UOL
Rodrigo Mattos
Depois de três anos de enrolação, a cúpula do São Paulo decidiu enterrar de vez qualquer projeto de tornar o clube democrático com eleição direta para presidente do clube pelos sócios. Nesta semana, o repórter Bruno Grossi, aqui do UOL, revelou que as justificativas usadas foram a presença de torcedores rivais no quadro de sócios do clube e a suposta modernidade do estatuto do tricolor paulista. Trata-se de um escárnio com o sócio e com o torcedor são-paulino.
O São Paulo é um dos clubes mais conservadores entre os grandes do Brasil —talvez esteja na liderança nesse quesito. Para se ter ideia, restam apenas o clube do Morumbi, o Cruzeiro e o Atlético-MG com eleições indiretas entre os maiores times do Brasil. O Vasco está em processo de transição para eleição direta, já pré-aprovada.
Quando eu cobria São Paulo pela “Folha de S. Paulo”, há uns dez a 12 anos, ouvia dos dirigentes são-paulinos a mesma desculpa para manter a condição antidemocrática. “Há torcedores de outros times sócios que podem interferir”. Agora, o estudo do São Paulo mostrado pelo UOL repete o argumento: “Embora não haja um estudo que comprove precisamente a quantidade, tem-se o conhecimento e convicção de que metade dos ‘sócios do São Paulo Futebol Clube não (são) efetivamente torcedores.”
Primeiro, o estudo admite que toma uma decisão baseado em um dado que não é comprovado por fatos checados, isto é, a diretoria são-paulina sequer se deu ao trabalho de levantar qual o percentual de torcedores de outros times no seu quadro. Segundo, se essa tese fosse verdadeira, não seria o único clube a ter torcedores de rivais. Terceiro, era só incluir sócios-torcedores entre os votantes que isso facilmente se diluiria.
No mesmo documento, o clube define sua estrutura como “historicamente consagrada” e de “enorme tradição”. Consagrado tem o sentido de aprovado, sancionado. Bem, será que essa estrutura é aprovada por obter resultados esportivos? Não os consegue de forma significativa desde 2008 quando os dirigentes repetiam esse discurso. Será que essa estrutura é aprovada pela torcida? E pelos sócios? Só podemos ter certeza mesmo que ela é consagrada pelos 200 e tantos cardeais que se favorecem dela.
Dito isso, vamos a questão essencial: já ficou claro que a cúpula do São Paulo não vai abrir mão do poder e não vai mudar nada no clube que segue sendo gerido de forma pouco transparente, por um presidente impopular (Carlos Augusto Barros e Silva) e com resultados insatisfatórios para a maioria dos que pagam a conta (torcedores). Sendo assim, o ponto é o que os torcedores e sócios são-paulinos farão a respeito?
Temos exemplos. Diante da crise generalizada, a torcida do Cruzeiro se mobilizou para pressionar pela renúncia de Wagner Pires de Sá e depois fez um movimento de associação pedindo voto direto. Ainda haverá uma discussão de reforma estatutária sobre isso, que provavelmente se dará após a eleição. É difícil acreditar que não haverá pressão forte pelo voto direto.
Mais emblemático é o movimento “Nova Resposta Histórica” feito por grupos políticos de sócios vascaínos. O Conselho Deliberativo do Vasco já aprovou a eleição direta – o atual presidente Alexandre Campello foi eleito contra a vontade da maioria dos sócios. Mas o novo formato de votação pode vir acompanhado de uma pegadinha empurrada por conselheiros com medidas anti-democrtáticas. Por isso, houve a reação dos sócios.
Baseados no Código Civil, o grupo “Nova Resposta História” tenta juntar assinaturas de um quinto dos associados do Vasco para forçar uma votação na Assembleia Geral da aprovação da eleição direta, sem pegadinha. O nome do movimento é uma referência à carta feita por dirigentes do Vasco em 1924 em que abre mão de jogar a liga carioca que tentava excluir seus jogadores negros com um argumento (falso) de que eram profissionais. Caso consigam pouco mais de mil assinaturas, os associados poderão se sobrepor ao Conselho, composto por inúmeros nomeados nas seguidas gestões de Eurico Miranda.
É esse o caminho para o sócio são-paulino. Já que seus conselheiros só pensam no próprio status, cabe aos sócios tomar o destino do clube em suas mãos. Não faz nenhum sentido um clube do tamanho do São Paulo se manter preso a essa estrutura antidemocrática e arcaica. Não existe transformação real de um clube, nem modernidade, se este não está aberto aos que pagam a conta, os torcedores e sócios.