Treinadores podem e devem ser criticados. Todos crescemos

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UOL

André Rocha

Telê Santana foi mais exaltado que criticado depois da eliminação brasileira na Copa de 1982. Mas não deixou de ouvir observações sobre a necessidade de maiores cuidados defensivos. O treinador deu a impressão de ter prestado bem mais atenção a estas do que às alfinetadas com humor de Jô Soares, pelo personagem “Zé da Galera” que exigia: “Bota ponta, Telê!”

Quatro anos depois, no México, a seleção tinha Elzo, um volante típico da época à frente da defesa e mais precaução para se defender dos contragolpes dentro de uma proposta de jogo ainda ofensiva. Só sofreu um gol no Mundial de 1986: de Platini, nas quartas de final. A eliminação nos pênaltis trouxe a ressalva de que muitas vezes faltava às equipes de Telê o entendimento do tamanho de cada jogo e a necessidade de ser mais competitivo em partidas decisivas.

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Impressão que se manteve em reveses nos times brasileiros que comandou, como o Atlético Mineiro de melhor campanha na Copa União de 1987 que sucumbiu na semifinal diante do Flamengo e no próprio time rubro-negro que, dois anos depois, perderia o Carioca para o Botafogo, Em ambos faltou “punch” na hora de definir. Todas as lições, incluindo as críticas justas, levaram Telê ao período mais vitorioso da carreira no São Paulo. Com futebol limpo e bem jogado, mas cuidando da defesa e crescendo em momentos decisivos. Como na virada sobre o Barcelona em 1992 ou nos 5 a 1 sobre a Universidad Católica, praticamente definindo o bicampeonato da Libertadores no ano seguinte.

Este que escreve não se recorda de ver Telê reconhecendo o valor das ressalvas construtivas ao seu trabalho. Porque é humano ouvir calado o que não é elogio, buscar consertar a rota quando as observações são pertinentes e, depois usar o triunfo como uma forma de “calar” os críticos. Mas sem nunca agradecê-los. Faz parte da vaidade, do narciso. E não é um problema apenas de Telê Santana, citado como exemplo. Todos somos inicialmente avessos a contrariedades. Uns mais, outros menos. No mundo cada vez mais polarizado em todas as áreas é natural criar uma trincheira e separar aliados e inimigos. Quem ajuda e os que querem derrubar.

É claro que também cria radicalismos e segregações simplistas e maniqueístas. Como os rótulos de treinadores mais autorais e os pragmáticos, apegados ao resultado. Duas formas legítimas de buscar a vitória, mas é preciso firmar posição, marcar território. Mostrar em que lado está nesta “guerra”. No futebol ainda há o ingrediente da paixão, que permeia as análises inevitavelmente. Não há uma esfinge de imparcialidade, embora se busque a isenção. Natural que muitos acabem pesando um pouco mais a mão quando o assunto é o time de coração ou um personagem que se admire. Na crítica dura ou em uma espécie de blindagem.

É nesta hora que surge o fenômeno da “não-crítica”. Uma pretensão de pairar acima do debate para se diferenciar bem dos “corneteiros”. Então se cria uma redoma com obviedades como “o time que entra em campo é o do treinador, não do jornalista”. Ou “comentarista não vê treino”, como se a maioria das atividades realmente importantes para a análise não fosse fechada – e muitas devem ser mesmo.

Como se a avaliação do produto final não fosse válida. Ou seja, o crítico de cinema teria que estar todo dia no set de filmagem ou na ilha de edição, o gastronômico só poderia comentar diretamente da cozinha do Chef. Esta lógica, a rigor, invalidaria também o elogio ou reconhecimento dos acertos, já que, sem testemunhar a preparação, a vitória também poderia ser atribuída ao acaso. No fundo, o objetivo é jogar um cobertor para acalentar os preferidos. Como se Guardiola, Klopp, Sampaoli, Jesus, Felipão, Tite, Luxemburgo, Cuca ou Diniz não pudessem ter seus métodos e ideias questionados, até mesmo nas vitórias e conquistas.

Podem e devem. Todos crescemos com isso. Porque a crítica também evolui procurando os aspectos que realmente necessitam de evolução. Basta saber separar o que tenta contribuir com soluções da crítica vazia ou de pura perseguição mesmo. O erro é jogar tudo no mesmo balaio. Nem todo mundo quer a cabeça do técnico por maldade ou oportunismo. Muitas vezes só pedimos para que ela trabalhe melhor. No plano e na execução.

Por um futebol vencedor e que também agrade as retinas. Como o São Paulo de Telê, que tinha fama de teimoso, mas soube se reinventar pelo caminho. Será que conseguiria só com elogio e proteção?

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