Ex-São Paulo e Corinthians “renasceu” após acidente e brilha na Malásia

1695

UOL

Marcello De Vico

Patrick Cruz fez sucesso na Indonésia (foto) e hoje também brilha na Malásia
  • Divulgação Patrick Cruz fez sucesso na Indonésia (foto) e hoje também brilha na Malásia

Exceção feita a torcedores mais assíduos de São Paulo e Corinthians ou então algum fissurado por categorias de base, dificilmente algum brasileiro lembrará de Patrick Cruz. Companheiro de Rodrigo Caio, Lucas Moura e Casemiro antes de se tornar profissional, o atacante de 25 anos nascido em Uberaba, Minas Gerais, foi bem cedo para a Ásia e por lá ficou. Hoje, é um dos principais jogadores do futebol da Malásia. Antes, autou na Indonésia e até no Vietnã e tem muita história para contar. Mas para toda essa história acontecer – e continuar acontecendo -, Patrick precisou passar por dois “renascimentos”, como ele mesmo classifica: um na vida profissional e outro na pessoal.

Faltou muito pouco para ele desistir da vida de jogador, assim como acontece com milhares de jovens que se arriscam no esporte. Depois das passagens de destaque na base de São Paulo e Corinthians, Patrick Cruz ficou sem contrato e sem dinheiro e foi trabalhar em uma fábrica de big bags, sacos utilizados para transporte e armazenamento, em Uberaba (MG), onde ficou por quase um ano. Quando já havia quase desistido de voltar aos campos, uma proposta do futebol da Indonésia mudou a sua história. Resistiu no início, mas foi convencido pela família a arriscar. “Patrick, é a última oportunidade. Se não der certo, aí você realmente pode voltar a trabalhar, morar em Uberaba novamente”. Ele foi e não voltou mais.

Publicidade

Divulgação

Patrick Cruz (dir.) durante passagem pelo Corinthians nas categorias de base

“Quando o meu contrato com o Corinthians estava para acabar, o pessoal foi começando a sumir, os empresários foram começando a não responder, sabe como é… Quando você está com contrato, todo mundo te quer. Quando você está sem contrato, é difícil arrumar emprego. E nisso eu fiquei um tempo sem contrato antes de ir para a Ásia e comecei a fazer testes em alguns clubes da Europa, mas que queriam que eu ficasse uma semana ou duas. Eu fui para Espanha, Romênia, Suécia, Dubai e Sérvia, para muitos países, e não acertei em nenhum clube. Eles não quiseram fazer contrato comigo, não sei porque. Davam algumas desculpas aqui e outras ali, alguns empresários por trás que não eram muito de confiança, e o frio me atrapalhou muito também, treinei na neve. Mas, enfim, não era para ser. Voltei. Tudo que eu já tinha juntado nesses anos de São Paulo e Corinthians eu tinha gasto com as viagens, passagens e hotéis. Fiquei quase seis meses fazendo testes em vários países porque eu não queria desistir da minha carreira, sabia que tinha mais alguma coisa para mim”, recorda Patrick Cruz em entrevista exclusiva ao UOL Esporte.

Fim de dinheiro o fez quase largar o futebol

“Só que teve uma hora que acabou o meu dinheiro. Eu comecei a pegar emprestado com a minha mãe, e ela me ajudou. Ela também sonhava junto comigo, os meus pais sonhavam junto comigo. Então eles sempre me apoiaram, e às vezes, mesmo se estivesse em uma condição muito difícil, eles deixavam de fazer alguma coisa em casa para ajudar a conseguir realizar o meu sonho. Mas teve uma época que eu falei ‘mãe, para, realmente não é para ser, não foi por falta de tentar, mas foi por portas fechadas mesmo’. Eu sempre tentei tudo que apareceu na minha frente, todas as possibilidades eu arrisquei, só que teve uma hora que a minha condição financeira já não me ajudava mais. Eu falei: ‘mãe, pode deixar, pode parar’. Eles faziam tudo por mim, mas eu tive que pedir para eles pararem porque realmente não estava dando certo. Eu falei: ‘mãe, não tem problema, eu volto a trabalhar, vou seguir uma vida normal, tentei, não foi por falta de tentar, eu tentei, mas não está dando certo'”, conta o atacante de 25 anos.

Sem dinheiro e sem clubes interessados, Patrick retomou a “vida normal”. Fixou-se em Uberaba – cidade onde nasceu – e arrumou trabalho. Durante o dia a dia de serviço e aulas, aproveitava para manter a forma física caso uma nova oportunidade aparecesse. Como? Correndo por seis quilômetros, na ida e na volta do trabalho, com marmita e tudo.

Divulgação

“Voltei a morar em Uberaba porque as coisas fecharam, o dinheiro ficou curto, e eu já devia para a minha mãe, porque ela tinha me emprestado dinheiro. Então, eu tinha que voltar a trabalhar. E não podia ficar só trabalhando, tinha que voltar a estudar porque não podia acomodar, entendeu? Comecei a trabalhar em uma fábrica de big bags, que são aqueles sacos grandes para colocar soja, café, saco para agricultura, essas coisas. E eu trabalhei lá por bastante tempo, foram mais de sete ou oito meses trabalhando lá. Entrava às 7 horas da manhã, saía 5h30 da tarde, e ia para a faculdade às 6h30 da noite. Chegava em casa 11 horas da noite para dormir, descansar para o outro dia. E eu não tinha tempo para treinar, eu sabia lá no fundo que alguma coisa ia aparecer, alguma hora ia dar certo, mas eu falei: ‘não, vou seguir minha vida’. Só que eu não tinha tempo para treinar, tudo que tinha ganhado nesses anos, questão de massa física, corporal, já tinha praticamente perdido tudo porque trabalhava na fábrica. Era um serviço muito pesado, montar caminhão, desmontar caminhão, colocar saco lá em cima, cortar saco, cortar alça, era muito difícil, era um trabalho muito apertado. Só que eu não tinha tempo para treinar, que era o que eu realmente fiz minha vida inteira. Então eu ia trabalhar correndo, dava mais ou menos uns seis quilômetros da minha casa. Ia trabalhar correndo de manhã e voltava correndo à tarde, da fábrica para a minha casa, era o tempo que eu tinha para treinar. E olha que eu ia de calça, com a marmita na mão, tirava a camisa e ia correndo na calçada. Dava mais ou menos meia hora para ir e meia hora para voltar, era o tempo que eu tinha para treinar”, diz.

“Então foi assim: fui trabalhando, trabalhando, até que surgiu a oportunidade em dezembro (de 2015) de ir para a Indonésia. E eu já tinha falado que não ia porque tinha acostumado com a minha vida, já estava trabalhando, fazendo faculdade (engenharia civil), e surgiu a oportunidade de ir para a Indonésia. Falei que não iria, meu pai conversou bastante comigo, meus tios conversaram bastante comigo, falaram: ‘Patrick, se for, é a última oportunidade, se não der certo, aí eu entendo que você realmente pode voltar a trabalhar, morar em Uberaba novamente’. Aí falei: ‘ah, tudo bem então’. Concordei com o pessoal, peguei minhas malas e fui. Conversei com o pessoal da fábrica e eles me liberaram, tranquei a faculdade no outro dia e fui. Recebi a proposta na terça e viajei na quinta. Nunca mais voltei, cara, graças a Deus”, comemora.

Primeiro renascimento veio dentro de campo

Se o sucesso não veio no Brasil, a história foi – e ainda é – totalmente diferente na Ásia. Em sua primeira oportunidade, na Indonésia, assinou um contrato curto e precisou de pouco tempo para levar o seu time, o Mitra Kukar ao primeiro título nacional de sua história. De quebra, ainda foi artilheiro da competição e virou ídolo, a ponto até de não conseguir sair na rua.

“Cheguei na Indonésia com o desafio de jogar em novembro, dezembro e janeiro, era um campeonato curto de três meses. E eu tinha dado uma pesquisada no time que me chamou, e ele nunca tinha ganhado nada na história. Então eu falei: ‘ah, é a única oportunidade que eu tenho’. Se fosse para escolher, não escolheria ir para lá pelo que pesquisei, mas aceitei o desafio. Eles pediram para levar mais um meia e mais um zagueiro comigo, e levei mais dois amigos. Cara, a gente chegou lá e foi um absurdo o tanto que as coisas deram certo”, conta.

Divulgação

“A gente foi campeão do campeonato, eu fui o artilheiro do time pela primeira vez na história e até hoje, se eu for para lá e andar na rua, os caras lembram de mim, lembram da história que a gente fez, me mandam mensagens até hoje agradecendo. Isso já tem quase quatro anos. E como eu estava há quase um ano sem jogar, aquilo para mim era fantástico, 50 mil pessoas, 40 mil pessoas no estádio. E aquilo dava mais vontade da gente querer ganhar, vencer, vencer, vencer. E todos nós precisávamos, tanto eu quanto os outros dois brasileiros. Então a gente falou ‘é a nossa oportunidade, é a nossa chance, vai mudar a nossa vida aqui, para mudar a vida das nossas famílias’, e foi o que aconteceu. De lá, nenhum de nós três voltou mais. E de lá tudo começou a dar certo. E ainda abrimos portas para outros brasileiros entrarem no país”, diz.

O sucesso fez Patrick chamar atenção do país vizinho, a Malásia, que tinha uma liga mais forte que a da Indonésia. O atacante agarrou a nova oportunidade e também se deu bem, caindo nas graças da torcida tanto do T-Team FC como do Pahang FA, seu atual clube.

“Malásia e a Indonésia são colados, uma hora de avião. Tinha bastante técnicos indonésios na Malásia e, como eles acompanham o futebol indonésio, viram que eu me destaquei muito nesse time, e eu recebi uma oferta para ir para a Malásia. Eu não entendia nada, não sabia, e só me falaram que a liga da Malásia era mais forte do que a da Indonésia. Aí eu aceitei o desafio e fui. Fiz um ano muito bom na Malásia e depois fui para uma liga mais forte”, acrescenta Patrick, que em 2018 foi artilheiro e autor do gol da Malásia FA Cup, que deu a vaga ao Pahang para a disputa da AFC Champions League, a Liga dos Campeões da Ásia.

Segundo renascimento fez Patrick até mudar camisa

No ano passado, foi a vez de Patrick Cruz encarar outro “renascimento”. Desta vez fora de campo. Ele estava a caminho do aeroporto para viajar à Malásia e se apresentar ao Pahang. O caminho até lá, porém, não estava nada agradável. Em uma estrada debaixo de muita chuva, seu carro rodou várias vezes e capotou. Dentro, estava boa parte de sua família, mas para a sorte de todos, ninguém se machucou. O episódio fez até Patrick mudar o número da camisa que jogava.

Divulgação

“Eu estava indo sentido aeroporto, estava chovendo muito, e na rodovia nosso carro capotou. Estavam eu, meu pai, minha irmã, meu irmão e minha mãe. Isso foi dia 5 de fevereiro de 2018, e eu tinha que me apresentar lá até dia 7 porque a janela fechava, então era o tempo de eu pegar o avião e viajar. Eu quase fiquei sem contrato por causa desse acidente, mas como eu mandei as fotos de tudo que aconteceu, o pessoal abriu mais dois dias para mim na federação, e me deixaram ser inscrito no dia 9. Foi feio. Eu sempre joguei com a camisa número 9 ou número 11. Nossa família meio que renasceu – a gente renasceu, na verdade, porque foi muito feio. O carro rodou várias vezes na rodovia, na grama e foi parar no acostamento. E todo mundo ficou intacto. Minha mãe machucou um pouco a nuca, meu irmão quebrou o nariz ou deslocou o nariz, e eu fiquei intacto, machuquei o braço só, e meu pai também, só bateu a cabeça, mas nada de mais”, recorda o atacante.

“Quando eu cheguei na Malásia junto com o meu irmão, falei para ele que queria fazer uma surpresa para os meus pais. Querendo ou não é uma coisa que fica marcada para o resto da sua vida, e eu sabia que eles iriam se emocionar. E no meu primeiro jogo eles nem sabiam que número eu estava, e eu fiz um gol, ganhamos fora de casa, e eu estava com a camisa número 5. Eles não estavam entendendo nada. Tirei a camisa e comecei a beijar a camisa. E minha mãe começou a mandar mensagem para o meu irmão: ‘mas por que o Patrick está jogando com a camisa número 5? Ele sempre jogou com a 9 ou com a 11’. E o meu irmão explicou, falou: ‘mãe, por causa do acidente’. O meu irmão estava na torcida assistindo ao jogo. Minha mãe desabou a chorar. Estava vendo o jogo ao vivo aqui no Brasil pela internet. Chorou, ficou emocionada, depois me mandou mensagem agradecendo. Mas, foi legal, foi uma história bacana, inesquecível também, para lembrar até mais para frente”, completa.

Veja mais trechos da entrevista

A chegada ao São Paulo e a ida para o rival

Divulgação

Patrick Cruz ao lado (dir.) de Rodrigo Caio em foto de time da base do São Paulo

Eu cheguei no São Paulo no final de 2008, com 14 anos de idade, para jogar a Taça Votorantim. Na verdade, eu fui de teste, sempre joguei no time da minha cidade, Uberaba, que chama Independente. E praticamente de dois em dois anos eles selecionavam os meninos mais novos, os melhores, e levavam para fazer testes nos clubes grandes, São Paulo, Athletico Paranaense, Cruzeiro. E eu tive a felicidade de passar no meu primeiro teste no São Paulo. Fiquei lá duas semanas e já fui aprovado. Daí só voltei para pegar minhas malas. Fiquei no São Paulo por cinco anos, fui muito feliz, ganhei muitos títulos, sub-15, sub-17, sub-20, inclusive a Taça São Paulo em 2010, que tinha sido a última que o São Paulo tinha ganho antes dessa de agora (2019). Mas eu era mais novo do que os meninos, dois anos, e na época tinham muitos jogadores bons, Casemiro, Lucas Moura, Bruno Uvini, goleiro Richard, se destacavam muito na idade deles e, como eu era dois anos mais novo, nem cheguei a participar de nenhum jogo. Mas eu pude sentir a emoção que é estar ali no elenco numa Taça São Paulo, e eu sei o quão difícil foi para a gente chegar na final e conquistar aquele título, porque o Santos começou ganhando e a gente buscou o empate no finalzinho e vencemos nos pênaltis. Depois disso, eu joguei no sub-20 por mais dois anos. E desde o sub-15 eu sempre fiz gol contra o Corinthians. No sub-15, na Copa Nike, na Copa do Brasil, sub-17… E no sub-20 eu fiz um gol até em cima do Marquinhos, que estava na época ainda, muito bom zagueiro, meu amigo, e estava jogando contra ele e tive a felicidade de marcar um gol também. E aí o Corinthians sempre teve meio que o interesse, graças a Deus eu pude ir muito bem contra eles, então, no sub-20, quando meu contrato estava para acabar no São Paulo, a gente não tinha certeza se eles queriam renovar ou não porque o elenco profissional estava muito forte, seria muito difícil jogar, e eu aceitei o desafio de ir para o Corinthians. Então, me mudei para o Corinthians no último ano do sub-20 para jogar a Taça São Paulo pelo Corinthians, porque tinha mais um ano de Taça São Paulo para mim. E, no Corinthians, fiquei dois anos e meio, fui muito feliz, fiz muitos amigos lá. Só que não tinha espaço nenhum para jogar porque foi a época do Ronaldo, Romarinho, Sheik, Jorge Henrique, aquela galera ali, que foram campeões mundiais.

Apendicite o impediu de jogar Copinha pelo Corinthians

No São Paulo sempre fui destaque, mas o time sempre foi bom, era aquela nossa leva ali dos 93, 92, do Lucas, Rodrigo Caio, Casemiro, tinha muito jogador bom. E eu sempre fui um dos artilheiros ou o artilheiro mesmo dos campeonatos que disputamos. Mas, o que aconteceu no São Paulo? Eu vi que o Corinthians estava me dando mais valor do que o São Paulo. Então, eu falei: ‘ué, se tem um time que está me fazendo uma proposta melhor, se tem um time que está me querendo mais do que o meu próprio time, eu vou para lá, vou encarar o desafio, porque eu tenho certeza que eles vão me dar mais oportunidade’. E foi por isso que eu mudei do São Paulo para o Corinthians. E tinha mais um ano de Taça. Eles falaram: ‘Patrick, a gente vai jogar uma Taça São Paulo, é o seu ano, você vai jogar, se destacar, vai subir automaticamente para o profissional porque todos já te conhecem e vai ser só um campeonato para você disputar para provar para eles que você vai firmar no profissional’. E beleza, fui nesse pensamento. Cheguei lá no Corinthians faltando duas semanas para a Taça São Paulo e me deu apendicite. Tive que fazer uma cirurgia às pressas, fui para o hospital correndo e fiquei quase dois meses de repouso. Vim para Uberaba, vi todos os meus companheiros disputarem a Taça São Paulo e, no meu ano, eu não consegui jogar. E foi a prova do que eu precisava para subir para o profissional. Na época, tinha um jogador que era um ano mais novo que eu, tinha 19 anos, e ele jogou no meu lugar, o Leandro, muito bom jogador, e subiu para o profissional. O Corinthians não foi nem tão bem na Copinha nesse ano, mas precisavam de um atacante para compor o elenco na equipe profissional. E, como o Leandro jogou, ele foi o número 9 e subiu para o profissional.

Faltou espaço para jogar no Corinthians: “era a maior potência do Brasil”

No Corinthians eu cheguei a subir para o profissional, treinei bastante vezes, só que como não tinha espaço eles me emprestaram para o Flamengo de Guarulhos, que era também um time do Corinthians na época, e os jogadores que não iam ser aproveitados no elenco A, o principal, seriam aproveitados no Flamengo de Guarulhos. Todos os jogadores do Flamengo de Guarulhos eram do Corinthians. Só que tinham muitos jogadores no elenco naquela época, e eles precisavam dividir em dois times. Eu treinava com o elenco do Corinthians e jogava pelo Flamengo de Guarulhos, que também era de jogadores do Corinthians, mas com outro nome. E foi indo assim, até abrir um espaço no Corinthians, mas meu contrato estava para acabar, e eu decidi tomar outros rumos porque era muito difícil jogar. Naquela época o Corinthians era a maior potência do Brasil.

Loucos por futebol na Indonésia: “você não pode sair na rua”

Na Indonésia eles são loucos por futebol, é absurdo, você não pode sair na rua. Eu, quando cheguei ao aeroporto, só de ter sido anunciado, o pessoal pediu para tirar foto comigo. Eu nunca tinha pisado na Indonésia. Só de eles terem me anunciado na televisão, nas redes sociais, já pediram para tirar foto comigo, e depois eu comecei a entender como era que funcionava o futebol lá, eles são fanáticos, mais do que no Brasil, são loucos, vivem para o futebol. Graças a Deus eu fiz um bom trabalho, então o pessoal gostou mais de mim.

Vietnã: “foi lá a melhor cidade que eu morei na minha vida”

Quando eu fui para o Vietnã, todo mundo pensou: ‘você está maluco de ir, só tanque de guerra na rua, pessoal armado’. Cara, não tem nada a ver. A melhor cidade que eu morei na minha vida chama-se Ho Chi Minh, que é no Vietnã. É uma cidade muito moderna, lembra muito Nova Iorque, é uma cidade maravilhosa. Vai estar entre uma das melhores cidades do mundo daqui a dez anos, está fazendo um planejamento muito legal. Então não tem nada a ver com o que o pessoal pensa. É uma cidade totalmente renovada. Eu gostei muito de morar lá. Eu só não gostei do futebol vietnamita, que é um futebol muito esquisito, é complicado. Quem manda lá, na verdade, são os empresários, então não depende só dentro de campo. Financeiramente vale a pena, é um campeonato bem disputado, mas eles já tinham definido, praticamente, quais os times que iam ser campeões desde o início do campeonato, então era uma coisa que você não podia fazer muito. Não se define ali dentro das quatro linhas.

Cultura na Malásia o fez passar por saia justa: “ficaram me olhando”

Divulgação

Na primeira vez que eu fui para a Malásia, passei por experiências bem complicadas que se tornaram inesquecíveis. Teve uma vez que uma família – uma criancinha, um menino, a mãe e o pai – pediram para tirar uma foto comigo depois do jogo. E eu fui todo simpático, legal, reconhecendo o fanatismo deles. Abracei o pai de um lado, o menininho ficou na minha frente e abracei a mãe do outro. No que eu encostei meu braço no ombro da mãe, para abraçar todos e fazer uma foto legal, ela foi, se abaixou e limpou o ombro, como se eu tivesse sujando ela, porque lá a gente não pode encostar em mulher, não pode ser como se fosse no Brasil, esse contato de abraçar, de dar um beijo no rosto, isso não existe, é no máximo pegar na mão quando o marido autoriza. Então, ela abaixou, tirou meu braço do ombro dela e meio que limpou o ombro dela. O marido dela olhou para mim com uma cara, me encarando. E depois disso eu inclusive pedi até desculpa, porque eu não sabia. O pessoal ficou todo olhando para mim. Mas, de primeira impressão, foi uma coisa que no dia eu fiquei assustado, mas hoje eu dou risada lembrando de achar que era como se fosse no Brasil. Mas não, é totalmente diferente.

Há respeito em clássicos na Malásia: “diferente de Palmeiras e Corinthians”

Na Malásia, antes de começarem os jogos, a torcida da casa faz uma oração. Eles param, a gente pode estar fazendo o que tiver, aquecendo, para começar o jogo, tem que o time inteiro parar, o nosso time e o time adversário, e virar para a torcida, estender as mãos do jeito que eles estendem, uma mão por cima da outra, esperar eles terminarem de rezar, que demora mais ou menos uns dois, três minutos, e aí, depois que reza, todo mundo bate palma, aplaude, e aí sim pode dar continuidade ao que estava fazendo. No começo é estranho, mas depois você começa a criar admiração, porque imagina um clássico Corinthians e Palmeiras, que a torcida começa a abençoar os jogadores de ambos os times, e os jogadores agradecendo à torcida, pode ser a rival mesmo, eles agradecem por estarem pedindo em oração por eles. É muito legal isso.

“Não quero voltar para o Brasil tão cedo”

Eu sou muito grato por tudo que eu já passei nessa minha vida, e não tem explicação. Só quem realmente sai do Brasil, vai conhecer esses países, sabe. Quando você começa a entender e respeitar a cultura, você começa a criar um amor por aquele país. As pessoas são muito boas, elas procuram fazer tudo de bom e de melhor por você, te respeitam. É incrível a religião deles. O pessoal fala: ‘ah, muçulmano, já começa a ligar com homem bomba, com guerra, com atentado’, essas coisas que brasileiro costuma ouvir na televisão, nas rádios, nos jornais. Mas, eu, como moro fora, te garanto, falo para você que não é nada disso. É claro que acontecem as guerras quando eles têm as desavenças deles, tudo bem, eu não vou discordar, mas é um país muito, muito bom de se morar, pacificado, tranquilo para se morar. Eu não quero voltar para o Brasil tão cedo assim. Na verdade, sonho em jogar no Brasil um dia, mas não agora, pelo respeito que eles têm por mim lá, aquele fanatismo com respeito, que não se vê no Brasil hoje em dia.

“Poderia me naturalizar, sim”

Quando eu joguei esses três meses na Indonésia era muito novo, tinha 22 anos, e eles queriam porque queriam que eu me naturalizasse indonésio para jogar pela seleção. Só que como eu tinha 22 anos e ainda sonhava jogar pelo Brasil, aquele sonho de menino… Às vezes fazia um bom campeonato na Indonésia, ia para uma China da vida, Japão, dava um jeito de ir para a Europa, não sei, em dois anos podia mudar muita coisa. Só que aí foi passando o tempo, e agora eu já estou com 25, então, no começo eu falei que não, mas agora, pensando, eu poderia me naturalizar, sim. Mas agora já passou muito tempo, não sei, vamos ver. Agora já estou mais velho, mas não penso em voltar para o Brasil ainda não.