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Bruno Grossi
Para Diego Lugano, o São Paulo só vai conseguir minimizar erros e chegar mais perto de voltar a ser campeão se apostar na sequência de trabalhos. Do técnico Fernando Diniz e, principalmente, do diretor-executivo de futebol Raí. O uruguaio estará mais perto do departamento de futebol em 2020, a pedido do próprio Raí, e acredita que a continuidade de um projeto iniciado há duas temporadas será essencial. É hora, segundo ele, de encerrar uma “histeria de mudanças”.
“Já ficou provado aqui dentro do São Paulo que ficar com mudanças seguidas, sempre guiadas por histeria, não muda nada. Não adianta. Temos que mudar a mentalidade e estabilizar um projeto. Já se trocou demais aqui. Essa histeria do clube e do torcedor já influenciou muito, agora precisamos dar sequência, acreditar nisso e ir em frente. Cuidar dos processos e ver o que dá certo, corrigindo o que não der. Não é fórmula exata, claro. Pode não dar certo. Mas o que realmente não dá certo é levar em conta sempre a histeria de mudança”, disse Lugano em entrevista exclusiva ao UOL Esporte.
Lugano segue como superintendente de relações institucionais — e assim está à frente da criação de uma associação e um fundo para auxiliar ex-atletas do clube. Mas, para 2020, suas ideias estarão mais presentes no dia a dia do futebol no CT da Barra Funda. Ele, Raí e o gerente-executivo Alexandre Pássaro tomarão decisões juntos para montar o elenco, considerado pelo uruguaio “o melhor dos últimos anos no clube”.
Nos dois primeiros anos como dirigente do São Paulo, Lugano já havia se envolvido em assuntos do futebol, mas sempre em situações esporádicas. Aconselhou, quando consultado, a contratação do técnico Diego Aguirre em 2018 e também do atacante Gonzalo Carneiro. Neste ano, foi peça importante nas negociações que levaram Daniel Alves e Juanfran ao clube. Agora, quer ajudar na captação de jovens talentos na América do Sul: “A única forma de competir com os europeus ou com Flamengo e Palmeiras no mercado é chegando muito antes”.
Nosso desafio é tentar achar o equilíbrio para acreditar sempre em um rumo, mesmo que seja impopular. Parece utopia Confira as demais respostas de Diego Lugano sobre o momento do São Paulo, planos para 2020 e maior influência no futebol: UOL Esporte – Você vai para a terceira temporada como dirigente. Como tem sido o seu trabalho?
Diego Lugano – Na fase em que o São Paulo está, é muito tapar buraco. É tentar gerar coisas novas, ter uma visão mais internacional de jogadores e treinadores. Tentar usar minha visão nesse sentido para aproximar o clube de um mundo mais globalizado. E dentro do clube com meu conhecimento para resolver problemas que nos últimos anos não têm sido fáceis. Mas o São Paulo continua com um time forte, sólido. Um elenco que, para mim, é o melhor dos últimos anos. Tem muita coisa que está bem feita, mas que até que sejamos campeões não serão visíveis.
UOL Esporte – O presidente Carlos Augusto de Barros e Silva quase sempre diz isso, que há muita coisa sendo bem feita, mas que a falta de resultados ofusca esse trabalho. E ele é criticado por falar isso. Falta explicar o que é bem feito?
DL – Desde que cheguei em 2016, como jogador, até agora, a evolução tecnológica, fisiológica, de análise de desempenho, de conhecimento e analise internacional cresceu substancialmente. Não foi pouco, não. Foi muito, muito. Crescimento radical. Mas até ser campeão ninguém vai ver. É algo concreto e real, mas silencioso para quem está fora. Na minha função, participo também muito do que acontece no clube social, no Morumbi, na diretoria…
Em muitos aspectos nos profissionalizamos. Hoje estou aprendendo muito sobre a outra parte do que é uma instituição, não só como jogador. Consigo ver isso a nível global e acho que o clube está se preparando como o mundo de hoje exige, na questão de contratos, jurídica, social. Há uma intenção de melhorar, mas que só vai aparecer quando for campeão.
É isso (risos), eu dou toda essa volta, mas a verdade é que só muda quando a bola entra. Eu sou muito crítico comigo mesmo e com o clube. E já fui muito com o clube mesmo. Mas vejo intenções de mudanças internas e antigamente isso não existia. Cheguei e estava em transformação. É surreal o que cresceu. Mas falta ganhar. E tem que ganhar.
UOL Esporte – Leco está entrando no último ano de gestão. Só ganhando vai mudar, então? DL – Não tem jeito. Só com resultado. Isso é futebol. E só fica gravado na memória quem vence. O jogo depende de muitos fatores. Temos que encaixar time, energia. Queria poder também trazer Messi, Cavani e Neymar, mas não é possível (risos). O jeito é fechar entre nós e reconhecer os erros que foram cometidos. Por isso é importante a permanência do Raí. Depois de muito tempo o São Paulo tem uma continuidade na tomada de decisões.
Uma linha de gestão. Uma sequencia de decisões é o que torna um projeto efetivo. Tivemos uma curva de aprendizado, que todos têm, ainda mais em um mundo tão emotivo e cheio de pressão. O São Paulo fica mais perto de ganhar algo importante assim, porque minimizamos erros. Não vamos começar tudo de novo, de novo. Não vamos passar pela curva do aprendizado de novo. Agora é menos provável que dê errado.
UOL Esporte – Desde que você chegou, em muitas ocasiões falaram sobre uma aproximação maior do futebol. Aguirre, Carneiro, agora Dani Alves e Juanfran… Qual a diferença para essa nova promessa?
DL – Na verdade, estar no futebol significa participar da tomada de decisões. No dia a dia e no vestiário, minha presença pode ser importante, mas não tanto como agora participando de decisões. Por função, não era o que me correspondia antes. Mas pelo conhecimento intrínseco de São Paulo, acabava participando um pouco. Pelo que Raí falou agora, talvez eu seja mais utilizado nesse aspecto.
Ele sempre esteve 100% aberto a qualquer consulta e eu também, sempre que precisaram. Mas por questão de hierarquia eu não opinava e não aparecia sem me pedirem. Para uma pessoa com a índole e o caráter de Raí, sempre que precisar, eu vou estar 100%. No ano que vem talvez, definitivamente, eu participe mais do dia a dia.
UOL Esporte – Você diz que o São Paulo tem agora um dos melhores elencos dos últimos anos. Diz que as coisas podem melhorar em 2020. Dentro disso, o que você espera de Hernanes e Alexandre Pato?
DL – Sinceramente, se você comparar com o time nosso de 2016, que foi à semifinal da Libertadores, com o time que quase caiu em 2017, e até com os elencos de 2014, 2013, o de hoje é muito mais completo e equilibrado. Temos um grupo de jogadores de base que é o melhor das Américas para mim. Nenhum time tem na mesma geração jogadores como Walce, Helinho, Antony, Luan, Liziero, Igor Gomes, Lucas Perri. Todos com condição de jogar. E referentes como Daniel Alves, capitão do Brasil e maior ganhador de todos os tempos. Hernanes, que é uma instituição dentro da instituição e representa os jogadores e a torcida.
Também temos jogadores no auge da idade, algo que foi um erro de 2018. Pablo, Bruno Alves, Arboleda, Reinaldo, Vitor Bueno, até o Hudson ainda é jovem… É muito equilibrado esse elenco. E muito forte. Só que está na hora de virar a chave. Obviamente a ansiedade pelos anos sem título complica. Até não vencer, não vamos ter paz. Nem do torcedor e nem nossa, mas fico feliz que dentro do possível se formou um elenco muito competitivo que nos faz sonhar com coisas importantes.
UOL Esporte – Quando o time conquistou a vaga direta para a Libertadores, você fez um post nas redes sociais elogiando a entrega, mas com ponderações sobre esse feito. O que quis dizer?
DL – O São Paulo é campeão do mundo. Só triunfa aqui quem ganha o Mundial, quem ganha Libertadores. Então, se você somar os anos sem títulos e o elenco que hoje temos, que é forte, acho que a vaga na Libertadores era o mínimo. Mas pela forma que foi o ano, que se tornou difícil, a classificação foi meritória e abre esperanças para um 2020 competitivo. Precisamos disputar coisas importantes. Foi elogiável por isso. Mas é apenas uma base do que deveríamos ter conquistado.
UOL Esporte – Gerou algum mal-estar ou incômodo não ter sido consultado sobre a demissão de Diego Aguirre em 2018? DL – Meu pai sempre falava. Nunca dê um conselho a não ser que te peçam. Não fiquei incomodado, não. Minha visão interna das coisas era outra, mas não adianta muito falar agora. É fácil falar agora. Teve a pressão midiática, a ansiedade do torcedor, dos conselheiros… Por isso o São Paulo muda emocionalmente de mês a mês e isso é muito difícil de gerir. Um time que passa por essa ansiedade deve ser mais difícil de gerir do que qualquer empresa do mundo. Teve Aguirre, teve Dorival Júnior, teve Cuca… Está difícil gerir essa paixão, essa ansiedade, essa desilusão. É uma das coisas mais difíceis do mundo. UOL Esporte – E é uma pressão interna também, da política do clube. Daniel Alves mesmo tem falado sempre sobre isso, parece não estar acostumado…
DL – É impressionante como mexe, como interfere nas decisões do clube. Essa sensação do torcedor também mexe muito. Nosso desafio é tentar achar o equilíbrio para acreditar sempre em um rumo, mesmo que seja impopular. Parece utopia, porque se você faz algo impopular por mais de 15 dias, cai a casa de todo mundo. Mas é preciso fazer o que parece irreal. Não é fácil gerir paixão e ansiedade de uma torcida decepcionada.
UOL Esporte – Ver os jogadores mobilizados para defender Diniz e Raí e a manutenção dos dois são passos para tentar controlar essa oscilação emocional?
DL – Eu acho que, por ter vivido isso como jogador, é muito louvável escutar e interpretar o que os jogadores querem e pensam. Não quer dizer nunca que isso resolve todos os problemas, porque eles ainda precisam resolver no campo. Mas acho bom que tenham se posicionado a favor do treinador e melhor ainda ao Raí. Isso mostra união interna. Mostra que o grupo quer assumir a responsabilidade. Indiretamente, assumiram que agora o foco está neles. Gosto disso. Gosto de ver que não são jogadores que estão só passando o tempo no clube. Eles assumiram um risco enorme e sabem disso. E essa foi uma aposta nossa ao ter o Daniel, o Juanfran… Isso forma um elenco mais inteligente, com opinião forte e que assume responsabilidades. UOL Esporte – O quanto de influência de Daniel Alves e Juanfran você já vê no elenco, então?
DL – Em muita coisa já se reflete. São personalidades diferentes que influenciam o elenco, o CT, o clube, a maneira de agir, de pensar, de treinar, de se autocriticar. Isso completa o vestiário do São Paulo e o futebol brasileiro.
UOL Esporte – Dentro de suas novas atribuições no futebol está a busca por jogadores jovens na América do Sul? Soube que você já está envolvido nas conversas pelo volante uruguaio Santiago Cartagena…
DL – Ele treinou em Cotia [agora, precisa esperar completar 18 anos para poder ser contratado]. Era titular da seleção sub-17, agora foi para o sub-20. Tentamos aproximar o São Paulo do Nacional e queremos fazer isso com outros clubes, para aproveitar esse meu vinculo para procurar jogadores. A única forma de competir com Europa, com Flamengo e Palmeiras é chegar muito antes e pegar esses talentos. O futebol brasileiro, não entendo o porquê, nunca conseguiu fazer isso que os europeus dominam. Até o Boca Juniors e o River Plate fazem com perfeição. Eles sempre levam uruguaios jovens por pouco e vendem por muito, como Nico de la Cruz, Nández… Também fazem isso com colombianos. O São Paulo precisa se acostumar a isso. O mercado indica que os melhores estão na Europa. E na América quem tem mais dinheiro é Flamengo, Palmeiras, River e Boca. Então precisamos diversificar a forma de captar jogadores.
UOL Esporte – Você pode ajudar a quebrar uma resistência que existe nesse aspecto? Muita gente não entende que é necessário buscar um garoto de outro país. DL – Estou fazendo essa captação agora e já fazia há tempos no clube. E é mesmo uma mentalidade que precisa mudar. O Brasil é o melhor do mundo, tem milhões de pessoas tentando jogar, todos craques, mas sem a aceitação de que o estrangeiro pode chegar com coisas diferentes e ser complementado com o que temos aqui. Esse é sempre o ideal. Não fosse isso, não teria feito sentido eu jogar no São Paulo. Teriam quinhentos, mil melhores do que eu.
UOL Esporte – Já aconteceu de você identificar um jogador, tentar contratar e vê-lo jogar bem fora do Brasil? DL – Alguns. Já aconteceu. Sempre acontece. Ou ainda quando vem e não dá certo. No futebol, com seres humanos jovens e precisando se adaptar a uma nova realidade, a margem de erro é muito grande. É algo muito complexo. Por exemplo, o Gonzalo Carneiro. Ele era uma esperança, uma das maiores dos últimos anos, no Uruguai pelo talento técnico e físico que tem. Aproveitamos um momento instável dele no clube dele [Defensor] para trazer por um preço muito baixo, mas acabou não se adaptando, dentro do contexto dele [suspenso por doping]. O fator humano é delicado e imprevisível.