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Alexandre Alliatti
Entender o que aconteceu com o atacante ajuda a dimensionar o que se pode esperar dele no retorno ao Brasil.
Rubens Chiri / saopaulofc.net
Em idos de 2004, o time sub-15 do Inter aquecia no gramado do estádio Cristo Rei, em São Leopoldo, uma cidade de colonização alemã quase vizinha a Porto Alegre. Em instantes, começaria o jogo contra o Aimoré, e Alexandre, atacante do time colorado, olhava para o outro lado do campo. Parecia distraído – mas ninguém ligou muito: ele era assim mesmo. Logo depois, porém, o jogador passaria por seu treinador (Osmar Loss, aquele mesmo) e diria: “Professor, hoje eu vou fazer um gol de cobertura.”
Veio o jogo, e o atacante não fez um gol de cobertura: fez dois.
Acontece que Alexandre havia passado o aquecimento observando os movimentos do goleiro adversário. E percebeu que, por ser baixo, ele tinha tendência a jogar adiantando. Assim, anteviu que ali estava a chance de superá-lo por cima. Encerrado o jogo, o treinador não tinha mais dúvidas: em suas mãos, estava mesmo um jogador diferente.
Repórter que acompanhou Pato desde os primeiros jogos analisa contratação do São Paulo
Dois anos e pouco depois, já com o apelido Pato agregado ao nome, aquele atacante seria campeão mundial com o Inter no Japão. No terceiro jogo da vida como jogador profissional. Aos 17 anos. Como titular. Contra o Barcelona.
E, em mais alguns meses, iria embora para a Europa, o que levaria o repórter que cobria Inter para o GloboEsporte.com na época, em evidente surto de exagero, escrever: “O melhor jogador revelado pelo Inter nas últimas décadas foi contratado pelo Milan nesta quinta-feira.” O repórter… bom, o repórter era eu.
Alexandre Pato, aos 17 anos, disputa bola com Iniesta em Inter x Barcelona em 2006 — Foto: Junko Kimura / GETTY IMAGES ASIAPAC / Getty Images/AFP
Passada mais de uma década daquela primeira incursão pela Europa, Alexandre Pato foi apresentado nesta sexta-feira como reforço do São Paulo – viverá sua segunda passagem pelo clube. Em setembro, ele fará 30 anos, carimbado por rótulos que questionam a empolgação do passado: a promessa que não foi cumprida, o fenômeno que não se confirmou, o conto de fadas virado do avesso – como se o cisne se tornasse patinho feio.
A volta de Pato ao Brasil levanta duas perguntas que este texto tentará ajudar a responder:
- O que aconteceu com Pato?
- E, o mais importante para o torcedor do São Paulo, ainda há tempo para ele ser tudo aquilo que se esperava?
Alexandre Pato de volta ao Morumbi: o São Paulo será de novo a casa do atacante — Foto: Rubens Chiri / saopaulofc.net
O que aconteceu
Alexandre Pato começou a treinar com o elenco profissional do Inter em novembro de 2006. Tinha 17 anos recém-completados. O grupo comandado por Abel Braga se preparava, desde a conquista da Libertadores em agosto, para a disputa do Mundial de Clubes, lidando com a utopia de uma improvável vitória sobre o Barcelona na decisão do torneio. Conforme se aproximava o fim do ano, crescia no Beira-Rio a convicção de que talvez houvesse espaço, na lista de 23 jogadores, para a principal promessa da base do clube.
A empolgação com Pato era enorme – e justificada. Na metade daquele ano, ele tinha sido campeão, artilheiro e craque do Campeonato Brasileiro Sub-20. Detalhe: com apenas 16 anos. Mas era preciso testá-lo de verdade, e havia um porém: estava emperrada uma tentativa de renovação de contrato. O Inter sabia que uma penca de times europeus estava de olho no jogador e decidiu: ele não voltaria a campo enquanto não fizesse um novo vínculo, com uma multa rescisória alta, que desse ao clube alguma segurança diante do assédio estrangeiro. Foram meses de indefinições até se chegar a um preço por Pato: US$ 20 milhões.
O acordo foi o sinal verde para Pato poder treinar com os profissionais e quem sabe até ser testado em algum jogo – e, vá lá, de repente ir ao Mundial. Na tarde de 16 de novembro, Abel Braga fechou os portões do estádio para treinar em privacidade, sem a presença da imprensa. Na prática, ele queria ver se o tal menino era bom mesmo. O trabalho começou por volta das 16h. Duas horas depois, enquanto o sol se punha por trás do Rio Guaíba, os jogadores do Inter, um a um, saíam do vestiário e eram interrogados pelos jornalistas, com microfones e bloquinhos nas mãos – eu era um deles. Os atletas, dos reservas aos titulares, dos mais tímidos aos mais expansivos, deixavam evidente um sentimento coletivo: estavam perplexos.
Pelos depoimentos, conseguimos costurar o que tinha acontecido lá dentro. Pato começou no time reserva e mandou uma bola no ângulo de Clemer, goleiro do time titular. Logo depois, foi chamado para a equipe principal e fez o mesmo com Renan, goleiro dos reservas. Treinou entre os jogadores campeões da Libertadores como se fosse um deles desde sempre.
Daquele dia, é de Iarley que mais lembro. Ele era o mais experiente da turma: campeão mundial pelo Boca Juniors, passagem pelo México, passagem pelo Real Madrid B, onde fez dupla de ataque com Samuel Eto’o. E em dado momento daquele dia ele falou mais ou menos o seguinte:
– Eu já vi muito jogador bom. Já vi jogador correr como ele corre e driblar como ele dribla. Mas nunca vi alguém que fizesse as duas coisas ao mesmo tempo do jeito que ele faz. Ele me lembra o Ronaldo.
Aquela declaração era a confirmação de que algo muito sério acontecia – e estaria estampada nos jornais no dia seguinte. Não por acaso, Pato já seria titular do Inter em dez dias. Em 23 de novembro, faria o primeiro jogo da vida como profissional. E estraçalharia o Palmeiras em São Paulo, com um gol, uma assistência e um chute que resultou em gol contra – o Inter goleou por 4 a 1. Veja como foi no vídeo abaixo.
Internacional vence o Palmeiras com Alexandre Pato inspirado em 2006
A dúvida já não era se Pato iria ao Mundial. A dúvida era quem sairia do time titular para ele entrar. A explosão se confirmou já em campos japoneses: o atacante começou jogando a partida das semifinais, contra o Al-Ahly, do Egito, e fez o primeiro gol da vitória por 2 a 1 – também foi o primeiro gol do clube em um Mundial. Em 17 de dezembro, novamente como titular, ajudaria na vitória de 1 a 0 sobre o Barcelona (lá em cima, no vídeo que abre esta reportagem, conto sobre a função tática exercida por ele naquela partida).
Em 2006, Inter derrota o Al-Ahly na estreia e vai à final do Mundial de Clubes
Depois disso, a venda de Pato passou a ser questão de tempo. Nos primeiros meses de 2007, ele oscilou entre partidas boas e ruins – foi o destaque na conquista da Recopa contra o Pachuca, do México. E se tornou uma celebridade em Porto Alegre, especialmente entre as meninas. Quando foi embora para o Milan, dezenas delas foram ao aeroporto se despedir, aos prantos. Parecia astro de boy band.
Pato com Ronaldo no Milan; lesões atrapalharam — Foto: Reuters
Na Itália, Pato teve que esperar para jogar com regularidade – o Milan só o escalaria quando ele fizesse 18 anos; e quando fez, em setembro, as inscrições para os principais campeonatos estavam encerradas. Sua estreia foi em janeiro, e com gol – empate por 2 a 2 com o Dínamo de Kiev, em amistoso na Ucrânia. Em janeiro do ano seguinte (2008), no primeiro jogo oficial, pelo Campeonato Italiano, também marcou – goleada de 5 a 2 sobre o Napoli, com dois gols de Ronaldo. Dois meses depois, estreou pela seleção brasileira. Fez o gol da vitória de 1 a 0 sobre a Suécia em Londres.
Brasil vence Suécia com gol de Pato
Havia um cenário, em idos de 2008, que confirmava toda a excepcionalidade sugerida pelos primeiros passos de Pato no Inter. De fato, parecia surgir o novo grande atacante do futebol brasileiro – alguém com potencial, como suspeitava Iarley, para ser Ronaldo. E aí as coisas começaram a sair do controle.
Olhando-se de hoje, a conclusão é evidente: Pato não virou o jogador que se esperava. Mas os caminhos que levam a essa conclusão são mais complexos. Não há um motivo que explique. Ao longo dos últimos anos, conversei repetidas vezes com pessoas que conviveram de perto com Pato, e há um somatório de impressões (azar, deslumbramento, escolhas erradas, precocidade). É na junção delas que me parece estar a explicação sobre o destino de Pato. Compartilho algumas:
- Pato foi para a Europa muito cedo. Tinha só 17 anos. Jogou apenas nove meses no Brasil. Se tivesse esperado mais, poderia ter chegado mais maduro ao Milan.
- Pato deslumbrou-se. Virou milionário antes de ter 18 anos, passou a namorar celebridades (entre elas, a filha de Silvio Berlusconi, polêmico político italiano e dono do Milan), gostou de se ver em capas de revistas que nada tinham a ver com futebol. Perdeu o foco na bola.
- Uma sequência impressionante de lesões (cerca de 20) no Milan atrapalhou a sequência do jogador em sua trajetória na Europa. Pato chegou a declarar que houve erro de dosagem no fortalecimento de sua musculatura – o que gerou desequilíbrio e, consequentemente, lesões.
- A competitividade nunca foi o forte do jogador. Desde a base, Pato tinha a fama de não diferenciar grandes jogos de partidas comuns. Isso era visto como um ponto positivo – um sinal de frieza. Depois, nos profissionais, virou defeito. O pênalti que perdeu pelo Corinthians contra o Grêmio, dando uma cavadinha contra Dida, e a passividade ao perder espaço na seleção brasileira são exemplos.
Pato perde pênalti decisivo e Timão é eliminado da Copa do Brasil
O que pode acontecer
Alexandre Pato não virou o jogador que poderia ter virado. E, considerada a expectativa que criou, não vai virar. Jamais vai acontecer – não há mais tempo de ser Ronaldo. Ele poderia ter sido o centroavante titular da seleção brasileira nas três últimas Copas, e sequer foi convocado para alguma delas. Pato, uma pena, perdeu o bonde da própria história.
Relembre gols de Alexandre Pato com a camisa do São Paulo
Mesmo assim, é um excelente jogador de futebol, um excelente atacante, superior a quase todos em atividade no futebol brasileiro. E foi isso que o São Paulo contratou, amparado na boa passagem anterior do atleta pelo Morumbi (fez 38 gols em 98 partidas). O São Paulo não contratou a utopia jamais alcançada: contratou o jogador.
São Paulo viu Pato fazer 38 gols na primeira passagem pelo clube — Foto: Marcos Ribolli
O rendimento vai depender mais da cabeça de Pato do que dos pés. E aí parecem haver boas notícias. O jogador pagou 2,5 milhões de euros para deixar antes da hora o Tianjin Tianhai, da China, onde teve bom rendimento, e poder retornar ao Brasil.
O valor será ressarcido pelo São Paulo ao longo do contrato – um vínculo longo, até 2022, que indica continuidade e deve dar segurança ao atacante. Ele poderia ter ido para lugares onde receberia (muito) mais dinheiro, poderia ter ido para um time mais pronto, como o Palmeiras, mas escolheu o São Paulo.
Além disso, Pato viveu um drama familiar recente, um câncer em sua irmã, que o abalou. Em reportagem no Esporte Espetacular, vestido de palhaço, brincando com crianças em um hospital, ele se mostrou como um Pato que eu nunca tinha visto. Parecia puxado de volta para o chão depois de anos de fantasia.
Alexandre Pato se disfarça de palhaço para levar alegria para crianças com câncer
Na apresentação ao São Paulo nesta sexta, Pato pareceu mais maduro do que em outros momentos da carreira – chegou a brincar, já na primeira resposta, com a fama de sempre responder às perguntas com uma frase pronta, um “estou muito feliz”. E disse que voltou ao clube “por amor”.
“A minha escolha pelo São Paulo foi por amor”, diz Alexandre Pato
Seja por amor, seja pelo que for, o atacante chega para ser titular absoluto do São Paulo. Calculo que seja usado pela direita, com Pablo mantido na frente, Hernanes centralizado e alguém espetado na esquerda (Everton ou algum dos garotos), mas também pode ser centroavante. Seu rendimento, claro, dependerá do time e das escolhas de Cuca, e a recorrente instabilidade do clube preocupa.
Superado isso, ele tem tudo para se estabilizar no futebol brasileiro. Não será Ronaldo (o Ronaldo que jamais conseguiu ser), mas poderá ser craque (o craque que já foi, o craque que sabe ser).