grandes admiradores, sofreu.

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O Santos foi o primeiro a tentar contratar Bielsa, ainda em 2013. Na ocasião, o Peixe buscava um substituto para Muricy Ramalho, fez reuniões por conferência de vídeo e até viajou para a Espanha para negociar com o técnico. As conversas exigiam muita habilidade dos dirigentes, além de uma segurança financeira considerável, já que o treinador queria trocar toda a comissão técnica e contar com reforços de peso. Como Neymar havia acabado de sair para o Barcelona, a sensação era de que, pelo dinheiro, seria possível atender aos pedidos.

Foi então que apareceu um pedido inesperado e praticamente inconcebível para a realidade brasileira. Bielsa queria que seus auxiliares assumissem o time em julho de 2013 e que sua efetivação como técnico acontecesse apenas em janeiro do ano seguinte. O argentino queria ficar viajando pelo Brasil observando adversários, possíveis reforços e os próprios jogos do Santos. A diretoria alvinegra dispensou a ideia diante da rejeição interna à pedida e recuou, encerrando o negócio.

Dois anos depois, o São Paulo fez a primeira aproximação por Bielsa. Curiosamente, ele de novo era uma opção para substituir Muricy Ramalho, na época em rota de colisão com o presidente Carlos Miguel Aidar e que deixou o clube para cuidar da saúde. Mais uma vez, Bielsa teria de assumir um trabalho no meio da temporada brasileira, o que contribuiu para que os contatos não avançassem. Até que no fim do mesmo ano, já com Carlos Augusto de Barros e Silva na presidência, “El Loco” novamente foi procurado.

A ideia era, com Bielsa, manter o trabalho de Juan Carlos Osorio, colombiano que acabou assumindo a vaga de Muricy meses antes, mas que também brigou com Aidar e foi treinar a seleção mexicana. Os dois estrangeiros tinham muitas ideias e conceitos parecidos, então o argentino parecia uma boa opção para evitar uma nova ruptura no projeto do departamento de futebol.

Assim como havia feito com o Santos, Bielsa apresentou enorme lista de exigências. Seu contrato, por exemplo, garantiria poder até para que funcionários de jardinagem e segurança fossem trocados. O São Paulo mandou relatórios de jogadores para o técnico conhecê-los melhor, e o retorno foi animador, com análises muito próximas da realidade, mesmo feitas à distância. O problema é que Bielsa queria reforços. Muitos e caros.

O São Paulo, ao contrário de um Santos aportado pela venda de Neymar, passava por problemas financeiros. As dívidas deixadas por Juvenal Juvêncio já eram grandes e cresceram com Aidar. Para piorar, os escândalos e denúncias de corrupção deixaram o clube frágil e sem prestígio no mercado. Ter Bielsa, então, se tornou inviável. Edgardo Bauza apareceu como alternativa e foi o primeiro técnico escolhido por Leco na presidência do clube.

As loucuras de Bielsa voltaram a encontrar santistas e são-paulinos na temporada passada. Contratado pelo Lille, que vinha de boa campanha no ano anterior, para fazer frente ao milionário Paris Saint-Germain, o argentino decidiu realizar uma reformulação completa no elenco. Destaques foram afastados por mensagem de texto, gerando o primeiro desgaste com o novo clube. E o mercado brasileiro – mais precisamente, o Campeonato Paulista – foi o escolhido para que o plantel fosse reforçado.

No Santos, “El Loco” buscou o lateral-esquerdo Caju e o volante Thiago Maia. No São Paulo, o volante Thiago Mendes e o atacante Luiz Araújo. Os três últimos eram titulares absolutos de seus times, xodós dos técnicos Dorival Júnior e Rogério Ceni, respectivamente, e viam na chance de trabalhar com Bielsa uma oportunidade para crescer individualmente e chamar a atenção de outros clubes na Europa. Até agora, porém, ninguém alcançou a felicidade esperada.

As vendas no Tricolor enfraqueceram um elenco já instável por três eliminações seguidas no primeiro semestre e um início ruim no Brasileirão. Ceni se incomodou com as saídas, a relação com o então diretor-executivo de futebol Vinicius Pinotti estremeceu e, com Leco, ficou ainda pior. A equipe seguiu mal, entrou na zona de rebaixamento, e o ídolo que começava suas aventuras como técnico acabou demitido antes de poder usar as peças de reposição buscadas pela diretoria. Não tinha mais pontas velozes, nem um meio-campista de força para chegar ao ataque, como aconteceria com as chegadas de Marcos Guilherme, Petros e Hernanes.

Os santistas passaram por problema parecido. Perder Thiago Maia significou mudar completamente uma receita que funcionava há duas temporadas no meio de campo de Dorival Júnior. Renato, de mais técnica e menos vigor físico, era o primeiro volante para melhorar a saída de bola. Maia, com mais potência, saía para caçar os adversários e aparecer como surpresa no ataque. Isso se perdeu e foi um problema para os técnicos sucessores, Levir Culpi e Jair Ventura.

Eles contavam com Alison, de pouco poder ofensivo, para ser o primeiro volante. Então, Renato precisou atuar mais adiantado, se tornando presa mais fácil para os marcadores. O meio de campo se tornou a principal fragilidade do Santos. Algo que só foi corrigido sob o comando de Cuca e com a contratação do uruguaio Carlos Sánchez, um ano depois da saída de Thiago Maia.

Na França, a herança de Bielsa também não foi nada positiva. O técnico chegou a ser afastado pela diretoria, que reclamava de sua postura e de seus métodos, e em seguida foi demitido. Caju não cumpriu as metas esperadas e foi devolvido ao Santos. Thiago Maia, com 37 jogos e um gol, e Thiago Mendes, com 35 jogos e quatro gols, conviveram com improvisações. Jogaram na lateral, na ponta, mas sofriam para ter uma sequência como volantes.

Luiz Araújo entrou em campo 36 vezes e marcou seis gols, sendo quatro deles importantíssimos na briga contra o rebaixamento no Campeonato Francês. Bielsa deixou o Lille enterrado nas últimas posições, e foi preciso uma campanha de recuperação, encarando protestos da torcida e invasão de campo, para que o técnico Christophe Galtier conseguisse livrar o time da queda.

Hoje, a realidade de Marcelo Bielsa está na Segunda Divisão da Inglaterra. O tradicional Leeds United resolveu apostar em suas loucuras para voltar à elite. E, por enquanto, tem sido bem-sucedido. São seis jogos e 14 pontos conquistados, que garantem a liderança da competição, e um futebol bem jogado que empolga torcedores – até demais, como o rapaz que já quis fazer uma tatuagem para homenagear o argentino.

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