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Juliano Costa
Pato mostra em reestreia que não é o “centroavante de referência”, jogador sempre muito importante nos times do treinador, e terá de ser mais Gabriel Jesus de 2016 e menos o Jô de 2013.
O São Paulo venceu o Botafogo por 2 a 0 na estreia do Campeonato Brasileiro, neste sábado, no Morumbi, sem um tipo de jogador importantíssimo para Cuca em sua carreira: o “centroavante de referência”, aquele que prende a bola na frente e faz a parede para quem vem de trás.
Sem Pablo (que está machucado e já provou que é mais do que “só” um camisa 9) e Gonzalo Carneiro (afastado por doping e que, convenhamos, nem é lá um bom centroavante), Cuca apostou em Alexandre Pato no centro do ataque. Em sua reestreia pelo São Paulo, o atacante topou o desafio. Mas não demorou para o estádio inteiro perceber que não é a dele. Nunca foi.
Quando veio o segundo tempo e Pato passou a receber a bola mais aberto pela esquerda, ficou claro que ele pode render muito mais como atacante de beirada, como observou o comentarista Ricardinho durante a transmissão do Premiere. Veja o lance no vídeo abaixo:
Pato faz boa jogada pela direita e cruza para Tchê Tchê que bate e Gatito pega aos 5 do 2º tempo
Cuca sabe disso. Tem 40 anos de futebol, sabe como se monta um time, sabe que não se luta contra as características de um jogador, principalmente quando ele é a principal contratação da temporada. Pato não vai ser pivô e pronto.
Cuca é “macaco velho”, sabe de onde vai vir a pressão. Na entrevista coletiva após o jogo, quando um repórter pegou o microfone para dizer que “o Pato disse que faz a referência numa boa, mas que a posição dele é aberto”, Cuca demonstrou incômodo, mas respirou fundo e respondeu, de forma didática, deixando claro que vai ter trabalho até fazer o time encaixar, até que ele mesmo consiga se reinventar, sem o camisa 9:
– Tem dois tipos de centroavante, o de referência e o que flutua. Ele (Pato) é um tipo de jogador que flutua, até porque não é um jogador de bola aérea. Mas a referência você pode fazer por baixo, ele é inteligente para isso.
Pato vai ter de ser como Gabriel Jesus foi para Cuca no segundo turno do Brasileiro de 2016, e não como era Jô no Atlético-MG campeão da Libertadores em 2013 (para citar só um dos muitos “pivôs” que Cuca teve à disposição como treinador). Pato vai ter de puxar os zagueiros, movimentando-se o tempo inteiro, criando espaços para quem vem de trás.
O próprio Pato parece estar ciente disso e bem disposto a ajudar, falando que o “pensamento é no São Paulo, não no individual”. Ótimo. O espírito é esse. O trabalho de Cuca vai ser mostrar para Pato o quanto ele pode ajudar o time assim, sem se deixar levar pelos questionamentos sobre posicionamento e as cobranças por gols.
Veja na imagem abaixo como Pato se posiciona entre o lateral-direito Marcinho e o zagueiro Joel Carli, enquanto Everton sai da esquerda e aparece livre no centro.
Pato se posiciona entre o lateral-direito e o zagueiro, enquanto Everton aparece no espaço vazio — Foto: reprodução
Agora veja a movimentação no vídeo:
Gol do São Paulo! Antony levanta na área e Everton marca de cabeça aos 40 do 1º tempo
Como será quando Pablo estiver recuperado, já depois da Copa América? Provavelmente Pablo também não será pivô. Ele é alto, forte, mas também rende mais pelos lados ou como ponta de lança, aproximando-se do centroavante de referência, assim como Pato. São dois baita atacantes, mas não são o 9 que vai brigar pela “casquinha”.
Quando Alexandre Pato caiu pela esquerda, o São Paulo teve seu melhor momento no jogo — Foto: Marcos Ribolli
Cuca terá de se reinventar, formar um time quase do zero, já que a vitória deste sábado marcou a estreia de quatro jogadores: além de Pato, jogaram pela primeira vez Tchê Tchê, Vitor Bueno e Toró (os dois últimos entrando na etapa final). A falta de entrosamento é óbvia. O próprio Cuca falou sobre isso:
– Estamos muito aquém do que a gente pretende estar daqui a um mês, dois meses.
Cuca, técnico do São Paulo — Foto: Marcos Ribolli
E como se monta um novo time?
Numa situação como essa é muito mais fácil destruir do que construir, como diz o chavão do futebol. E Cuca não tem motivo para tentar inventar. Por isso, armou um time reativo. Deixou o Botafogo com a bola (o time carioca terminou o jogo com 66% da posse, contra 34% do São Paulo).
A proposta era clara: na retomada da bola, velocidade total em direção ao gol, nada de passe lateral. E aí entra Tchê Tchê. Não é à toa que Cuca pediu a contratação do jogador. O técnico sabe bem que ele é o tipo de meio-campista de intensidade do qual precisa para fazer valer esse jogo mais vertical.
Em outras palavras: é o fim da era dos volantes que tocam para o lado no São Paulo.
Tchê Tchê apareceu bem nos dois gols. No primeiro (no vídeo mais acima), ele conduz a bola, combina com Igor Vinícius e a faz chegar a Antony na ponta direita. No segundo (vídeo abaixo), toma a bola de Erik, avança pela esquerda e busca Hernanes para o passe – Hudson aparece para finalizar.
Gol do São Paulo! Hudson bate de fora da área e aumenta o placar aos 37 do 2º tempo
Daí surge a dúvida: quando tiver os bons jogadores à disposição, como Cuca formará esse São Paulo? Num 4-2-3-1? Ele tem Luan, Hudson, Tchê Tchê e Liziero para essa linha de dois homens no meio, à frente da defesa. Ou seria um 4-3-3, com um cabeça de área (Hudson ou Luan) e Tchê Tchê pela direita e Liziero na esquerda? Neste caso, Hernanes ficaria no banco.
O veterano mostrou, ao entrar no segundo tempo para tentar fazer o São Paulo ficar mais com a bola e acabar dando a assistência para o gol de Hudson, que pode ser útil dessa forma: saindo do banco, para situações bem específicas de jogo. Sua condição física não parece permitir hoje que ele atue como Moisés atuou com Cuca no Palmeiras de 2016. Mas é bom não duvidar do Profeta. E nem da capacidade de Cuca de surpreender taticamente.
Por falar em opções no banco, Toró teve seus primeiros 15 minutos de fama como jogador do São Paulo. E foi merecido. Entrou quando o Botafogo mais pressionava e atuou como válvula de escape para puxar contra-ataques. Para quem não viu o jogo, a referência que eu dou é óbvia: Bruno Henrique, ex-Santos e atualmente no Flamengo. Veja neste vídeo abaixo como lembra:
Toró parte em velocidade e quase faz um belo gol aos 31 do 1º tempo
A história do “saber sofrer”
O Botafogo, que estreava treinador (Eduardo Barroca), teve 66% da posse de bola, mas Tiago Volpi pouco foi exigido. O São Paulo soube se defender, bem compactado. Mas é claro que ficou uma dúvida no ar: como será quando pegar um time mais técnico (e também de muita posse), como Grêmio ou Santos? Ou um Cruzeiro, mais “cascudo” e entrosado?
O São Paulo foi campeão do primeiro turno com Diego Aguirre tendo menos posse de bola do que o adversário na grande maioria dos jogos. Quando os rivais perceberam a total incapacidade do time de criar, o Tricolor despencou. E Aguirre foi demitido.
Daí, na rotina bipolar do clube nos últimos anos, veio André Jardine, com sua proposta de… ser um time de mais posse de bola. O resultado você já sabe.
Com Vagner Mancini veio a velocidade dos garotos. O trabalho de Cuca agora é criar padrões de jogo. Opções ele tem. O desafio é não se tornar um time só de contra-ataque. Até porque há muitos adversários mais fortes do que o Botafogo.