Ele barrou Falcão, foi pupilo de Telê e agora volta ao São Paulo com Diniz.

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UOL

Arthur Sandes

O torcedor mais jovem pode não reconhecê-lo, mas o auxiliar técnico Márcio Araújo tem uma relação histórica com o São Paulo. Ele se formou na base do clube, foi campeão paulista e brasileiro, virou assistente de Telê Santana e agora retorna ao Tricolor como braço direito de Fernando Diniz. Em entrevista exclusiva ao UOL Esporte, ele conta as suas histórias. Nascido em São José do Rio Pardo-SP, a 250km da capital paulista, Márcio Araújo conserva o sotaque do interior e alguns trejeitos que admite abertamente como “caipiras”. Parece avesso a controvérsias e dá respostas quase sempre conciliadoras ou motivacionais, um comportamento que mantém com jogadores e funcionários do São Paulo. Ele, aliás, jura amor ao clube e o trata como segunda casa.

Aos 59 anos, Márcio Araújo é acima de tudo um contador de histórias, com referências que vão de Shakespeare a Bruna Lombardi para reforçar mensagens inspiradoras. Seus exemplos passam por um show vazio de Moacir Franco e vão até as praias do Egito, em uma linha de raciocínio difícil de acompanhar, mas que no final faz sentido. Durante cerca de uma hora de conversa, ele ainda lembrou a relação com os técnicos Cilinho e Telê Santana e contou como nasceu a amizade com Fernando Diniz.

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Relação com o São Paulo já dura 40 anos Márcio retorna ao São Paulo, onde já foi jogador e assistente de Telê Santana.

Márcio Araújo conta ter chegado ao Tricolor em 1977 por indicação de José Douglas Dallora, então diretor de futebol e muito ligado às categorias de base. “Vindo do interior, caipira, tínhamos outra criação. Saímos de lá deixando a família para trás, o aconchego? Nós viemos em quatro [jogadores], três foram aprovados mas acabou ficando só eu. E o São Paulo foi muito importante por me dar proteção, tanto física quanto emocional”, conta.

O carinho pelo clube nasceu do acolhimento e da noção de pertencimento, um porto seguro longe de casa. “Nós limpávamos a concentração duas vezes por semana, os quartos, corredores, banheiros, tudo. E assim passamos a gostar do São Paulo, a zelar pelo clube”, recorda Márcio Araújo. “Então, eu sempre vi o São Paulo como extensão da minha casa, mesmo tendo trabalhado em outros clubes depois. É o clube que me tirou de casa, então, é uma extensão da minha casa. Tenho uma gratidão que não tem preço.”

‘Faz-tudo’ do São Paulo, botou Falcão no banco

Márcio Araújo e Silas jogaram juntos no meio-campo do São Paulo nos Anos 1980 - Reprodução/Twitter

O destaque na base tricolor rendeu promoção ao time profissional, Márcio Araújo virou um dos ‘Menudos do Morumbi’ e em 1985 viveu um episódio que marcou sua carreira. Ele era o coringa de um time jovem e veloz comandado por Cilinho e diz ter jogado “em oito funções; só não lateral ou goleiro”, mas quase virou reserva com a chegada de Paulo Roberto Falcão. O craque voltava da Itália consagrado como Rei de Roma, portanto cercado de expectativa.

Mas Falcão sofria com dores no joelho e tinha rendimento muito abaixo do esperado, por isso Cilinho enfrentou a opinião pública e manteve o meio-campo do São Paulo intocado. Assim Márcio Araújo manteve-se como titular, inclusive na finalíssima do Campeonato Paulista: foi Pita quem virou reserva no jogo do título sobre a Portuguesa. “Imagina o time investir alto em um cara, que dá retorno de marketing para o clube, e você não põe para jogar? É uma situação difícil. Mas se eu fosse o treinador também não teria me tirado, pela função que eu ocupava”, opina Márcio Araújo.

“A grande lição nisso foi não entregar a camisa: eu gostava muito do Falcão, o tinha como ídolo, um cara fantástico. Mas tive uma lição de não desistir, e também de que o técnico tem que fazer justiça”, reflete o ex-Menudo do Morumbi, que não vê influência externa na mudança de Cilinho para a final. “Uma parte da torcida não estava contente com a situação; uma parte da diretoria também, porque havia o investimento. Mas o Cilinho não aceitaria ser pressionado”, defende.

Diniz tem a visão de Cilinho e a paixão de Telê Márcio Araújo traça um paralelo entre treinadores e a visão de futebol do próprio São Paulo, que, segundo ele, “sempre quis o melhor para o futebol”. Ele se refere ao pioneirismo do clube em termos de CT, organização e categorias de base e costura toda esta filosofia com o potencial de Diniz. “É por isso Fernando está no lugar certo. Ele se assemelha muito com o Telê, e veio para fazer muito do que o Telê fez”, profetiza.

“O Cilinho tinha uma malandragem humorística e uma capacidade tática inigualável. O Telê também tinha essa capacidade, mas o principal é que amava o futebol”, compara Márcio Araújo, incluindo o atual treinador são-paulino na conversa. “O Fernando tem um pouco dos dois, mais do Telê. Ele também tem a vontade pelo confronto, sem medo de perder o jogo ou o emprego. E isso tem tudo a ver com o São Paulo.”

Só voltou ao futebol por causa de Diniz Márcio Araújo auxilia Fernando Diniz no maior desafio da carreira do treinador

Márcio Araújo auxilia Fernando Diniz no maior desafio da carreira do treinador -  Érico Leonan / saopaulofc.net

Márcio trocou o São Paulo pelo Noroeste-SP em 1986. De lá foi para a Portuguesa e pouco depois se aposentou. Voltou ao Morumbi para ser auxiliar de Telê Santana, aí o acompanhou no Palmeiras e lá virou treinador. Ele e Fernando Diniz trabalharam juntos no Paraná Clube em 1998, época em que partilhavam o gosto pelo futebol surpreendente. “Nosso sonho era o lateral direito cruzar, e o outro lateral fazer o gol de cabeça”, brinca o auxiliar.

Com a amizade, mantiveram contato até o treinador convidá-lo a ser auxiliar no Fluminense, no ano passado. “Sempre tivemos uma relação muito íntima, pelo jeito que temos e porque eu entendia o que ele precisava para ser melhor [como jogador]. Nos demos bem”, diz Márcio, que foi técnico de 19 clubes antes de deixar o futebol de lado para dar mais atenção à família, em 2015. O tempo passou, e o mercado se fechou, mas Diniz lhe deu a chance de voltar à ativa.

“Só voltei porque era o Fernando. Ele me ligou perguntando se eu gostaria de ir com ele, e aceitei. Mas hoje mais aprendo do que ajudo”, conta. O trabalho no Fluminense foi curto, mas o destino reservou a Márcio Araújo um retorno ainda mais esperado. “Como não voltar para cá?”, derrete-se o auxiliar, recontratado pelo São Paulo 42 anos após conhecê-lo pela primeira vez.