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Gabriel Carneiro
O sucesso do português Jorge Jesus e do argentino Jorge Sampaoli, campeão e vice do Campeonato Brasileiro à frente de Flamengo e Santos, respectivamente, abriu o Mercado da Bola nacional de vez para treinadores estrangeiros. Depois de experiências que podem ser definidas como curtas, malsucedidas ou que não renderam títulos e grande legado com nomes como Diego Aguirre (Internacional, Atlético-MG e São Paulo), Reinaldo Rueda (Flamengo), Edgardo Bauza e Juan Carlos Osorio (São Paulo), Paulo Bento (Cruzeiro) ou Ricardo Gareca (Palmeiras), os clubes observaram de perto as boas campanhas dos estrangeiros em 2019.
Agora que o Brasileirão acabou, com 24 trocas de treinadores em 38 rodadas, nomes estrangeiros passaram a frequentar o noticiário esportivo como soluções para os clubes brasileiros. O Athletico Paranaense, por exemplo, teve conversas com o argentino Sebástian Beccacece, enquanto o Santos tem a alternativa de apostar em Ariel Holan agora que Sampaoli pediu demissão – dirigentes do Fluminense também veem o argentino como um caminho para 2020. Isso sem contar o acerto iminente do Inter com Eduardo Coudet e o surgimento de nomes como Matías Almeyda, Gabriel Heinze, Jorge Almirón, entre outros.
Aqui, o UOL Esporte tenta explicar quem são, o que já ganharam e como podem ser definidos, de maneira simples, os estilos dos treinadores estrangeiros que prometem invadir o país no ano que vem. Os próximos Jesus e Sampaoli estão chegando. Veja quem são:
EDUARDO COUDET
Argentino de 45 anos acertou com o Internacional para 2020, mas ainda não foi oficializado. Ele está no Racing desde dezembro de 2017 e antes disso treinou só dois times: Tijuana (MEX) e Rosario Central (ARG). São apenas cinco anos de carreira e um título (Campeonato Argentino 2018/2019). Ele também acumulou dois vices da Copa da Argentina pelo Rosario, time pelo qual eliminou o Grêmio e quase tirou o campeão Atlético Nacional (COL) na Libertadores de 2016. Pelo Racing, superou Vasco e Cruzeiro na fase de grupos da Libertadores de 2018.
Coudet é conhecido pelo trabalho com jovens, tendo dado espaço a nomes como Juan Musso e principalmente Lautaro Martínez, hoje na Inter de Milão e na seleção argentina. Seus times assumem protagonismo, com futebol propositivo, posse de bola e trabalho ofensivo que preza dinamismo, movimentação e velocidade dos pontas que jogam muito abertos. A defesa é o calcanhar de Aquiles, nem sempre segura e organizada.
SEBASTIÁN BECCACECE
Se Coudet sagrou-se campeão do Campeonato Argentino 2018/2019 pelo Racing, o vice ficou com Beccacece, pelo modesto Defensa y Justicia. Aos 38 anos, ele trabalhou por 13 temporadas como assistente de Jorge Sampaoli, do futebol peruano à seleção argentina – chegou a recusar um convite de Marcelo Bielsa para ser auxiliar da seleção chilena após a Copa de 2010 por lealdade ao atual técnico do Santos.
Em carreira solo, dirigiu Universidad de Chile entre janeiro e setembro de 2016 com péssimos resultados (cinco vitórias em 24 jogos), depois assumiu o Defensa, que, antes de ser vice-campeão argentino, eliminou o São Paulo na primeira fase da Copa Sul-Americana. Saiu para auxiliar Sampaoli na seleção e também dirigir a Argentina sub-20, mas durou pouco. Voltou. Em 2019, saiu ídolo para assumir o Independiente, onde novamente falhou: oito vitórias em 16 jogos. Pediu demissão e está desempregado.
Beccacece gosta de trabalhar com elencos curtos (cerca de 20 jogadores) e é afeito ao uso de jovens e jogadores renegados em outros clubes. Ele é preocupado com o entorno dos clubes onde trabalha, a parte estrutural, e em campo tem estilo naturalmente parecido com o de Sampaoli: é ofensivo, gosta da saída de bola limpa desde o goleiro, protagonismo com base na posse de bola e muita pressão pós-perda da bola. O ponto frágil é a defesa: seus times tomam muito contra-ataque.
ARIEL HOLAN
Beccacece foi substituto de Ariel Holan no Defensa y Justicia, em novembro de 2016. O clube argentino foi o primeiro da carreira do treinador, hoje aos 59 anos. Apesar de veterano, Holan tem apenas quatro anos na função – antes ele era técnico e dirigente no hóquei sobre grama, pelo qual foi bronze no Pan de 2003 pela seleção feminina do Uruguai.
O sucesso na profissão o tornou palestrante e gerou um convite para trabalhar na comissão técnica de Jorge Burruchaga em 2003, no Arsenal (ARG). Foi diretor na base e auxiliar em vários clubes até assumir o Defensa, em junho de 2015. Foi bem e acabou contratado pelo Independiente, onde brilhou: foi campeão da Copa Sul-Americana de 2017 batendo o Flamengo no Maracanã e da Copa Suruga, no Japão. Está sem clube desde maio.
Ariel Holan é fanático por tecnologia desde os tempos em que trabalhava em outro esporte. Análise de desempenho e áreas externas, como a psicologia, são fortemente usados em seus trabalhos. Em campo, um volante é recuado para fazer a saída de bola ao lado dos zagueiros em times com grande variação tática. Em seus times, laterais são construtores e os ataques em alta velocidade. Em contrapartida, é um time que dá muito espaço se os movimentos não forem bem organizados.
JORGE ALMIRÓN
Assim como Holan, Jorge Almirón também é adepto da “saída de três”, com um volante recuando à linha de zagueiros. Ex-jogador com fama no futebol mexicano, o argentino começou a carreira de treinador em 2008 e dirigiu 11 clubes até agora. Suas maiores conquistas foram pelo Lanús, principalmente o Campeonato Argentino de 2016. Também foi vice da Libertadores de 2017 contra o Grêmio. Nos últimos anos, dirigiu Atlético Nacional (COL), San Lorenzo e Al-Shabab (ARS), além de ter batido na trave para trabalhar no Campeonato Espanhol por falta de licença.
O jornal argentino ‘La Nación’ definiu Almirón como um “revolucionário discreto”. Ele não é afeito a gritos e gestos exagerados na beira do campo, mas evolui jogadores e conceitos no dia a dia de treinamentos. Seus times trocam muito passe, são muito coletivos, os laterais jogam quase sempre por dentro por causa da saída de três, e o centroavante nunca é aquele paradão. José Sand no Lanús, por exemplo, saía da área para criar linhas de passe. Por outro lado, há espaço para o adversário e o sistema precisa estar bem ajustado contra times que marcam alto. Um erro de passe destrói a ideia de jogo.
MATÍAS ALMEYDA
Ex-jogador da seleção argentina nas Copas do Mundo de 1998 e 2002 e que defendeu clubes como River Plate, Sevilla, Lazio e Inter de Milão trabalha como treinador desde 2011, quando assumiu o próprio River após o rebaixamento. Foi campeão da segunda divisão local, mas acabou demitido por causa de uma campanha instável na elite. Depois dirigiu Banfield (ARG), Chivas (MEX) e San Jose Earthquakes (EUA), desde outubro de 2018. O maior sucesso foi no México, como campeão nacional em 2017 e da Liga dos Campeões da Concacaf em 2017/2018. Terminou o Mundial em 6º e pouco tempo depois migrou para a MLS, onde ainda está.
O argentino é vibrante na beira do campo. Dono de temperamento forte, saiu do Chivas por desentendimentos com dirigentes, mesmo sendo ídolo e tento tatuado o título de 2017. É um treinador que gosta de ter jogadores experientes no elenco, mas integra a base e vai bem em observação de mercado de jogadores de baixo custo. Não é um legítimo ofensivista, tanto é que chegou a atuar com linha de cinco defensores em vários momentos, mas potencializa todo centroavante com quem trabalha.
GABRIEL HEINZE
Outro ex-jogador de sucesso da seleção argentina, com passagens por PSG, Manchester United e Real Madrid. Começou como treinador em julho de 2015, ainda sem licença para trabalhar pelo Godoy Cruz. Durou pouco. Em 2016 assumiu o Argentinos Juniors na segunda divisão e enfrentou fortes críticas pela inexperiência. Depois embalou, subiu para a elite e aceitou proposta do Vélez Sarsfield, que treina desde 2018. Hoje é quarto colocado do Campeonato Argentino.
Heinze é um treinador muito preocupado com os processos internos, a seriedade dos projetos que assume. Tem muito foco em profissionalização e comportamento dos jogadores – chegou a proibir videogame na concentração do Vélez, por exemplo, para que os jogadores interagissem mais pessoalmente. Sua relação com torcedores costuma ser bélica. Em campo, são times que atacam com muitos jogadores, sempre entre os melhores ataques dos torneios que disputa.
MIGUEL ÁNGEL RAMÍREZ
Técnico espanhol de apenas 35 anos conduziu o Independiente del Valle, do Equador, ao inédito título da Copa Sul-Americana em 2019. Ele assumiu como técnico em maio, após um ano nas categorias de base, e é seu primeiro trabalho profissional. Antes disso passou pelas categorias inferiores de Las Palmas e Alavés, na Espanha, até ser contratado pela Federação de Futebol do Qatar, onde trabalhou seis anos na formação de jogadores. Tem contrato até dezembro de 2020 no Del Valle.
Ramírez colocou o Corinthians de Fábio Carille na roda nas semifinais da Sul-Americana, com troca de passes no ataque, gosto pela posse, linhas próximas e ofensividade, além do uso frequente de garotos das categorias de base – a verdadeira especialidade do treinador. Dos bancos da universidade, o espanhol é estudioso de métodos de treinamento e formação, tem licença Uefa máxima e é graduado como coach.
JUAN ANTONIO PIZZI
Técnico da seleção da Arábia Saudita na Copa do Mundo do ano passado, Pizzi está sem clube depois de deixar o San Lorenzo (ARG), em outubro, após somente 13 partidas. O argentino naturalizado espanhol começou a carreira de técnico em 2005 e empilhou trabalhos interessantes com elencos fracos, como o Santiago Morning (CHI), semifinalista do Campeonato Chileno. O primeiro título foi em 2010, pela Universidad Católica. Foi técnico do Valencia (Espanha), do León (México), e da seleção chilena no lugar de Jorge Sampaoli, campeão da Copa América de 2016. Pediu demissão depois de tomar 3 a 0 do Brasil.
Os trabalhos de Pizzi privilegiam posse de bola, passes curtos e controle de jogo, mas não são necessariamente times ofensivos – na Copa do Mundo da Rússia ele chegou a escalar seu time com uma linha de seis defensores. Inclusive, uma das críticas é que ele tenta colocar seu estilo mesmo em elencos que não se adaptam. Também são times de muita bola aérea.
FRANCISCO ARCE
Aos 48 anos, ex-lateral-direito, com passagens vencedoras por Grêmio e Palmeiras, é treinador desde 2008 e está sem clube atualmente. Inclusive, foi oferecido ao Palmeiras para 2020, mas o nome não agradou. Ele foi campeão da segunda divisão do Paraguai pelo Rubio Ñú e depois foi quarto colocado pelo mesmo time na elite, o que credenciou a assumir a seleção local, pela qual teve duas passagens. Foi bem no Cerro Porteño, mas ainda não tem um grande trabalho.
Arce é conhecido no futebol paraguaio por armar defesas fortes – seu Cerro quebrou um recorde de invencibilidade na liga local. O trabalho é mais pragmático, não são times com grande variação tática ou alternativas de jogo e apostam muito na bola aérea.
JOSE PESEIRO
Técnico português de 59 anos está livre no mercado há um ano e é frequentemente oferecido por empresários a clubes brasileiros, como São Paulo, Atlético-MG e Internacional. Ele tem passagens por vários clubes portugueses, dos Emirados Árabes e Arábia Saudita. Esteve no Real Madrid como auxiliar técnico de Carlos Queiroz. No currículo, tem dois títulos da Taça da Liga de Portugal e um campeonato egípcio, conquistado com o Al-Ahly em 2015.
Peseiro é conhecido como um treinador muito dedicado aos processos internos e parte estrutural, além do gosto pelo futebol ofensivo – ele foi convidado a trabalhar no Real justamente por essas características. Porém, as maiores críticas são por perder facilmente o controle de grupos de jogadores por falta de liderança e pela falta de intensidade de suas equipes, especialmente em decisões.