Campeão mundial com SP “perdoa” Casagrande por remorso e quer encontro

1079

UOL

Marcello De Vico e Vanderlei Lima

Campeão mundial com o São Paulo em 1993, em cima do Milan, Jurandir Fatori, o Jura, vivia o auge da sua carreira. A expectativa era grande para, quem sabe, aparecer na lista do técnico Parreira e ser um dos convocados para a Copa do Mundo de 1994. Mas um lance durante um jogo contra o Flamengo no fim de 93, poucos meses antes do Mundial, colocou fim ao sonho do ex-lateral.

Debaixo de muita chuva, o jogo pedia atenção redobrada. Qualquer dividida poderia ocasionar algo mais grave. E foi o que aconteceu. Casagrande, na época jogador do Flamengo, deu um carrinho e pegou o pé direito de Jura, que precisou deixar o campo; logo depois teve constatada a lesão do ligamento. Foram cinco meses de molho e o fim do sonho da Copa do Mundo. Ainda segundo Jura, seu futebol nunca mais foi o mesmo depois disso. Mas não há nenhuma mágoa.

Publicidade

Em entrevista exclusiva ao UOL Esporte, o ex-lateral direito isenta Casagrande de qualquer culpa no lance e diz que tem vontade de reencontrar Casão, hoje comentarista da TV Globo.

Jorge Araújo/Folhapress

“Esse aí eu preciso encontrar. Não consigo encontrá-lo. Esse jogo foi bem na véspera da convocação pra Copa de 94, quando eu estava vivendo meu melhor momento. Depois dessa lesão eu fiquei quatro meses parado no São Paulo, só tratando, desandou, e daí pra frente minha carreira não foi a mesma, assim como meu pé direito não foi mais o mesmo. Sempre sinto dor, até hoje. O Casagrande mesmo, sempre que comentava jogos meus depois, sempre falava: ‘Eu que prejudiquei a carreira do Jura, no momento que ele mais estava no auge’. E não foi por querer, foi um acidente, uma infelicidade, mas foi um lance crucial”, disse Jura.

“Não teve maldade. Estava chovendo e ele deu um carrinho e não conseguiu parar; pegou o meu pé direito no chão e acabou com todos meus ligamentos. Não cheguei a operar porque o São Paulo já tinha uma estrutura boa, mas minha recuperação foi muito lenta, sinto dor no pé até hoje. Nunca mais foi o mesmo”, lamenta o ex-lateral, que vê em Casão um exemplo de vida.

Divulgação

“Sim, é um exemplo de vida. Nós que passamos por isso somos um exemplo de vida, porque não é fácil sair. A gente chegou mesmo no fundo do poço. Eu tinha um real no bolso, todo mundo te olhava diferente. Não que a gente fez mal para os outros, fizemos mal pra nós mesmos. Gostaria [de reencontrá-lo], porque ele viveu o mesmo momento que eu vivi. Chegou praticamente no fundo do poço, como eu. Mas mágoa, nenhuma, jamais. Gosto dele e sou feliz por ele”, diz o ex-lateral que também passou por Flamengo, Guarani e Bahia, entre outros.

Assim como Casão, Jura precisou superar o vício de drogas. Mais que isso. O excesso de noitadas fez o ex-lateral perder quase todo dinheiro que tinha. Depois de trabalhar como manobrista no estacionamento de um restaurante em Piracicaba, no interior de São Paulo, ele voltou ao futebol e hoje dá aulas para 240 meninos de 4 a 16 anos em uma escolinha – também em Piracicaba – que tem Jonathan Cafú, que hoje atua no Bordeaux da França, como dono.

Apesar da escolinha, Jura ainda passa por problemas financeiros. Não tem dinheiro, por exemplo, para fazer o que mais deseja no momento: um curso obrigatório da CBF que lhe dá o direito de voltar a ser treinador. E aproveita para mandar uma mensagem a Casão e aos ex-companheiros não para pedir dinheiro, mas para ter alguma oportunidade no futebol.

Divulgação/Centro de Treinamento Jonathan Cafu

“Não quero dinheiro, quero uma oportunidade de trabalho. E hoje o Casão está aí, gosto dos seus comentários, é um baita de um profissional. Acredito, sim, que está recuperado [das drogas], e ele aproveitou bem a oportunidade. Se um dia eu tiver a oportunidade de falar com ele, pode ter certeza que ele vai olhar com carinho porque sabe que esse negócio é delicado e difícil. Nunca mais encontrei o Casão. Hoje ele Casão está bem; teve o mesmo problema que eu, está recuperado. Teve a oportunidade numa emissora de TV… E eu também queria falar com ele, pra pedir uma força. Ele sabe como que é a situação, sabe que a gente pode mudar, sim. Mas não consigo falar com ele, nunca consegui o contato”, acrescenta Jura.

“E se puder me dar uma força, olha quantos ex-atletas estão comentando na televisão, seria interessante também. Mas quero dizer também que estou muito feliz onde estou. Cuido de 240 crianças, o CT Jonathan Cafu abriu as portas, sou muito feliz trabalhando lá. Só que é aquilo: a gente sempre quer algo mais pra pensar na família, mas estou feliz. E jamais cuspir no prato que está comendo. Mas a gente tenta visar uma coisa melhor. O Paulo [irmão do Jonathan Cafu] é um irmão; o Jonathan vem pouco, mais nas férias dele lá da Europa [França], mas é um cara muito querido e gosta muito de mim, e sabe das condições do nosso trabalho também. Ele sempre me valoriza muito, é um cara campeão. A família deles é muito boa.

“Telê falava que eu era mil vezes melhor que o Cafu”

Jura (cabelo loiro ao lado de Cafu) foi campeão com o São Paulo no Mundial de 1993 - Jorge Araújo/Folhapress

De acordo com Jura, Telê Santana, seu técnico no São Paulo, elogiava-o a ponto de falar que ele era ‘mil vezes’ melhor que Cafu. O ex-lateral acredita que poderia ter chegado à seleção e ao futebol europeu se tivesse se cuidado mais – fora o problema com lesão que enfrentou. “Eu acredito porque, no meu conceito, trabalhei com grandes treinadores, e, pra mim, o melhor mesmo foi o mestre Telê Santana. Ele falava sempre pra mim que eu era mil vezes melhor que o Cafu. Só que eu não queria, preferia outras coisas. Acabavam os jogos e eu ia pra noite; já o Cafu se cuidava. E ele [Telê], com aquele perfil, com a qualidade de treinador, se ele falava isso, acredito que eu tinha um baita potencial pra chegar na seleção e até na Europa”, afirma.

Ele recorda ainda a convicção que Telê Santana o colocava à frente de Cafu em qualidade. “Era convicto. Tanto que a gente fazia fundamento depois dos treinos e eu fazia três, quatro, e o Cafu ficava lá e fazia mais de 50 bolas, batendo na bola. O Cafu tinha muita força física, tanto que, quando ia para a seleção brasileira, ia mais para o meio-campo. E ele [Telê] dava um jeitinho de me manter ali porque alguma coisa diferente a gente tinha”, acrescenta Jurandir Fatori.

VEJA OUTROS TRECHOS DA ENTREVISTA

Jura (dir.), ex-São Paulo, ao lado do irmão de Jonathan Cafu - Divulgação/Centro de Treinamento Jonathan Cafu

UOL Esporte: O que anda fazendo da vida hoje? Jura: Estou na escolinha (Centro de Treinamento Jonathan Cafu em Piracicaba), um projeto com as criançadas. Também fui treinador do Rio Claro no Campeonato Paulista, fizemos um bom trabalho, com poucas condições. E nessa situação conseguimos empregar seis atletas nossos para grandes clubes. Depois voltei para a escolinha, e estamos agora na mesmice aqui ainda, mas com projeto. E agora tem que ter curso pra gente ser treinador, porque eu almejo coisas mais pra mim. No Rio Claro foi bom, a própria assessoria da escolinha foi quem pegou o Rio Claro e me levou como treinador, só que depois trocou o presidente lá, mudou toda a gestão e a gente também acabou saindo. Mas esse é o objetivo que tenho: ser treinador de futebol e conseguir algum clube.

UOL Esporte: Mas você tem o curso de treinador? Jura: Eu vou fazer esse curso da CBF agora, já que o curso da licença B é obrigatório pra gente comandar tanto categoria de base quanto profissional. O que estou precisando, de verdade, é recurso financeiro mesmo. Não é barato, não, mas assim que tiver recurso vou fazer esse curso. A licença B é R$ 7.800. É pesado.

UOL Esporte: A fase difícil que atravessava financeira já passou? Jura: A dificuldade ainda é grande, sozinho, e escolinha é aquilo lá, né? É pra você pagar as contas e olhe lá. Mas eu almejo alguma coisa melhor, porque eu cheguei quase no fundo do poço mesmo. Agora estou me reerguendo, família construída, mas não está fácil. UOL Esporte: Você costuma passar no restaurante onde você trabalhou de manobrista e conversa com o pessoal de lá?

Jura: Lógico, passo sim. Eu sou muito grato às coisas sabe. Com o pouco que eu tinha, ajudei muita gente, só que a recíproca não é a mesma. Essas pessoas que já estendi as mãos quando tinha uma situação melhor, somem tudo. Não estou falando do pessoal do restaurante; hoje, graças a Deus, tenho as portas abertas lá no CT do Jonathan Cafu. UOL Esporte: Que conselho pode dar mais para os jovens não perderem dinheiro com noite e mulheres?

Jura: Eu passo sempre pra eles: equilíbrio, equilíbrio familiar. O amigo está dentro de casa. Tem que saber levar desaforo, ter os pezinhos no chão, fazer um bom investimento e, além de tudo, estudar. Eu parei de jogar futebol e só tinha a 8ª Série, então tive que fazer supletivo pra tentar tirar esse curso da Licença B – que espero um dia conseguir. Então, o estudo é fundamental. Mesmo jogando, você tem que ter o equilíbrio e o estudo na vida. UOL Esporte: Então, quando você jogava futebol, só tinha completado a 8ª série?

Jura: Eu fiz até a 8ª Série e parei. Não tinha feito o segundo grau. Subi para o profissional com 17 anos, fiz minha estreia e já achava que não precisa estudar mais, pensava que estava tranquilo, dinheiro entrando [risos]… Mas não é assim, tem que dar continuidade porque ninguém sabe o dia de amanhã. Agora estou finalizando o segundo grau e depois quero fazer este curso da CBF. Vamos ver se no ano que vem consigo fazer esse curso tranquilo. UOL Esporte: De que forma você sonha em voltar a trabalhar com futebol?

Jura: Acredito que meu trabalho é muito bom, mas não adianta só eu acreditar, né? Tenho que ter a oportunidade de alguém estender a mão, mas é difícil. Mas uma coisa que me chama a atenção é que, mesmo tendo feito um bom trabalho no Rio Claro, não tive especulação nenhuma, não aparece oportunidade. Isso aí não sai da minha cabeça. Parece ser um peso: o que o Jura foi, o que ele fez, o que aconteceu comigo… Hoje sou um pai de família, tenho uma família maravilhosa. UOL Esporte: Você conversa com o pessoal do Guarani, São Paulo, jogadores que conviveram com você e sabem da sua batalha e, de repente, estão nesses clubes?

Jura: Eu já pedi oportunidade de trabalho. Não quero dinheiro, não, quero a oportunidade de trabalho pra mostrar meu valor. Esses dias aí conversei com o São Paulo e coloquei minha dificuldade; o São Paulo é um clube que, sempre que precisei, me estendeu a mão. O Guarani também. No São Paulo conversei com o Pita, ele é o coordenador da base. Expliquei minha situação, e a gente só aguarda, né? Mas proposta, mesmo, não. Infelizmente isso não aparece. UOL Esporte: Por que então essa oportunidade não aparece?

Jura: Não sei. Não sei se é o que eu já fiz no meu passado… Você não pode olhar o meu passado porque eu cuido de 240 crianças, tem que dar o respeito, é filhos dos outros, então não tem por que… O meu trabalho é bom, cara, é muito bom, mas tenho fé. É difícil, mas Deus está clareando alguma coisa interessante aí. UOL Esporte: Quando você conversou com o Pita coordenador da base do São Paulo ele falou o que pra você?

Jura: Ele falou que estava cheio, que todas as categorias estavam preenchidas, e que se um dia houver uma oportunidade fará contato comigo. Essa oportunidade, por enquanto, não surgiu, não.