Marcello De Vico e Vanderlei Lima – Do UOL
Bicampeão da Copa Libertadores e do Mundial Interclubes pelo São Paulo, em 1992 e 1993, o ex-zagueiro Gilmar deixou o futebol de lado depois que pendurou as chuteiras, em 2003. Desde então, ele passou a se dedicar cada vez mais ao evangelismo, e hoje é pastor auxiliar em uma igreja no Rio de Janeiro. Paralelo a isso, o ex-jogador de 47 anos ajuda a carreira da esposa, a famosa e consagrada cantora gospel Aline Barros, com quem é casado há 18 anos.
O primeiro encontro aconteceu 24 anos atrás, quando Gilmar já havia se tornado um Atleta de Cristo. Enquanto ele se preparava para dar uma palestra para jovens no Rio de Janeiro, Aline Barros começava a despontar depois de fazer uma aparição no Programa da Xuxa. Gilmar já era fã de uma música dela, e por uma obra do destino, teve a chance de conhecer quem a interpretava, como conta em entrevista exclusiva ao UOL Esporte.Arquivo pessoal/Gilmar
“Eu a conheci através de um amigo que me convidou para eu dar uma palestra para jovens no Rio de Janeiro, para a Adhonep, que é uma associação de homens de negócios. Eles faziam convenções e eventos para poder falar de Jesus para os empresários, e eu fui convidado para fazer uma palestra para 500 jovens falando como era ser um cristão. Nesse dia, a Aline estava fazendo um louvor, e o Ronaldo Luiz [ex-jogador] tinha me mostrado uma música que estava estourada… Ela tinha ido na Xuxa pela primeira vez, e a música era linda e tal. Quando eu cheguei lá na palestra o Carlinhos Felix, que era um grande amigo, me convidou e falou: ‘Ô Gilmar, lembra daquela música que você me falou e tal? É essa moça aqui quem canta’, e eu falei: ‘Eu não acredito’, e eu perguntei: ‘É você quem canta essa música’? E ela falou: ‘É’. E eu perguntei: ‘Você pode cantar hoje’? E o Carlinhos falou: ‘Não, Gilmar, aqui não pode’, e eu falei: ‘Pô, você me tira de São Paulo para vir aqui e tu não vai deixar a garota cantar? Então eu também não vou falar nada, não [na palestra]… Aí eu armei uma confusão legal e, quando a Aline cantou, ela não só cantou como me encantou, e estamos juntos há quase 24 anos, 18 de casados. Temos dois filhos”, conta Gilmar.
A profissão de Aline Barros, que lançou seu primeiro álbum (Sem Limites) em 1995, sempre contou com uma ‘forcinha’ de Gilmar, que junto dos pais da cantora ajuda a administrar a carreira da companheira. “Hoje a gente ajuda em tudo, né? É uma família. Tem eu, tem os pais dela que cuidam também, então um ajuda o outro. Eu também tenho uma atividade na igreja como pastor auxiliar, então um ajuda o outro. Quando eu posso, dou pitaco, e a gente resolve os problemas juntos, tudo a gente faz como família”, declara o ex-jogador.
Desde que parou de jogar, as coisas foram acontecendo naturalmente na vida de Gilmar. O trabalho com a igreja se intensificou, assim como os cuidados com a carreira de Aline. O futebol, por sua vez, foi ficando cada vez menos presente em seu dia a dia.
Arquivo pessoal/Gilmar
“Eu encerrei a carreira e é aquela coisa: o que é que eu vou fazer? Eu já estava na igreja, ajudando jovens, ajudando o meu pastor, e eu praticamente morava na igreja. E foi um tempo tão lindo porque eu não conhecia o que é realmente a igreja, eu conhecia aquilo que eu tinha: era ir uma vez por mês quando eu conseguia. Mas quando você mergulha na igreja, quando você se envolve com as pessoas, quando você ajuda… Então, eu comecei a ter amor pela igreja e amor pelas pessoas, e quando eu fui ver, estava ajudando os jovens, estava me dispondo cada vez mais a conhecer a Deus e servir aos meus irmãos, e viajando muito, falando de Jesus, pregando, e a Aline cantando; e quando eu fui ver, os anos foram passando e eu falava: ‘Caramba, aquela paixão, aquela chama pelo futebol só diminuiu’, mas continua acesa e eu sei que em algum momento eu vou contribuir de alguma forma”, avisa Gilmar.
Para não dizer que o futebol está totalmente ausente na vida do ex-zagueiro, um de seus filhos, Nicolas de 15 anos, busca seguir os passos do pai, e do ídolo Kaká, com quem teve a oportunidade de conviver quando Gilmar atuou na Espanha – entre 1996 e 2000, por Zaragoza e Rayo Vallecano.
“Hoje, eu tenho contribuído na vida do meu filho porque ele é apaixonado por futebol. Ele está com 15 anos, joga no Boavista-RJ, e quer ser jogador de todo jeito. É um meia-atacante, é um Kaká… Se você perguntar do Kaká, ele sabe mais do que a mãe e o pai do Kaká, e isso é desde criança. O Kaká esteve no Real Madrid quando eu estava na Espanha e o Nicolas teve a oportunidade de entrevistar o Kaká para um trabalho de escola, e dali até agora o Kaká é a paixão dele. O Kaká liga para ele, dá conselhos… Hoje eles são mais parceiros do que eu”, brinca.
“Telê ensinava que a vida não era simplesmente uma aventura”
Gilmar é mais um dos inúmeros jogadores comandados por Telê Santana que carregam uma enorme idolatria pelo falecido treinador. O ex-zagueiro não pensou um segundo sequer ao ser questionado sobre qual foi o melhor técnico com quem trabalhou. Não apenas por questões relacionadas ao campo, mas principalmente pela preocupação de Telê com a vida dos atletas.
“O Telê, sem dúvida, para mim foi o melhor treinador, porque ele não era só treinador. Hoje, a gente tem uma definição de treinador: aquele que comanda. Mas o treinador tem várias características; eu acredito que ele tem que ser pai, psicólogo, amigo, chefe, tem que mostrar a sua autoridade, e eu acredito que o Telê preenchia todos esses requisitos. Ele já fazia isso lá atrás”, diz Gilmar, para depois contar uma de suas histórias com o Mestre.
“Nunca vou esquecer; uma vez a gente estava comendo e, naquela época, saiu o celular que era aquele tijolão, e todo mundo já tinha o telefone celular, os mais velhos, e eu me lembro que eu comprei um e escondi para ninguém ver e tal, todo feliz. Poxa, eu ligava do orelhão, minha mãe atendia do meu celular e era aquela festa, e um dia o Válber, traíra, pegou o celular e falou para o Telê: ‘Professor, sabe de quem é este telefone? É do Gilmar. O senhor não falou que o Gilmar é exemplo, que o Gilmar é isso e aquilo? Ele está de celular’. E naquele dia, eu nunca tremi tanto na minha vida, e aí o Telê: ‘Eu não acredito, euuuuu nãoooo acredito! Esse telefone é seu, Gilmar’? E eu: ‘Não, professor, o senhor não entendeu, esse telefone eu comprei para dar e pô pô pô…’, e o Telê continuou: ‘Pô, vai vender esse telefone, você não tem nem condição para comprar uma ficha, para quê esse telefone’? Então são coisas que a gente lembra do Telê, porque ele não era só treinador, ele ensinava a entender que a vida não era simplesmente uma aventura, principalmente no meio do futebol”, destaca.
“Achava que ser crente era uma decepção”
Gilmar se converteu ao evangelismo depois que chegou ao São Paulo, e não largou mais. Mas antes, a ideia que tinha de religião era totalmente diferente.
“Eu achava que ser crente era uma decepção… Eu tinha um medo porque o pastor que tinha lá perto da minha casa gritava e todo mundo falava que ele ficava dentro da igreja batendo nas pessoas, e por isso que as pessoas gritavam tanto. Então, eu achava tudo aquilo do mal, eu tinha um medo de crente, achava que era uma coisa de louco”, recorda.
“Eu fui me converter com 19 anos, através do Atletas de Cristo. Quando eu cheguei ao São Paulo, eu não conhecia Jesus, não, eu vim de uma família toda perdida; minha mãe era espirita, meu pai alcoólatra… Minha casa era um ponto espirita, era totalmente ao contrário”, conta.
“Telê não acreditou quando falei que o Válber ia na igreja”
No São Paulo, Telê Santana encarava a questão do evangelismo dentro do grupo com total compreensão. E até participava de algumas conversas sobre o assunto. Uma delas, aliás, rendeu uma boa história e muita gargalhada. Graças ao ex-zagueiro Válber.
“O Telê conhecia tudo de perto. Eu me lembro de um dia na concentração… O Telê falou: ‘Gilmar, quem é que vai’? E a única vez que o Telê não acreditou foi quando eu falei que o Válber ia comigo. ‘Ah, você vai levar o Válber? Eu não acredito. Se tu levar, o Válber para a igreja, a igreja cai, Gilmar [risos]’. E eu falei: ‘O Válber quer ir, ele está com problema na família e tal’, e o Telê: ‘Gilmar, o Válber vai mesmo’? ‘Ele vai, professor’, e o Válber foi, mas ele dormiu o culto inteiro [risos], e não viu nada”, diverte-se.
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A chegada ao São Paula junto com Cafu: “éramos juntos”
Eu jogava futebol de salão pelo Banespa, e aí, num belo dia, eu estava jogando uma pelada em Itapecerica da Serra e um treinador do Itaquaquecetuba, o João Alemão, que descobriu o Cafu, me viu jogando e me fez um convite para eu jogar no Itaquaquecetuba. No Itaquaquecetuba, a gente ficou lá dois anos, e esse treinador teve uma briga com o presidente e falou: ‘Quem quiser vir comigo, vem, quem quiser ficar aí, está livre’, e naquela época a galera achou melhor seguir o João Alemão, e ele começou a agendar amistosos; e um desses amistosos foi contra o São Paulo, e ficou eu, o Cafu e o Ademir. Nós fomos selecionados para passar uma semana de testes no São Paulo e depois de uma semana a gente foi aprovado. Eu e o Cafu éramos juntos. Comíamos pão com banana, era tudo… A nossa história foi assim, de muita superação mesmo. A gente tinha esse sonho de atleta, o Cafu do Jardim Irene e eu de Itapecerica, então nós íamos para Itaquaquecetuba juntos, e voltávamos juntos.
Do meio-campo para a zaga. ‘Culpa’ de Telê
Eu era meio-campista, e aí num dia a gente teve Ronaldão, Ricardo Rocha e Adilson, todos os zagueiros, lesionados, e o Telê falou: ‘Gilmar, eu quero você aqui de zagueiro, nós não temos zagueiro’, e eu falei: ‘Tá bom’. Treinei de zagueiro, zagueiro e fiquei de zagueiro [risos].
Coração é são-paulino. Mas tem espaço para outros
O São Paulo foi a minha vida, mas eu tenho um carinho muito grande pelo Cruzeiro, um carinho muito grande pelo Botafogo, onde a gente desceu para a Série B e no ano seguinte [2003] a gente subiu, e é o clube onde encerrei a carreira, em 2003. E a Portuguesa, embora tenha sido breve, nunca vou esquecer o seu Emanoel, o seu Joaquim, o que eles fizeram por mim… São pessoas maravilhosas, então eu tenho gratidão por todos os clubes que passei. Mas clube mesmo do meu coração é o São Paulo. Ah, e o Palmeiras também, foi uma fase maravilhosa, embora a gente tenha perdido aquele título para o Vasco, 4 a 3, quando vencíamos por 3 a 0 [Mercosul 2000], foi uma das maiores decepções e perdas da minha carreira. Mas também tenho uma enorme gratidão pelo Palmeiras, foi um clube que me ajudou muito, principalmente porque foi o meu retorno da Espanha e me deu novamente a oportunidade de jogar.