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Bruno Grossi
A Copa São Paulo de Futebol Júnior pode não ser o grande parâmetro na hora de analisar as bases dos clubes brasileiros. Mas é inegável que ela ainda carrega charme e olhares que nenhum outro torneio de categorias inferiores é capaz de ostentar. E é por isso que o título desta sexta-feira, com vitória nos pênaltis sobre o Vasco da Gama, soa como o grande ato do São Paulo na “era de ouro de Cotia”.
A cidade da Grande São Paulo, localizada a 25 quilômetros da capital paulista, abriga a casa da base tricolor desde 2005. Foi quando o suntuoso Centro de Formação de Atletas Laudo Natel foi inaugurado para ser o bibelô de dirigentes, como Marcelo Portugal Gouvêa e, principalmente, Juvenal Juvêncio.
Nos primeiros anos de Cotia – absorveu-se o nome do município para denominar a base do São Paulo -, se falava muito mais em “formar cidadãos, não apenas atletas”. A estrutura era elevada ao patamar dos clubes europeus, algo inédito no Brasil. Mas em campo pouco se via.
Os melhores jogadores eram escondidos para evitar assédio de outras equipes e o discurso era de que ganhar pouco importava nas categorias inferiores. Ainda assim, quando a Copinha foi conquistada em 2010 por Lucas, Casemiro e companhia, não houve um cartola são-paulino que não tenha comemorado efusivamente. Era a glória, a exposição máxima de Cotia.
Do surgimento de Lucas para frente, houve um período que misturava fartura com escassez. Jovens eram promovidos sem parar, na mesma velocidade com que desapareciam do time profissional. Basta lembrar de nomes como Lucas Gaúcho, Luiz Eduardo, Henrique Miranda ou Zé Vitor.
O CFA tornou-se um santuário da reclusão. Muricy Ramalho chegou a reclamar que era impedido de entrar no local para acompanhar treinos e observar garotos. Apelidos foram proibidos – Foguete precisou ser chamado de Wellington Cabral. Até que em 2014 chegou para ser o ponto de virada na história de Cotia.
A transformação começou um tanto quanto nebulosa. Carlos Miguel Aidar, eleito presidente em abril, escolheu o antecessor Juvenal Juvêncio para comandar a base do São Paulo. Cinco meses depois, porém, os cartolas racharam e Juvenal acabou dispensado do cargo. O episódio deu início a uma crise política gravíssima, mas também abriu espaço para as mudanças que Cotia necessitava.
O primeiro passo dado foi a contratação de Júnior Chávare – hoje à frente do futebol do Tubarão, de Santa Catarina – para ser gerente-executivo da base. O profissional vinha de trabalho elogiado no Grêmio, quando chegou ao time principal e ajudou a lançar atletas como Ramiro, Arthur, Luan e Everton. Meses após desembarcar no São Paulo, o dirigente resolveu contratar antigos parceiros para seguir reformulando o CFA.
André Jardine foi escolhido para ser o técnico do sub-20 e Diego Cabrera, atualmente no Internacional, para ser o coordenador técnico das categorias. O trio representa um marco para a mudança de mentalidade. “Formar o cidadão” continuou em pauta, mas incluindo a competitividade como elemento essencial nessa busca.
Foi identificado, por exemplo, que a badalada “geração 96”, que já havia conquistado a Copa do Brasil Sub-17 em 2013, precisava de uma dose extra de competição. Eram jogadores talentosos, mas que muitas vezes acomodavam, um velho problema de Cotia. A solução encontrada foi passar a contratar atletas para a base que tivessem um perfil totalmente distinto, de pegada e vibração.
Assim, apareceram os volantes Banguelê e Artur, que chegaram a jogar pelo profissional em 2016 sob o comando de Edgardo Bauza e eram exaltados pelo espírito brigador, por ajudarem a comissão a dar os empurrões que o time tanto precisava. Tudo isso sem nunca abrir mão de um estilo de jogo ofensivo, que valoriza a posse de bola.
Uma fórmula foi sendo criada aos poucos e espalhada para além do sub-20. A opção por um lateral mais defensivo para compensar as subidas do outro lado. Um volante que se mistura entre os zagueiros e outro que se transforma em meia. Um ponta velocista, que abuse dos dribles, e outro mais organizador.
A padronização do estilo de jogo tomou conta de Cotia com grande colaboração dos técnicos – Jardine, Orlando Ribeiro e Rafael Paiva como expoentes. Os atletas se acostumaram a atuar de uma mesma forma todos os anos, em todas as categorias. E sempre com alto nível de competitividade. O objetivo é jogar bonito, mas ganhando. O mundo ideal que é refletido pela quantidade de títulos desde o início de 2015.
A era de ouro de Cotia chegou nesta sexta a 41 taças com a conquista da Copinha diante do Vasco. Entre 2006 e 2014, foram 28 troféus. Ainda que pese o aumento do calendário de competições de base nos últimos anos, o São Paulo enfim conseguiu se estabelecer como uma potência formadora e vencedora.
“Trabalho feito a muitas mãos, junto com profissionais competentes. Coroa toda uma geração e um trabalho feito com muitas pessoas juntas. Eu tenho certeza que todos estão certeza, todos os profissionais da cozinha, da limpeza, todos estão juntos”, disse Pedro Smania, coordenador da base do São Paulo, após o título da Copinha.
O “Made in Cotia” se tornou grife e reforçou até o orgulho dos tricolores com a Copa Libertadores da América, já que nenhum outro clube brasileiro conquistou a categoria sub-20 do torneio. Os juniores, agora consagrados pela Copinha, também podem ostentar um tricampeonato da Copa do Brasil, um título ainda ausente na galeria profissional.
No CT da Barra Funda, já se sente o impacto desse crescimento. Não foram raras as ocasiões nos últimos anos em que o elenco principal foi formado por um terço de crias de Cotia. Foi assim na reta final de 2018, quando o diretor-executivo de futebol Raí decidiu que era o momento de levar a mentalidade do CFA de vez para o time principal ao efetivar Jardine como técnico.
A esperança é que o padrão de jogo bem-sucedido na base seja implantado no profissional, facilitando a adaptação de quem for promovido daqui para frente e criando uma identidade mais clara para o São Paulo. O discurso é bonito, de vencer e convencer, mas será preciso também um ponto de virada, como Cotia fez.
Dar mais respaldo e tempo às ideias de Jardine é o primeiro e mais complexo passo. Outra necessidade urgente é permitir que os frutos do CFA provoquem rendimentos esportivos e financeiros na mesma proporção. A torcida sente falta de ver seus ídolos criados em casa por mais tempo.
Nem que seja pelos dois anos e meio vividos por Lucas, que se despediu em 2012 com título da Copa Sul-Americana – o único do clube em uma década. E não mais pelos breves oito jogos em que o talento de David Neres pôde ser desfrutado há duas temporadas.