UOL
Marcello De Vico e Vanderlei Lima
É bem provável que todo torcedor são-paulino lembre-se com detalhes do dia 18 de dezembro de 2005. Liverpool e São Paulo fizeram um jogo épico na decisão do Mundial de Clubes, no Japão, com direito a uma defesa memorável de Rogério Ceni em uma cobrança de falta do então capitão dos Reds, Steven Gerrard. Mineiro, aproveitando assistência de Aloísio Chulapa, fez o gol que deu ao Tricolor o terceiro título mundial de sua história – após 1992 e 1993.
A imagem de Rogério Ceni – com a taça de campeão – cumprimentando um decepcionado Steven Gerrard se tornou um clássico entre (claro) os são-paulinos, expondo uma questão até hoje discutida em relação à importância que os europeus dão ao Mundial. Será que eles realmente levam a competição a sério? Ou só se importam mesmo com a Liga dos Campeões? Torcedor e ex-jogador do São Paulo, o ex-lateral Fábio Aurélio, que defendeu o Liverpool de 2006 a 2012, acredita que os brasileiros realmente deem mais importância ao Mundial, mas não que os times do Velho Continente joguem sem se importar, já que se lembram quando perdem.
Em entrevista exclusiva ao UOL Esporte concedida dias antes do Mundial de 2019 que começa hoje (11) e tem Flamengo e Liverpool como favoritos, o ex-jogador que ainda passou por Valencia (Espanha) e Grêmio recordou, porém, uma conversa que teve com o espanhol Luis Garcia, um dos jogadores do Liverpool naquela decisão. E nela, fica claro que as memórias da derrota para o São Paulo e, especialmente das defesas de Rogério Ceni, principal destaque do São Paulo naquela final, ainda estão vivas entre os ex-jogadores e torcedores dos Reds.
“Curiosamente, eu estive com o Luís Garcia agora nessa viagem que tive recentemente e até brinquei com ele em relação a isso. E ele, meio que brincando: ‘Eu nem quero conversar do Mundial. Eu lembro o Rogério Ceni pegando tudo’. Para eles, para o Liverpool, acredito que [o Mundial] não tem a mesma importância que damos aqui no Brasil, mas obviamente é um título a ser disputado, é um título que eles sentem não ter conquistado, apesar de não darem tanta importância. Então tem um pouco essa brincadeira, tipo assim: ‘Ah, aquele goleiro e tal, você não vai vir falar do São Paulo’, e ele sabe que eu sou são-paulino, e eu falo: ‘Ganhamos de vocês no Mundial'”, recorda Fábio Aurélio.
“Eu lembro que eu estava em Valencia ainda, antes da minha ida ao Liverpool… Mas, agora no Qatar, vai trazer muitas lembranças e comentários pelo Liverpool já ter perdido há 38 anos do Flamengo. Depois teve contra o São Paulo, em 2005, e vai ser interessante principalmente pelo momento que o Liverpool vem vivendo. Vem se transformando numa potência muito grande no contexto mundial, não só no Campeonato Inglês, e já há tempos procura essa conquista, e a cada ano se aproxima mais”, acrescenta o ex-lateral, que hoje é sócio proprietário de uma empresa que cuida da carreira de atletas (NG Soccer).
Apesar das várias temporadas com a camisa do Liverpool, Fábio Aurélio não consegue ter uma explicação mais sólida para os europeus não ligarem tanto para o Mundial assim como os brasileiros. Mas tem uma teoria.
“Eu não sei te explicar o porquê. Não sei se é porque são poucas as oportunidades que as equipes brasileiras têm de enfrentar os grandes clubes europeus e eles, pelo contrário, estão enfrentando clubes que não são europeus [no Mundial]… Então isso, no meu ponto de vista, talvez seja um dos fatores pelo qual eles não dão a mesma importância que as equipes brasileiras. Eles devem acreditar que os maiores times de futebol estão lá na Europa, e também pela competição; aqui, no nosso caso, é final de temporada, você está jogando o último jogo, disputando a última decisão, e para os europeus é o meio da temporada, com muitas coisas importantes em jogo também”, analisa.
CONFIRA O PAPO COM FÁBIO AURÉLIO: UOL Esporte: Fale sobre o início da carreira. Fábio Aurélio: Eu fui para o São Paulo aos 14 anos, saindo aqui de São Carlos, infantil ainda, com 16 para 17 anos. Fiz minha estreia no profissional do São Paulo no Campeonato Brasileiro de 96, com o Muricy Ramalho. Em 97, fiz o gol na final do Campeonato Paulista contra o Corinthians e, com 20 anos, fui vendido depois dos Jogos Olímpicos de Sidney, para o Valencia, da Espanha. UOL Esporte: Qual foi o melhor time que você já jogou na vida? São Paulo, Liverpool, Valencia ou Grêmio?
Fábio Aurélio: Pergunta complicada essa [risos]. Se pegar por nome, pelo elenco, foi o Liverpool de 2008/2009, que tinha o Mascherano, Fernando Torres, Gerrard, Xabi Alonso, os ingleses Jamie Carragher o Daniel Agger… Então, pela qualidade do elenco, eu diria que foi aquele Liverpool. UOL Esporte: Te convidam para eventos? Pedem indicação de jogadores? Como é sua relação com o Liverpool hoje?
Fábio Aurélio: Eu tenho uma relação muito boa. Eu já participei de alguns jogos do Liverpool Legends; tem até um confirmado para março de 2020, contra o Barcelona, em Manchester. Eu também estive lá agora em agosto acompanhando Liverpool x Arsenal, e tive uma recepção muito bacana por parte do clube. Tinha sido minha primeira vez depois de ter saído do clube em 2012, então lá tem um carinho especial, com o pessoal do clube, com os torcedores, você vê um respeito enorme. A gente agradece muito isso, e me sinto muito em casa. UOL Esporte: Em Liverpool, no clube, na cidade, fala-se alguma coisa sobre as derrotas para o Flamengo e o São Paulo nas decisões do Mundial?
Fábio Aurélio: Curiosamente, eu estive com o Luís Garcia agora nessa viagem que tive recentemente e até brinquei com ele em relação a isso. E ele, meio que brincando: ‘Eu nem quero conversar do Mundial. Eu lembro o Rogério Ceni pegando tudo’. Para eles, para o Liverpool, acredito que [o Mundial] não tem a mesma importância que damos aqui no Brasil, mas obviamente é um título a ser disputado, é um título que eles sentem não ter conquistado, apesar de não darem tanta importância. Então tem um pouco essa brincadeira, tipo assim: ‘Ah, aquele goleiro e tal, você não vai vir falar do São Paulo’, e ele sabe que eu sou são-paulino, e eu falo: ‘Ganhamos de vocês no Mundial’. Eu lembro que eu estava em Valencia ainda, antes da minha ida ao Liverpool… Mas, agora no Catar, vai trazer muitas lembranças e comentários pelo Liverpool já ter perdido há 38 anos do Flamengo. Depois teve contra o São Paulo, em 2005, e vai ser interessante principalmente pelo momento que o Liverpool vem vivendo. Vem se transformando numa potência muito grande no contexto mundial, não só no Campeonato Inglês, e já há tempos procura essa conquista, e a cada ano se aproxima mais. Esperam que neste ano possa virar realidade, mas na Champions League é um time de tradição que chega quase sempre, é o último campeão, então vai ser interessante como eles vão enfrentar essa disputa de títulos porque pega numa fase muito importante do Campeonato Inglês também, onde os jogos são muito importantes e seguidos. Tem pouco descanso, às vezes joga dia sim e dia não, então há a expectativa de como o Liverpool vai encarar, porque eu sei que o Flamengo vai encarar com altíssima seriedade. O ideal seria que os dois encarassem assim para que a gente visse uma disputa justa, chegando os dois times com suas potências pra vermos realmente quem é o campeão mundial.
UOL Esporte: Você disse que eles não dão tanto valor como os brasileiros para o Mundial. Na sua opinião, por quê? Fábio Aurélio: Eu não sei te explicar o porquê. Não sei se é porque são poucas as oportunidades que as equipes brasileiras têm de enfrentar os grandes clubes europeus e eles, pelo contrário, estão enfrentando clubes que não são europeus [no Mundial]… Então isso, no meu ponto de vista, talvez seja um dos fatores pelo qual eles não dão a mesma importância que as equipes brasileiras. Eles devem acreditar que os maiores times de futebol estão lá na Europa, e também pela competição; aqui, no nosso caso, é final de temporada, você está jogando o último jogo, disputando a última decisão, e para os europeus é o meio da temporada, com muitas coisas importantes em jogo também. Tem que se saber dosar o grupo, o elenco, então acredito que acaba influenciando um pouco mais.
UOL Esporte: Tem favorito entre Liverpool e Flamengo no Mundial?
Fábio Aurélio: Eu acho assim… Não pude participar ativamente duma final assim, desse calibre, mas acompanhando o que vi com o São Paulo sendo campeão três vezes, e as três finais acompanhei como torcedor ainda, apesar de muito jovem, e depois vi o São Paulo conquistar contra o Liverpool, vi Corinthians e Chelsea, e, pegando o exemplo das conquistas brasileiras, sempre se viu Davi contra Golias, a visão era sempre essa: ‘Vamos lá e vamos enfrentar os gigantes, Barcelona, Milan, agora é o Liverpool’, mas sempre os times brasileiros mostraram que, na prática, é um jogo, é uma decisão, são 90 minutos e tudo pode acontecer, os brasileiros já mostraram que isso é possível, então tem que ter respeito pela grandiosidade dos clubes europeus, mas principalmente ter a confiança no nosso futebol. O Flamengo, pela campanha, especificamente falando dessa situação, vem demonstrando que tem um grupo muito forte, que tem jogado um futebol muito atraente, e chega com chance de disputar de igual para igual com o Liverpool. Lembrando bem, também, que não é só o jogo da final, tem aquela semifinal, o confronto prévio, e que tem que encarar com seriedade para não ser pego de surpresa como já aconteceu com clubes daqui também.
UOL Esporte: Mas, para você, quem é o favorito? Liverpool ou Flamengo? Fábio Aurélio: Eu, na verdade, estou torcendo para os dois times encararem da melhor maneira possível, no caso, mais o Liverpool porque o Flamengo eu já sei que vai encarar, e que seja um grande jogo para o telespectador. Então, na verdade eu vou estar meio imparcial porque se o Liverpool ganhar eu vou me alegrar e, se o Flamengo ganhar, tenho motivos para me alegrar também por ser um time brasileiro. Então estarei ali nos 50% a 50%, e espero ver um grande jogo e que o merecedor saia com o título.