GloboEsporte.com
Marcelo Hazan
Prestes a sair do Tricolor, zagueiro passa a limpo carreira no clube e dá versão sobre falhas, declaração polêmica, “caso Maicon”, possível transferência ao rival e futuro no futebol.
História no São Paulo e quase transferência ao Corinthians: falamos com Lucão
Lucão é jogador do São Paulo, negociou com o Corinthians e não vestirá a camisa de nenhum dos rivais na final do Paulistão deste domingo, às 16h (de Brasília), na Arena Corinthians.
Fora dos planos, Lucão vai sair do São Paulo. A dúvida é se isso ocorrerá imediatamente ou ao término do contrato no próximo dia 3 de junho.
O zagueiro revelado na base viveu dos 12 aos atuais 23 anos no Tricolor, com uma escala de um ano em Portugal. Sua história é diferente da dos garotos de Cotia, sensações do time na final no mata-mata do estadual.
Lucão vive o ambiente do São Paulo finalista no CT da Barra Funda, onde treina em dois períodos. Mas não faz parte do grupo comandado por Cuca.
Ele treina separado do elenco, após se recuperar durante sete meses de uma lesão de cartilagem no joelho esquerdo. Recuperação feita sob os cuidados dos profissionais do Tricolor, aos quais expõe gratidão.
Lucão, do São Paulo, concede entrevista ao GloboEsporte.com — Foto: Marcelo Hazan
O nome de Lucão gera controvérsia no São Paulo. Carrega o peso de falhas contra Corinthians, Atlético-MG e críticas pesadas da torcida. Mas ao mesmo tempo divide opiniões dentro e fora do clube nas avaliações técnicas. A cabeça boa do agora pai da pequena Laura, de dez meses, é elogiada.
Prestes a encerrar o ciclo no São Paulo, Lucão concedeu uma entrevista exclusiva ao GloboEsporte.com na última terça-feira para passar sua história no clube a limpo.
O zagueiro fala sobre a negociação com o Corinthians, revela uma conversa com o técnico Fábio Carille, dá sua versão sobre o “caso Maicon”, a declaração polêmica após o duelo com o Atlético-MG (em 2017) e diz se enxerga semelhança na sua trajetória com a de Rodrigo Caio. Acompanhe abaixo:
GloboEsporte.com: Como foi o empréstimo ao Estoril (Portugal)?
Lucão: Foi um momento delicado. Não vivia um momento muito bom no clube com a torcida, estavam pegando no meu pé. A minha ida para lá foi… (pensativo) eu queria que fosse diferente. Essa é a verdade. Não posso pensar de outra forma. Gostaria de ter feito diferente no São Paulo, não pelas minhas atitudes, mas pelo todo. Infelizmente saí de uma forma que não gostaria de ter saído. Mas fui para lá e passei um ano. O Estoril me acolheu muito bem. Fiz poucas partidas, até por conta da minha lesão. Esse ano serviu de aprendizado, para pensar um pouco na vida, família e profissão. Valeu muito. Mas o fato de não ter jogado me atrapalhou pela lesão. Depois de um ano voltei do empréstimo e estava lesionado. Não consegui jogar, nem ser reintegrado ao grupo ou fazer um novo empréstimo até o contrato acabar. Vivi momentos bons lá. Foram poucas partidas, mas valeu a experiência.
Você acabou fazendo oito jogos em um ano…
– Isso, oito em um ano. Muito pouco, mas foi o que consegui fazer. Depois comecei a sentir as dores. Ia para o departamento médico, fazia fortalecimento e voltava ao campo. Tentava treinar dois ou três dias e depois não conseguia treinar. Não ia para o jogo. Fiquei praticamente nesse vai e volta entre DM e campo. Era uma dor muito chata. Se eu tivesse parado quando senti as primeiras dores, talvez não precisasse fazer cirurgia. Mas foi desgastando. Não foi uma artroscopia simples que fiz. Não consegui jogar mais até quando voltei do empréstimo.
E ai você retorna ao São Paulo…
– Voltei no meio do ano passado, em junho. Foram sete meses desde que fiz a cirurgia. Para essa lesão normalmente a recuperação é de cinco a seis meses, mas fiquei sete porque teve uma época em que não conseguia ganhar força. É uma lesão chata, tem de esperar a perna responder.
Antes do empréstimo você estava bem fisicamente?
– Saí daqui bem fisicamente. Quando cheguei, comecei a treinar e jogar. Fiz quatro partidas. Depois comecei a sentir essas dores no joelho, mas no começo ainda conseguia jogar. Quando aquecia ia embora. Joguei mais alguns jogos desse jeito. Depois não conseguia mais. Foi uma lesão que se agravou muito rápido. Quando retornei do empréstimo estava com uma lesão grande. Fiz uma artroscopia, mas não foi simples. Fiz um procedimento com células-tronco, tirei sangue da região do quadril e fizeram dois furos no osso para poder criar um tecido que substituísse a cartilagem.
– Demorou para o tecido e a cirurgia fazerem efeito, mas o procedimento foi bem-sucedido. Hoje estou 100% e posso treinar. Quis fazer essa entrevista também porque queria exaltar o trabalho dos profissionais do São Paulo: Beto, Silmara, Alessandro, Sassaki, doutor Sanchez, Auro… são pessoas excepcionais, de extrema excelência. O Renê Abdala que fez a minha cirurgia. Gostaria de agradecê-los por tudo que fizeram por mim durante esse tempo todo.
Lucão está de saída do São Paulo — Foto: Marcelo Hazan
Qual foi a lesão?
– Foi uma lesão de cartilagem no joelho esquerdo. Começou em um pedaço do lado esquerdo do joelho e começou a desgastar. Fui tentando jogar e acho que agravou mais. Quando voltei ao Brasil e fiz uma ressonância estava batendo osso com osso. Por isso sentia dor. Quando tocava osso com osso eu sentia a pontada. Sempre que saltava ou fazia mudança de direção. Era o que me limitava. Essa foi a minha lesão. Mas hoje estou 100% recuperado e não sinto dor.
E agora como tem sido a sua rotina no São Paulo?
– Tenho treinado com os fisioterapeutas. Na verdade separado. Faço fortalecimento pela manhã e durante a tarde vou ao campo. Faço trabalho físico e de fundamento, mas sozinho. Enquanto isso o meu empresário (Luciano Couto) está conversando com o São Paulo para resolver a minha situação e futuramente, não sei, decidirmos o que pode ser feito. Meu contrato termina agora em junho.
Sua ideia é ficar até o final ou há a possibilidade de ser liberado antes?
– Não sei. Na verdade é isso o que o meu empresário está conversando com São Paulo justamente para saber o que pode ser feito ou aguardar até o final do meu contrato.
Voltando um pouco no tempo: você se arrepende daquela declaração depois do jogo do Atlético-MG? (Nota da redação: depois de falhar em um dos gols da derrota do São Paulo para o Atlético-MG, no Morumbi, em junho de 2017, Lucão disse que “para a alegria de muitos aí, já, já eu estou indo embora“)
– Não me arrependo. Não pelo fato de ser… “ah, não me arrependo de nada do que falo, ou do que faça”. Não por isso. Mas porque na minha declaração eu não afetei ninguém. Se pegar a minha declaração realmente, e eu depois analisei e reanalisei a declaração: eu não xingo a torcida, diretoria, meus companheiros. Ninguém. Eu simplesmente digo que vou sair. Ponto. Mais? (risos), é aquela coisa que você sabe como é o futebol. As pessoas as vezes pegam uma palavrinha que você coloca ali e fazem algo gigantesco. É a famosa tempestade em copo d’água. Na minha visão foi isso.
– Não agredi ninguém. Poderia ter sido menos. Essa é a verdade. Poderia ter passado. Também tomei uma multa por isso, enfim. Não me arrependo, mas também se tivesse outra oportunidade poderia ter falado algo diferente, a mesma coisa, enfim… isso é passado. Passou e ficou para trás. Também não guardo mágoa de jeito nenhum de nada: da torcida, do São Paulo, da instituição. Muito pelo contrário: tudo que tenho hoje é, primeiramente graças a Deus, e depois ao São Paulo. Cheguei com 12 anos e tudo o que pude proporcionar à minha família devo muito ao São Paulo. Vale frisar isso. É o mais importante. As coisas ruins, críticas… ficam no passado. É exaltar mesmo a instituição São Paulo que eu sempre vou ser muito grato.
O que você sentia naquele momento para dar aquela declaração?
– Estava de cabeça quente. Saí e acabei dando essa declaração. A minha opinião é essa: foi feita uma coisa grande. Já estavam pegando no meu pé pelo que aconteceu no jogo do Corinthians (falha no clássico). Isso aumentou as coisas. Outros jogadores passaram por situações semelhantes e não falaram tanto quanto foi comigo. Uma falha ou outra só vai acontecer com quem está ali. Não tenho a intenção de falhar. Não quero falhar. Acho que no momento ali houve um erro de comunicação e houve a falha. Como outros também falharam e vida que segue. Mas comigo, infelizmente, aconteceu algo que eu não imaginava.
Lucão fez seu último jogo pelo São Paulo contra o Atlético-MG — Foto: Newton Menezes/Futura Press
Você fez uma autocrítica revendo as falhas contra Corinthians e Atlético-MG?
– Minha autocrítica é que faltou um pouco mais de atenção. Faltou ouvir no lance o que o Denis estava falando, porque para mim ele estava embaixo do gol. Não olhei para trás e eu ia recuar a bola para ele para sairmos jogando. Ponto. Mas não ouvi ele gritando. Ele também me disse que gritou. Enfim, um erro de comunicação que acontece diariamente no futebol. Mas infelizmente comigo foi dessa forma.
– Tudo o que passei e vivi no São Paulo tem o lado triste, porque poderia ter sido diferente, mas o lado bom foi que dali para frente amadureci muito. Pude viver experiências, saber as pessoas que realmente estavam do meu lado e aquelas que estavam porque estou no mundo do futebol. Hoje dou graças a Deus que sou feliz pelo que vivi e pelas experiências que tive.
Como era conviver com as críticas da torcida do São Paulo? Insuportável?
– Crítica acontece e vai ter sempre. No Brasil só vivi o São Paulo, mas creio que seja dessa forma em outros lugares também. Se o time está bem você é exaltado. Se está mal vão te criticar. Como criticaram outros jogadores desde a minha chegada no profissional, e depois que saí e fui emprestado outros jogadores também foram criticados. Sei lidar com isso. Mas foi um momento de explosão e fiquei marcado por isso.
Mas você de alguma forma se sente injustiçado?
– Não vejo dessa forma porque o futebol muda muito rápido. Infelizmente tive a lesão, mas agora estou 100% e com a cabeça boa. Sempre tive. Sou um cara tranquilo nas decisões. Subi cedo ao profissional. Comecei a jogar com 17 anos e hoje tenho 23 anos. As pessoas olham e perguntam: “Poxa, você tem 23 anos”. Tenho, sou novo ainda mas já vivi muita coisa.
Lucão ficou marcado por uma falha pelo São Paulo contra o Corinthians — Foto: Reprodução SporTV
Você negociou com o Corinthians duas vezes: em 2017 e agora mais recentemente. Por que não aconteceu?
– Na primeira vez eu estava jogando e a diretoria do Corinthians entrou em contato com o São Paulo. Estava jogando e vivendo um bom momento. Jogava eu e Rodrigo Caio. Naquele momento o São Paulo falou “não, não queremos saber de negociação”. E ficou por isso.
– Dessa vez, estava voltando de lesão. O Corinthians procurou o meu empresário e o São Paulo, por um aval do Carille também. Cheguei a conversar com ele. Liguei para ele e ele me pediu, falou que queria que eu estivesse no elenco, que queria contar comigo, gostava do meu futebol, de como eu era e que iria acrescentar muito no elenco dele. Isso foi importante saber também. É um treinador que tenho hoje como referência, até porque jogou na posição que jogo. Então entende e sabe o que um zagueiro deve fazer. Tenho certeza que iria aprender muito com ele. Mas quem sabe futuramente ou numa outra oportunidade eventual possa acontecer no Corinthians ou em qualquer outro lugar. Mas por estar machucado, o Corinthians precisava ali no momento e decidiram não apostar naquela hora. Ficou por isso a negociação.
(Nota da redação: segundo pessoas envolvidas na negociação, o São Paulo ficaria com 40% dos direitos de Lucão no acordo com o Corinthians, que teria os 60% restantes. Por isso, o Corinthians recuou, pois agora Lucão está prestes a ficar livre e poderá ter 100% dos direitos vinculados ao novo clube)
Lucão, a filha Laura, de dez meses, e a esposa Victoria — Foto: Marcelo Hazan
O Santos também se interessou pelo seu futebol?
– Sim, me procurou inclusive perto da procura do Corinthians. Foi com o Rogério Ceni. O Rogério falou que não iria me liberar, porque estava jogando e queria contar comigo. Ele gostava de mim e queria que eu estivesse ali. Então descartou possibilidade, mas houve sim o interesse do Santos.
Mudando de assunto, a negociação do São Paulo para comprar o Maicon, do Porto, em 2016, teve você como um dos personagens. Na época se dizia que você não aceitou se transferir para o Porto. Isso é verdade?
– Isso é uma coisa que as pessoas perguntam até hoje. Fica essa indefinição porque durante todo esse tempo não me pronunciei. Isso ficou mau visto para mim. Na negociação o meu empresário estaria conversando com Porto junto do São Paulo e queriam me envolver. Até aí tudo bem, mas o Porto estava pensando: “Vamos ver se levamos Lucão, ou se outro jogador da base, mais novo”. Eu tinha 19 anos, mas queriam um jogador mais… tanto que levaram depois um mais novo, o Luizão.
– Até aí ok. Mas todo mundo dizia que o Maicon tinha que ficar, que o São Paulo tinha de comprar e fazer alguma coisa. E aí soltaram, não vem ao caso de onde foi, que eu não queria ir. E aí começaram a falar: “Pô, o Lucão não quer ir e o Maicon não vai ficar”. Então eu fiquei como vilão, sendo que nem eu nem meu empresário demos resposta de que não queríamos ir. Muito pelo contrário: o Porto é um clube excelente e revela grandes jogadores. Poderia continuar no São Paulo e fazer a minha história, mas poderia ir e as coisas acontecerem. Mas fiquei como vilão por isso: falaram que eu não queria assinar. O Porto quis escolher outro jogador e não chegou nada para assinar.
Lucão fez uma tatuagem com o nome, os pés e a data de nascimento da filha Laura — Foto: Marcelo Hazan
Acha que a sua trajetória pode ser comparada a do Rodrigo Caio? Ele jogou muito tempo no São Paulo, conviveu com críticas e saiu para o Flamengo, onde tenta dar a volta por cima…
– É uma história semelhante. O Rodrigo é parceiro meu. Um irmão mesmo que o futebol deu. Tenho um carinho enorme por ele e pela família. Temos histórias semelhantes. Ele viveu momentos bons e ruins no clube, de criticas. Antes de eu chegar tiveram pessoas que passaram por criticas, quando saí também. É cultura do futebol brasileiro. Difícil mudar. Nós conversamos sobre isso, mas torço muito por ele. Espero que faça uma grande história no Flamengo.
Acredita que esse exemplo pode se repetir com você?
– Sim. Com certeza. Tenho futebol, qualidade e confiança para isso. É questão de tempo. O futebol é dinâmico. Na quarta você é vilão e no domingo herói. Não tenho dúvida que vai acontecer na minha carreira também. A lesão impediu um pouco, mas agora estou 100% recuperado.
Você teve quantos treinadores no São Paulo? E quais marcaram mais?
– Foram oito treinadores em quatro anos. Os que marcaram mais foram Osório e Rogério Ceni. Pela forma de trabalho, método, filosofia do que pensa sobre futebol. Por estilo de jogo, estar com a bola, gostar de sair jogando sem chutão e trocar passes, esses dois se encaixam no que penso sobre futebol.
– Mas também destaco o Muricy. Sem palavras como treinador. Não precisa provar nada. Ganhou tudo e tem uma história maravilhosa no São Paulo. Foi o treinador que me deu a chance de jogar quando muitos me achavam muito novo, com 17 anos. Tinham outras opções no elenco e falavam de improvisar outro jogador na posição por eu ser novo, e ele disse “não”. Bateu o pé e me colocou para jogar. Agradeço muito a ele. Foi o treinador que me deu a chance de mostrar meu futebol.
Como está sendo a experiência de virar pai?
– É a maior realização da vida. Poucas vezes tive um sentimento de estar realizado. Quando subi para o profissional tive esse sentimento, quando pude dar uma casa para minha mãe e avó, tirar as pessoas que amo do aluguel e de uma situação difícil. Poucas vezes senti essa emoção, esse sentimento de gratidão. É maravilhoso viver isso com ela (filha Laura) e a minha esposa Victoria. São as pessoas que sempre estiveram do meu lado nos momento difíceis. A família é o mais importante de tudo. Quando chego em casa e vejo a Laura querendo ir para o meu colo e brincar me dá mais força para continuar em busca do meu sonho.
Você vai torcer para o São Paulo ou Corinthians na final?
– Com certeza pelo São Paulo. Vou torcer muito como sempre. O grupo merece muito pelo que vem fazendo no dia a dia, o que estão mostrando. Estou vivendo esse mesmo ambiente. Eles merecem esse título, mas vai ser um grande jogo. Os dois lados têm qualidades, mas espero que o São Paulo saia campeão. Cotia é uma fábrica de fazer atletas. A minha torcida é mais ainda por eles: poder ver esses meninos serem campeões com o São Paulo que há tanto tempo não ganha um título, e um Paulista há mais tempo ainda. Eles ficarem marcados na história do clube vai ser uma felicidade muito grande.
Sua história no São Paulo está chegando ao fim…
– Sim, por agora está chegando. Não sei no dia de amanhã o que pode acontecer. Futebol muda muito rápido. Quem sabe futuramente eu possa voltar em outra situação, como outros voltaram, como Kaká. Lógico, saiu vendido, mas em situação semelhante a minha: vaiado, enfim… e tantos outros jogadores, para poder fazer diferente nessa próxima oportunidade.
Qual sentimento você guarda do São Paulo?
– O São Paulo na minha vida sempre foi tudo. Sentimento de gratidão. Não falo da boca para fora. Tenho uma história no clube. São 11 anos, não são 11 dias. O sentimento é de gratidão por tudo o que o São Paulo proporcionou para mim e minha família. Jamais vou esquecer. Onde estiver vou levar o São Paulo comigo.