Como cartola de apenas 29 anos encara críticas e lidera negociações do SPFC

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UOL

Bruno Grossi

Marcello Zambrana/AGIF

No São Paulo desde o fim de 2014, quando foi contratado pelo ex-presidente Carlos Miguel Aidar para trabalhar no jurídico do departamento de futebol, Alexandre Pássaro concedeu uma entrevista pela primeira vez. Ao UOL Esporte, contou como se tornou gerente-executivo de um grande clube mesmo tão jovem – tem 29 anos e está desde o fim de 2017 nesse cargo.

Mesmo precoce, o cartola precoce é quem comanda as principais negociações por reforços e manutenções de estrelas do time. Ele ainda explicou como encarou a gestão repleta de denúncias de corrupção de Aidar e tenta ajudar o Tricolor a se profissionalizar em uma gestão também criticada, comandada por Carlos Augusto de Barros e Silva.

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Pássaro ganhou força assim que Raí assumiu como diretor-executivo de futebol. Desde o último ano, passou a atuar de forma mais intensa nas negociações. Suas cláusulas e bônus em contratos de vendas futuras ganharam fama no clube por renderem retorno financeiro a longo prazo, como aconteceu recentemente com Thiago Mendes e Militão.
O vasto currículo acadêmico e o sucesso nas contratações de Pablo, Hernanes, Tiago Volpi e Alexandre Pato, também. Mas ainda há que desconfie e cobre o dirigente pela chegada de reforços como Everton Felipe e Willian Farias, vistas como sem necessidade, e por quase nunca se expor na imprensa.

Agora, Pássaro também precisa encarar pressão para segurar as promessas lançadas pelo São Paulo nos últimos meses. Walce, Luan, Liziero, Igor Gomes, Helinho, Toró, Antony… Todos são frequentemente colocados na mira de equipes estrangeiras, que já fazem sondagens aos agentes dos atletas. Mas, se depender do executivo, em 2019 nenhum deles deixará o Tricolor.

“Do atual elenco ninguém recebeu proposta de fato, só sondagens e questionamentos. E nunca sabemos se é real, de fato. Não falamos com ninguém diretamente. É sempre empresário avisando que tem clube interessado, clube pensando. Mas a gente não deixa chegar ao ponto final. Pela experiência que temos, quando começa muita coisa assim é porque tem realmente clube atrás.

Só o que posso falar é que, para todas essas tentativas de conversa, fechamos as portas. Querem uma reunião para falar sobre um dos meninos? Ok, mas nós não queremos. A gente tem trabalhado para fechar as portas nesse sentido, para que não cresça esse interesse no momento importante que os meninos vivem”, explica o dirigente.

Marcello Zambrana/AGIF

Há, no entanto, uma peça importante para o elenco e querida pela torcida que pode tomar outro rumo neste ano. O zagueiro Robert Arboleda já expôs à diretoria que pensa em se transferir para a Europa e que, aos 27 anos, o tempo está ficando curto para conseguir uma transferência para um clube de bom nível. Pássaro respeita o pensamento do equatoriano, a quem é grato principalmente pela resposta rápida durante a briga contra o rebaixamento no Campeonato Brasileiro de 2017, e admite que existe o risco de perdê-lo na janela de transferências internacionais, no meio do ano.

“A gente não sabe se ele vai sair ou não. Mas sabe que ele será assediado no mercado. É um jogador que expõe para a gente a gratidão pelo São Paulo, por tudo o que o clube fez para ele e para a vida dele. A gratidão pela torcida. Mas, por outro lado, nos expõe também o desejo de poder jogar na Europa um dia, já tem 27 anos, vive um bom momento, está na seleção. Cabe a nós entender nossa necessidade e também a vontade do atleta.
De um jeito em que a gente possa, ele ficando ou saindo, reconhecer tudo o que ele entrega pelo São Paulo. A entrega, o respeito, a seriedade e todos os momentos que ele viveu. Ele chegou no meio de 2017 e viveu nosso pior momento aqui e foi muito importante desde então”, ponderou.

Confira a entrevista exclusiva com Alexandre Pássaro: Quem é Alexandre Pássaro? Quem é você, o que faz e como chegou tão novo a um cargo tão importante?

Eu sou um advogado de formação. Minha formação é jurídica. Mas neste ano completo dez anos diretamente dentro do futebol. E eu sempre fiz coisas além do jurídico em todos os lugares por onde passei. Antes de vir para o São Paulo, eu estava no Desportivo Brasil, que é um clube de formação de atletas. Eu era vice-presidente e também advogado. Já fazia uma função de gestão e acumulava o trabalho jurídico, especificamente do futebol.

Quando vim para o São Paulo, vim para fazer o jurídico do futebol. Não mais nenhuma função de gestão. Mas, naturalmente, o jurídico do futebol já cria determinadas necessidades de fazer a gestão. E com o passar do tempo também fui ganhando essa nova função que tenho hoje, sem ter deixado o jurídico.

Continuo fazendo os contratos do futebol profissional do São Paulo, e acumulo outras coisas. Porque sempre achei e continuo achando que faz todo o sentido (misturar). Eu negocio, a gente define, aprova dentro do São Paulo e na hora de fazer o contrato não teria muita lógica passar a outra pessoa. Lógico que, para isso, tenho uma equipe que me ajuda muito, muitas coisas eles fazem e eu apenas reviso, mas continuo fazendo isso. E fiz alguns cursos para migrar do jurídico para o futebol. Foi muito do que procurei, curso de treinador, de gestor, agora um novo curso (vai fazer em Harvard neste mês). Sempre estou tentando me aprimorar nessa que não é exatamente a minha formação.

Como avalia seu trabalho no jurídico, em quase três temporadas, e agora em um ano e meio como gerente-executivo de futebol?

Em 2017 já havia misturado um pouco. Na verdade, o primeiro momento em que faço algum papel de gestão é quando o Gustavo (Oliveira, gerente-executivo da época) sai em 2015, dois ou três dias antes da contratação do (técnico Juan Carlos) Osorio. E aí na época fiquei para fazer tudo. Foi antes da chegada do (outro gerente, José Eduardo) Chimello, e fiquei nesse hiato. Depois do Chimello, voltou o Gustavo e veio o Marco Aurélio (Cunha) em 2016. Termina o ano e ele volta para a CBF (coordenação das seleções femininas). Aí ficaram quatro meses abertos antes da eleição, antes do Vinicius Pinotti assumir como diretor-executivo, quando também fiz um pouquinho de gestão ali.

A avaliação do meu trabalho acho que não sou eu quem deva fazer. O próprio São Paulo tem pessoas competentes para isso e eles acabaram me avaliando nesse tempo. Eu me avalio pelo meu esforço e dedicação para fazer o melhor pelo São Paulo. Eu tive, durante esse período, praticamente 15 chefes. Antes existia uma estrutura mais política, que fazia com que passasse mais gente (vice-presidente de futebol e diretor de futebol). E também tive alguns chefes profissionais, como Gustavo, Marco Aurélio, Chimello, Vinicius, agora o Raí. Já trabalhei com dois presidentes. Então, quando soma tudo, já tive acho que 15 chefes. E sempre trabalhei bem com todos eles.

Getty Images

O fato de ter chegado ao clube na gestão Aidar, que ficou marcada por escândalos, em algum momento se preocupou de ser alvo de uma limpa generalizada?

Nunca me preocupei de ter uma limpa no São Paulo e eu ser atingido por isso. Eu sempre me preocupei com o bem do São Paulo. E, pensando nisso, me incomodava muito, no segundo semestre do meu primeiro ano, em 2015, ver o rumo que o São Paulo estava tomando. Não estava feliz naquele momento por tudo o que estava acontecendo. Naquele momento, um pouquinho antes da renúncia do Aidar, eu já tinha decidido até sair do São Paulo. Mas quando houve toda a mudança, toda a reestruturação, eu fiquei.

E três ou quatro meses depois, o Leco me chamou e disse que, embora eu tivesse chegado na outra gestão, ele tinha observado meu trabalho, tirado referências e que gostaria de que eu continuasse. Nunca tive qualquer receio em sair por ser da outra gestão. Meu receio sempre foi se o São Paulo estava sendo administrado e cuidado da forma como deveria ser.

Depois, você ganhou respaldo de nomes de peso, como Rogério Ceni e Raí. Ainda assim tem gente que desconfia ou questiona o espaço dado a você. Como encara esses dois lados da história?

Do Rogério, do Raí e de todos outros que trabalhei, inclusive treinadores, como é agora com Cuca e (o coordenador técnico Vagner) Mancini. Isso é um termômetro dessa relação. Se pensar nessas grandes figuras, mais especificamente essas duas que você citou, imagino que eles já tenham visto de tudo no futebol. Já conviveram com as mais diversas pessoas, personalidades e momentos. E quando você tem a confiança de figuras como esses, eu acho que te dá uma credibilidade e uma confiança muito grande para seguir trabalhando. Provavelmente eles enxergam em mim um perfil daquele que combina com o que eles gostam, querem e procuraram ao longo das carreiras deles.

O que acha que um dirigente, na sua posição no futebol brasileiro, precisa ter e saber para se considerar bem-sucedido?

Eu acho que quando a gente fala de futebol, o sucesso está sempre atrelado a vitórias e conquistas. O sucesso está aí. Então o ponto final é esse. Mas para isso é preciso estruturar uma série de coisas antes. Ter o clube equilibrado financeiramente, ter um time competitivo, uma estrutura profissional ao teu redor, embaixo e em cima. Criar um ambiente profissional é o que um executivo de futebol deve buscar hoje em dia. E, hoje, em 2019, eu encontro tudo isso no São Paulo. Você não consegue mudar as coisas de uma hora para outra, construir as coisas de uma hora para outra.

Mas o sucesso está muito atrelado a isso, a equilíbrio, profissionalização, boas práticas, estruturação. Mas lógico que o fim que todo mundo quer e mede todo seu sucesso é conquistar títulos, vencer. Isso precisa vir junto de todos os outros sucessos, coisas que já tivemos naturalmente ao longo do caminho (no São Paulo). Mas ainda é preciso terminar com uma conquista.

E qual a maior dificuldade que um dirigente tem hoje no futebol brasileiro? Dependência de empresário para as coisas acontecerem, clubes que ainda não são profissionais, os cartolas antigos.

A grande dificuldade do dirigente é a instabilidade do futebol brasileiro como um todo. Não de um clube ou outro. Vou te dar um exemplo. Você contrata um jogador e assina contrato longo, o que quer dizer que seu projeto para ele é um período grande tempo. Só que no fim você não tem aquele tempo todo para ele, para o treinador, para o próprio diretor. O imediatismo que o futebol brasileiro vive, em que todos os times precisam ganhar todos os jogos, embora um jogue contra o outro, é algo que acaba causando o maior desgaste e toda essa interrupção de trabalho.

Marcello Zambrana/AGIF

Como combater isso? Profissionalizando cada vez mais. Acho que a gente está seguindo um caminho de melhora. Talvez não na velocidade que gostaríamos, mas o caminho está traçado. O Campeonato Brasileiro, por exemplo, está cada vez melhor. As relações entre clubes, empresários e jogadores estão cada vez mais profissionais e regulamentadas, o que é muito importante.

As relações entre clubes, de presidente para presidente, estão cada vez mais unidas e profissionais. Hoje em dia tem sido muito mais natural encontrar do outro lado da mesa um executivo, um diretor profissional, que estuda e vive isso, diferente do que era antigamente. O caminho é esse e os clubes estão se modificando para isso.

Quando fala de melhorar gradativamente, você tem algum ideal de futebol dentro e fora de campo para atingir no São Paulo? Tem metas específicas? Sempre a gente tem. Dentro de campo é sempre competir no melhor nível possível, com o melhor futebol possível, que mais agrade o torcedor. Esse é nosso objetivo final, para dentro de campo. Fora de campo, logicamente temos sempre grandes metas e vontade de modificar muitas coisas, mas já vejo o São Paulo muito nesse caminho. Nossas relações internas no clube estão cada vez mais profissionais, melhores.
Temos uma diretoria, não só de futebol, que nos apoia de fato, assim como o futebol apoia as outras. Existem reuniões semanais, controle de orçamento, auditoria, um monte de ferramentas dentro da gestão que te fazem acreditar que, definitivamente, essa gestão profissional vai render resultados dentro de campo. É o sonho de todos.

O São Paulo está muito diferente desde que você chegou ao clube? Muito diferente. Muito diferente. A diferença é gigantesca estruturalmente. Política, de funcionários, de quem dirige o clube. Como também do lado de fora. Nossas relações com CBF, FPF, Fifa, empresários e outros clubes, com treinadores, estão cada vez mais profissionais. A diferença já é muito grande, em pouco tempo. Eu cheguei de um clube que já era estritamente profissional e empresarial, que era o Desportivo Brasil.

Tinha dono e precisávamos apresentar resultados no fim do ano. Então, quando cheguei ao São Paulo, logicamente foi uma diferença muito grande. E hoje vejo a gente já muito mais próximo desse tipo de gestão empresarial, que é praticado no mundo inteiro, do que nos primeiros anos.

Entrando nas negociações, qual foi a contratação em que você acredita que melhor trabalhou? Eu acho que a primeira chegada do Hernanes, no meio de 2017, foi muito emblemática nesse sentido, porque a gente tinha muito pouco tempo para o fechamento da janela, o fuso horário atrapalhando e o São Paulo vivia um momento muito delicado. Além disso, a negociação foi exitosa, sem ninguém ficar sabendo. Chegou no dia do fechamento da janela, teve um resultado importante para um momento tão delicado.
A negociação em si termina quando o jogador se apresenta. Depois a gente vai para outro tipo de gestão. Dele dentro do elenco, do time, para o cenário de fora. Mas falando nisso, do ato da contratação, essa do Hernanes, pela forma como foi conduzida, pela surpresa absoluta para todo mundo do anúncio logo cedo, a chegada dele pelo que simbolizava, foi a mais emblemática para mim nesse período em que estou no São Paulo.

E qual a negociação fracassada que mais te frustra? Talvez utilize a mesma transferência do Hernanes como exemplo. Naquele momento a gente gostaria de ficar com ele por pelo menos um ano. E os chineses só queriam emprestá-lo por seis meses. A gente tinha muita expectativa do que ele poderia fazer e que aqueles seis meses pediriam mais tempo com ele. Mas eles só aceitavam mesmo negociar por seis meses, até porque o calendário lá é igual ao nosso, então queriam contar com ele na pré-temporada.
A gente conseguiu o empréstimo de um ano, mas com a cláusula de pedido de volta. Porque tinha a chance de não pedirem de volta. Mas, no fim, pediram o retorno e a gente teve de devolver depois daquele semestre incrível que o Hernanes teve. Então, nessa negociação, por mais bem-sucedida que tenha sido, foi frustrada porque queríamos ter ficado com ele por mais tempo. Isso foi compensado com esse novo contrato de três anos.

Marcello Zambrana/AGIF

Nos últimos tempos, muita gente tem apontado o dedo e reclamado de algumas negociações, por alto investimento, por tirar espaço de jogador da base. Everton Felipe e Biro Biro são exemplos disso. Como você explicaria esses negócios?

Explicando negociações em geral, e que englobam essas duas citadas por você, é importante dizer que eu não chego com o jogador a tira-colo. O processo de decisão de uma contratação envolve muito mais gente. Inicia com treinador, com análise de desempenho. Depois esse nome é analisado mais profundamente, buscamos referências, olhamos números, dados estatísticos.

Aí vamos entender o negócio, quanto custaria, qual o salário pretendido e quem é o empresário. E depois vem o processo de aprovação interna no clube com outros órgãos, como financeiro, presidência e quem mais precisar envolver. Só aí uma negociação começa de fato ou é concretizada. Então, eu sou hoje o executor e condutor desse processo, mas nunca defino quem é ou não é contratado.

Agora, é bom destacar que elas são sempre assinadas pelo presidente, mais dois diretores e revisadas por vários conselhos internos do clube. E são feitas de um jeito que sempre busca o melhor para o São Paulo. Se há uma decepção depois que o jogador joga é porque num primeiro momento é difícil prever o rendimento em campo. Podemos pegar exemplos de vizinhos nossos ou de campeões da Champions League. Sempre vai ter um jogador abaixo do desejado. Isso entra na história do imediatismo.

Se a gente pegar o caso do Everton Felipe, é importante lembrar que o São Paulo venceu a concorrência de Flamengo e Cruzeiro no ano passado, em um momento em que a gente entendia que era preciso reforçar o time na reta final do Campeonato Brasileiro (para ter 50% dos direitos do meia-atacante, foi preciso pagar R$ 6 milhões). Ele não foi bem aceito, talvez por ser menino, por vir de uma realidade totalmente diferente, e não conseguiu se adaptar.

Começou este ano muito mal, mas foi extremamente importante na fase final do Paulista. E a gente acredita que pode continuar sendo importante no decorrer do nosso projeto. As negociações visam sempre, e isso eu posso garantir, ao melhor para o são Paulo. Então elas são fechadas no menor valor possível, com o maior benefício possível para o São Paulo. Ainda que esses valores sejam altos numericamente.

Willian Farias é outra contratação contestada. Ele veio de fato de graça e para ganhar menos do que ganhava no Vitória? Willian tinha mais um ano de contrato com o Vitória, pelo dobro do que ganha aqui. Foi um nome apontado como uma possibilidade dentro da necessidade que a gente tinha, com o Luan na seleção (brasileira sub-20), para se juntar a Hernanes, Pablo, Tiago Volpi, Léo, Igor Vinicius…

Entendemos que era uma boa possibilidade, tiramos referências com muitas pessoas, e todos falaram muito bem dele. Principalmente do caráter, da pessoa que é. Ele veio pela metade do valor e com um contrato de um ano. Ou seja, não teve nenhum acréscimo do que tinha no Vitória. Pelo contrário, teve decréscimo pela metade. E ainda na negociação tomamos alguns outros cuidados por ser um negócio de risco para todo mundo. Não pagamos comissão, não pagamos transferência para o Vitória. A gente está muito contente com ele aqui. Embora jogando pouco, confirma tudo aquilo que nos falaram e que buscamos no fim do ano.

REUTERS/Rafael Marchante

O São Paulo viveu muitas cobranças pelas saídas de João Schmidt e Militão. Mas depois o clube conseguiu ter contratos longos com todas as principais promessas. Esse processo foi uma reação a essas perdas?

A gente sempre toma as medidas necessárias. Mas a gente também não pode usar nossa preocupação e passar por cima do processo de formação que a base conduz muito bem. E na minha opinião faz do melhor jeito dentro do Brasil. O que quero dizer com isso? Para renovar o contrato do Militão enquanto ele ainda estava na base, seria preciso destacá-lo de todo o nível de salário e luvas que existia para a base. Isso poderia machucar nosso processo. Por outro lado, também no caso Militão, a gente teve um sucesso dentro da decisão que ele e o estafe dele tinham tomado ainda em 2016.

Em 2016, ele fica fora da Copinha porque não tinha aceitado assinar o primeiro contrato profissional. Ele foi treinar com o Bauza como ferramenta nossa para assinar esse contrato. E logo depois volta para a base. Ele faria 18 anos em janeiro e estava esperando isso para ficar livre no mercado, sem contrato profissional. Ele não queria assinar com a gente, mas depois a gente o convenceu a fechar por três anos. E foi esse vínculo que duraria até janeiro de 2019.

Dentro desse período, no começo do segundo ano de contrato profissional dele, a gente tentava a todo momento e a todo custo renovar e ele nunca quis. E o mais importante de tudo isso para mim, em 2017, que ele começou a jogar e mesmo assim não queria renovar, nós tomamos uma decisão pró-São Paulo, pensando no bem maior que sempre será o São Paulo.

Essa decisão foi mantê-lo jogando, em vez de tirar e voltar para o Cotia, porque naquele momento a gente entendia que era preciso muito mais contar com o benefício esportivo com ele jogando em um momento delicado do time, do que resolver o caso contratual dele, tirar do time e ter um prejuízo maior (rebaixamento) do que tivemos. Ainda assim, no ano passado, com ele já em prazo de pré-contrato e já fechado com o Porto, a gente tinha duas opções. Ele assinar com o Porto naquele momento, a gente não ganhar absolutamente nada e nem ter a garantia de que ele jogaria até o fim do ano. Ele mesmo tinha sinalizado isso. Ou a gente faria uma negociação conseguindo ter o máximo possível.

Hoje a gente consegue computar o Militão como o zagueiro mais bem vendido da história do futebol brasileiro em números líquidos. Dentro desse cenário caótico, é o zagueiro que mais rendeu para um clube brasileiro. Ah, mas o Mina foi vendido mais caro. Foi. Mas foi comprado por um valor e depois, quando foi vendido, ainda tinha um valor para ser repassado ao Santa Fé. Então qual a conta que fazemos? O dinheiro que ganhamos ano passado e o dinheiro dessa transferência agora para o Real Madrid.

A torcida está feliz que os contratos dos jovens agora são longos. Mas também há um medo de que eles sejam vendidos, principalmente depois das saídas em sequência de David Neres, Lyanco e Luiz Araújo. Neste ano, vai dar para não vender esses garotos que já são titulares?

Nesta janela, mais especificamente, todo nosso esforço vai ser baseado não só na manutenção dos atletas mais novos, que estão surgindo com importância, mas também em toda essa base de time que vem surgindo e mudando o jeito de enxergarem o São Paulo como equipe. E mais do que isso, a gente acha que, neste momento, o maior ativo que a gente tem nesses jogadores, junto dos contratos longos, multas altas e a boa relação com eles, é que os meninos estão felizes em jogar pelo São Paulo e pelo desempenho que o São Paulo tem hoje. Isso é diferente de outras épocas, inclusive dessa citada por você.

GABRIEL BOUYS / AFP

Naquele momento, eu já fazia parte e sentia que o jogador não tinha vontade de permanecer no São Paulo. O momento era diferente, a expectativa era diferente, a quantidade de jogos era diferente. Não tinha tanto esforço em ficar. Hoje vemos esses meninos muito satisfeitos de estarem no São Paulo, logicamente que em algum momento eles darão um próximo passo na carreira. mas os vemos mais seguros, tranquilos e felizes de estarem aqui em um time competitivo, que pode brigar por qualquer competição, com clube e diretoria estruturados. Isso hoje é o nosso grande ativo.

Você citou que os jogadores não se sentiam parte e saíam muito rápido. Hoje a impressão é, realmente, de que o processo começa a mudar. Mas há o Arboleda sinalizando que pensa em sair, por mais que já esteja há dois anos no clube. Como você contextualizaria esse cenário?

Em outras épocas, quando não estávamos tão estruturados assim, tão competitivos e com tão boas perspectivas como hoje, criava-se ali uma necessidade grande de grandes contratações, que acabavam tirando o espaço de meninos que estavam subindo. Não só espaço no elenco, mas a tranquilidade para lançá-los. É difícil colocar no pior momento, poucos dão certo.

O Militão passou por isso em um jogo contra o Cruzeiro, num domingo, 11h da manhã, com a torcida pedindo o Jucilei no primeiro tempo. No primeiro jogo dele como lateral, contra o Athletico-PR na Arena da Baixada, ele escorrega no gol deles e muita gente crava que não daria para ele ser lateral-direito. E hoje ele está aí, vendido para o Real tendo jogado muito nessa posição aqui no São Paulo e no Porto.

Esse imediatismo ia contra o menino que subia, contra o desconhecido que chegava, como o Arboleda. E esses caras não viam mais o São Paulo como perspectiva de carreira, de conquistar algo, de se valorizar. Hoje acho que eles enxergam a gente assim. A maioria de quem sai, e saídas são normais e corriqueiras, sai com o sentimento muito diferente do que víamos tempos atrás. Esse é o caso do Arboleda. O sentimento que o São Paulo como um todo, estrutura, time, treinador, passa para os jogadores hoje é o que dá o tom da ânsia do jogador para sair ou ficar.

O que foi preciso mudar para chegar nesse novo cenário? Fizemos muitas coisas. Mas destaco como essencial a continuidade de um norte que é o Raí no futebol. O Raí é o primeiro diretor de futebol que vira um ano. Vocês mesmo já noticiaram isso muitas vezes. Então, quando o Raí chegou em dezembro de 2017, ele já pegou muita coisa em andamento, coisas resolvidas, como a cláusula do Hernanes, o Jean, a permanência do Dorival Júnior como treinador. Várias decisões já haviam sido tomadas e ele não estava dentro do processo.

A partir do momento em que ele assume o remo e continua até hoje, a gente ganha uma linha de pensamento, um caminho pavimentado, ideias e conduções muito mais claras, lúcidas e com fundamentos muito maiores. A gente melhorou em muita coisa e trabalha muito para ter mais. Eu acho que a permanência de uma figura como a do Raí é muito importante.

Lucas Figueiredo/CBF

Na virada para este ano, muitas coisas boas foram feitas, como as chegadas de Pablo e Hernanes. Mas a queda na Libertadores fez com que questões de planejamento fossem levantadas, como a falta de convicção com Jardine, a ausência de um segundo volante para disputar com Liziero, um outro centroavante para repor o Tréllez e depois o Diego Souza… A diretoria cometeu deslizes?

Sempre vamos tentar aprimorar e reajustar o planejamento final. Quando precisamos fazer esses ajustes, claro que todos nós acabamos indo contra nossas convicções da virada do ano. Nós confiávamos que daria certo. Mas quando acontece, não podemos nos abraçar ao planejamento inicial esperando que aquilo possa virar de repente. A gente tem que estancar, parar de novo e replanejar. Em todos os lugares isso é feito, inclusive no mundo corporativo, profissional, familiar… Empresas prometem que não vão seguir um caminho e depois voltam atrás quando percebem que podem perder espaço.

A gente fez o melhor para o São Paulo dentro de nossas convicções no início do ano. E a gente tinha convicção do sucesso. Mas, no momento lá atrás também, quando a gente mudou (de Diego Aguirre para André Jardine), a gente também tinha convicção de que nem pré-Libertadores pegaria. Porque a gente era primeiro colocado e terminou o Brasileiro em quinto. Todo o nosso planejamento, que não começa na virada do ano, mas em julho, agosto, estava sendo afetado.

Tanto é que minha primeira reunião pelo Pablo foi em agosto do ano passado, quando enfrentamos o Paraná na primeira rodada do segundo turno, em Curitiba. Começamos a definir o ano seguinte ali, baseados nos indicativos que a equipe nos dava. As coisas foram mudando no fim do ano, mesmo com 2019 já um pouco planejado, e começamos a precisar mudar um pouco a rota, corrigir algumas coisas do time.

A questão do segundo volante, é claro que a gente procurou, ficou atento a isso, mas entendia que nosso maior esforço deveria estar em outros profissionais, como o Pablo, ou o retorno do Hernanes, que era o que todos, dentro e fora de campo, mais pediam. Ajustes sempre serão feitos. A gente não pode ficar abraçado a uma perspectiva que a gente acha que vai acontecer. A rota precisa ir sendo corrigida. Mas claro que o ideal é fazer menos ajustes, porque isso mostra que seu caminho inicial estava correto.

Você fala em continuar fazendo ajustes. A parada da Copa América pode significar mais chegadas de reforços e saídas de jogadores para enxugar folha? Como estão planejando isso? Saídas e chegadas vão acontecer naturalmente, como é com todo clube grande, em toda janela de transferências. Não tem um clube que saia desse padrão. Não estou querendo dizer que vamos vender jogadores. São saídas. Às vezes um vai para um empréstimo aqui, outro vai ali. Essas paradas servem também para olhar com comissão técnica, presidência e financeiro, como foi até então o ano e como será depois.

Neste momento de reavaliação, é natural que jogadores saiam e cheguem. Hoje estamos muito satisfeitos com o elenco que temos. Muito satisfeitos com a comissão técnica. E muito satisfeitos com a expectativa de receitas sem ter que, necessariamente, perder atletas. Uma possível venda de David Neres (o São Paulo tem 23% a receber de uma eventual transferência do atacante do Ajax). Jogadores atingindo metas esportivas, como foi o Thiago Mendes com o Lille indo à Liga dos Campeões. A gente está muito satisfeito com o cenário que está se pintando aí na frente. É claro que se houver a possibilidade de melhorar o time, não vamos medir esforços para isso.