UOL
Andrei Kampff
A prisão do goleiro Jean, do São Paulo, após agredir a mulher nos Estados Unidos, mostrou que ainda há um longo caminho a ser percorrido na hora de contratar um jogador quando falamos dos clubes brasileiros. Desde que chegou ao Tricolor, Jean se envolveu em uma série de confusões. Para o doutor em psicologia do esporte pela USP e presidente da Associação Paulista da Psicologia do Esporte, João Ricardo Cozac, esse tipo de situação poderia ser evitada se os clubes brasileiros não neglicenciassem a psicologia no esporte.
“Eu acho que o clube, quando tiver o desejo de contratar um jogador, já poderia acionar um psicólogo para fazer previamente um estudo do perfil psicológico, do comportamento pregresso desse jogador, para entender um pouco as características do perfil. E aí poder elaborar um conjunto de informações sobre o comportamento psicológico, comportamento emocional. Os clubes deveriam tomar um cuidado de fazer uma avaliação prévia. Assim como fazem a avaliação física e médica, deveriam fazer avaliações profundas no campo psicológico”, analisa Cozac, que faz questão de deixar claro que o problema não está só no futebol, mas também em outros esportes.
A batalha pelos novos talentos é uma constante no futebol. Só que do mesmo jeito que é importante que o jogador tenha qualidades com a bola nos pés, é necessário que ele esteja com a cabeça boa para poder ter um desempenho aceitável dentro de campo. Mas o futebol brasileiro ainda vê isso com restrições.
“O problema é que a psicologia do esporte no futebol ainda é muito banalizada, seja pelo preconceito e desinformação dos dirigentes, ou por uma construção cultural, de que o futebol não precisa de psicologia. Os exemplos não param de acontecer. As organizações não percebem que esse tipo de comportamento depõe contra a instituição e mesmo assim, não entendem a importância de se criar departamentos de psicologia do esporte. Isso é o mais curioso. Dos aspectos humanos, o preconceito diante da psicologia do esporte no futebol já fez muitas vítimas. E, se nada mudar, novos casos como esses infelizmente voltarão a ocorrer”, pontua Cozac.
E esse desprezo pela psicologia no esporte brasileiro pode ter começado com um dos grandes craques que o Brasil já produziu, justamente no primeiro título mundial conquistado pela Seleção Brasileira. O psicólogo João Carvalhaes, pioneiro no uso da psicologia no esporte, campeão paulista como membro do São Paulo em 1957, foi chamado a integrar a comissão técnica do Brasil que disputaria a Copa do Mundo de 1958, na Suécia. Depois do fracasso na Copa de 1950, quando o Brasil perdeu o título em casa, e no Mundial de 1954, na Suíça, a saída seria avaliar os jogadores psicologicamente para garantir que os jogadores estariam prontos para superar as adversidades psicológicas.
Ficou famoso o teste aplicado em Garrincha, onde o ponta do Botafogo teria marcado apenas 38 de 123 pontos possíveis no teste psicotécnico aplicado por Carvalhaes. Instrução primária, inteligência abaixo da média e agressividade zero eram as classificações que Carvalhaes fez sobre Garrincha. Outro a passar pelo escrutínio do psicólogo foi Pelé, então com 17 anos. Garrincha tinha 25. Assim, a dupla ficou na reserva nos dois primeiros jogos e só foram ganhar a titularidade na terceira partida da primeira fase, contra a então União Soviética, na partida que ficou conhecida como os cinco melhores primeiro da história dos mundiais, tamanha foi a atuação de Garricha.
“O professor João Carvalhaes foi um visionário. O Garrincha foi reprovado e foi um dos melhores jogadores daquela Copa. Só que o que muita gente esquece é como o Garrincha morreu. O Garrincha morreu de cirrose hepática, jovem e alcoólatra. E aí eu pergunto: será que alguns fatores de reprovação naquele teste já não tinham a ver com comportamento do Garrincha? As pessoas não lembram que é atleta e ser humano em ação. Não é só o atleta. Existe o lado humano”, afirmou o psicólogo João Ricardo Cozac.
Um dos caminhos para obter informações sobre os atletas nos dias de hoje é a anamnese, que é uma entrevista dirigida com temas previamente selecionados pelo psicólogo, como início de carreira, dificuldades, relações familiares e as relações sociais histórico do do atleta dentro e fora de campo.
“A gente pode fazer esse levantamento e, junto com o médico, junto com o preparador físico, ter aí uma totalidade de informações mais ampla sobre o jogador. Agora, se o atleta vai se comportar de uma forma que vá de alguma forma, denegrir a instituição ou vai ter um rompante. É impossível de se prever isso. Em alguns casos, é possível a gente entender que possa de alguma maneira, ver um comportamento agressivo, de acordo com o verbal do atleta, o comportamental previamente estudado”, explica Cozac.
A Lei Pelé, nos artigos 34 e 35, obriga o clube a fornecer as condições pra prática esportiva, dentre as quais a o apoio psicológico. “A Lei Pelé especificamente é muito vaga quanto a periodicidade dos exames psicológicos. Se diz muito sobre essa necessidade, mas se fala pouco sobre como isso deve ser implementado”, critica a advogada Danielle Maiolini, especialista em direito esportivo.
Segundo Cozac, na Europa os clubes estão muito à frente das agremiações brasileiras. A federação alemã tem psicólogos em todas as categorias de base até o profissional. Um exemplo de uso bem feito é o do Borussia Dortmund, que quando vai contratar jogadores na América do Sul, leva em seu staff um psicólogo para avaliar se o jogador que eles querem contratar vai suportar a pressão de jogar no clube.
“O atleta precisa ter traços de perfil que sejam similares aos da instituição. Tem muito jogador que joga bem num time e joga muito mal no outro. São ótimos atletas, só que depende das características institucionais da equipe que o jogador vai jogar. Então, é preciso ter um certo cuidado na contratação e não só pelo talento e depois a gente vê o que faz. Você precisa ter esses cuidados, além dos médicos como o Borussia faz”, exemplifica Cozac.
Mas e se mesmo com todos esses cuidados o jogador se envolve em uma confusão, o que é possível fazer em situações como essas?
“Um clube pode rescindir com o atleta nessa hipótese. O máximo que pode acontecer pelo menos na letra da lei é que esse atleta saia sem que o clube tenha que pagar a multa. Mas existem algumas pessoas que defendem que, além de não ter que pagar nada pelo rompimento antecipado do contrato, o clube deveria ser ressarcido primeiro pelo dano sofrido em relação a imagem por descumprimento das obrigações de lisura e de respeito a qualquer tipo de valor que o clube tenha bem delimitado e segundo que o clube deveria ser indenizado como se o atleta tivesse sido transferência. Hoje se ele é mandado, embora por justa causa, ele não precisa pagar nenhum tipo de indenização. Ele fica livre pra poder ir jogar em outro lugar e se defende que em uma analogia, a própria lei do Trabalho que houvesse essa previsão de pagamento de multa em caso de descumprimento grave”, resumiu Danielle Maiolini, advogada especialista em direito esportivo.
Em nota oficial, o São Paulo deixou claro que vai rescindir o vínculo com Jean, mas só depois que o período de férias acabar. Jean, que estava preso, foi liberado nesta quinta-feira (19). Por Thiago Braga.