Craque no São Paulo, Gláucia lamenta ausência na seleção: “Estou vendo futebol errado?”

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GloboEsporte

Bárbara Mendonça 

Referência no Tricolor Paulista, atacante concorda com o rigor físico da técnica Pia Sundhage, mas crê que desempenho em campo deveria falar mais alto.

Quem vê Gláucia pela primeira vez pode julgá-la por fugir do padrão corporal atlético. Mas dar as costas à camisa 9, apenas por causa de seu peso, é dar as costas à principal referência no ataque do São Paulo – e uma das jogadoras de mais alto nível do Brasil há anos. Na última quarta (23), a atacante de 27 anos marcou três dos quatro gols da vitória tricolor sobre o Audax, pelo Brasileirão Feminino.

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– Eu mudei minha alimentação, agora tenho acompanhamento de um nutricionista, que foi indicação da Erika (zagueira do Corinthians e da seleção). As coisas estão melhorando, me sinto mais leve. Me incomoda não porque os outros falam, mas porque quero melhorar mesmo. Sei que meu rendimento só vai aumentar com a perda de peso, de gordura, vai ser um retorno muito melhor do que já consigo dar para o São Paulo – afirmou ao ge.

A nova rotina alimentar começou há cerca de um mês e já tem mostrado resultados. Ainda que Gláucia não se incomode com críticas a seu corpo, há um ponto em que o lado físico a prejudica: a ausência nas listas da seleção brasileira. Na opinião da camisa 9, eleita a melhor atacante do Brasileirão Feminino de 2019, é o sobrepeso que a mantém fora das convocações da técnica Pia Sundhage.https://tpc.googlesyndication.com/safeframe/1-0-37/html/container.html

Carla Nunes, craque do Palmeiras, também é lembrada nesse aspecto. A atacante tricolor não critica a rigidez da técnica sueca com a forma física, mas entende que o desempenho dentro de campo deveria ser mais prestigiado. As constantes ausências em convocações, de certa forma, minaram as expectativas de Gláucia de defender a seleção.

“Não é possível eu estar na seleção do Brasileirão do ano passado, ter feito os números que fiz num torneio tão forte e não ser vista”, afirma ela.

Gláucia já tem seis gols marcados em nove jogos pelo São Paulo — Foto: Miguel Schincariol/saopaulofc.net

Gláucia já tem seis gols marcados em nove jogos pelo São Paulo — Foto: Miguel Schincariol/saopaulofc.net

– Tenho certeza que a Carla Nunes também fica indignada. A Pia vê muito a parte física, e acho certo. Se ela cobra de uma, tem que cobrar de mim. Mas aí ela convoca algumas atletas que não têm tanta qualidade para estar numa seleção – disse ela, sem citar nomes.

– Isso é opinião minha, claro. A Nunes está com 11 gols no Brasileiro, eu tenho seis. Será que a gente está vendo futebol errado? Tudo isso é colocado numa pauta, mas não me impede de servir bem ao São Paulo, porque tenho confiança total do Lucas (Piccinato, técnico) e eu vivo para jogar aqui – completou.

Gláucia fala sobre idolatria por Cristiane e o que pesou na ida para o São Paulo

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Os problemas de Gláucia com a balança surgiram em uma passagem conturbada pelo Jeonbuk, da Coreia do Sul, em 2012. As dificuldades de adaptação ao país asiático geraram um quadro grave de depressão, que resultou numa rotina de apenas duas horas de sono por dia até o retorno ao Brasil. Os quilos a mais foram uma das consequências.

Em 2014, já no São José, a atacante tricolor começou uma rotina de treinos em três turnos. A diminuição abrupta de peso custou caro a Gláucia, que sofreu uma lesão no ligamento cruzado anterior (LCA) do joelho esquerdo e ficou um ano parada. Em processo de recuperação, ela seguiu novamente rumo à Coreia, mas não teve muitas chances. De volta ao São José em 2016, ela viu a novela se repetir: novamente perdeu peso e lesionou o mesmo ligamento, dessa vez no joelho direito.

– Nas duas vezes em que tentei emagrecer, perdi musculatura, não era só sobre gordura. Estava me sentindo fraca, não conseguia ganhar uma bola. Tudo isso me prejudicava. A partir daí, pensei: “Não vou fazer um trabalho que não me faça ganhar em tudo. Se for para perder força, não vale a pena.

Gláucia foi eleita a melhor atacante do Brasileirão Feminino 2019 — Foto: Lucas Figueiredo/CBF

Gláucia foi eleita a melhor atacante do Brasileirão Feminino 2019 — Foto: Lucas Figueiredo/CBF

A vontade de levantar troféus no São Paulo – tanto no aspecto coletivo quanto em premiações individuais – é o que mais motiva Gláucia a seguir com os novos hábitos. Nas palavras da atacante:

– Muita coisa me impede de estar em certos lugares de alto nível. Não quero que isso afete, não quero que ninguém diga “ah, você não está lá por causa do peso”. Se for para dar alguma desculpa, não quero que seja essa. Quero ganhar o Brasileiro com o São Paulo e também quero fazer gols. As duas coisas andam juntas – finalizou.

O São Paulo volta a campo no próximo domingo para encarar o São José, às 15h30. O Tricolor ocupa a sétima posição da tabela do Brasileirão Feminino, com 17 pontos, dez a menos que o líder Corinthians.

Confira outros tópicos da entrevista com Gláucia

Desencontro com Cristiane no São Paulo

– Tenho expectativas de jogar com ela. No jogo contra o Santos, perdi um pênalti e fomos derrotadas. Mas, no final do jogo, ela veio conversar comigo e fiquei muito feliz. Falamos sobre tudo. Eu admiti que a minha intenção de ir para o São Paulo era fazer dupla com ela, mas ela ainda não havia se decidido.

– Eu disse: “Olha, ano que vem, me avisa para onde você for, me dá um alô, que eu quero jogar com você” (risos). A Cristiane disse que ainda quer jogar por quatro anos. Dentro desses período, ainda preciso jogar com ela.

Críticas maldosas sobre seu peso

– Eu tento não ver. Rede social, do mesmo jeito que faz bem, também te faz muito mal. Ainda que eu tenha jogado bem, sempre vai ter um comentário ruim que vai estragar seu dia. Quando eu vejo, sempre falo com a minha família, com a Renata (assessora do São Paulo e amiga pessoal). E não é porque sou atleta, se fosse uma pessoa de outra profissão abalaria também. São muitas coisas que as pessoas não sabem, e já chegam te bombardeando.

Apoio da torcida

– No São Paulo eu nunca ouvi ofensa, os torcedores sempre me defenderam muito. Li dois insultos na quarentena e vi que outros torcedores rebateram, perguntaram “você sabe quem é ela?”, que é uma coisa que eu não tinha vivido. Me sinto muito em casa aqui. Eu tento responder dentro de campo porque eu não estou parada, estou buscando (emagrecer).

O que pesou no acerto com o Tricolor?

– Com a saída da Emily (Lima) do Santos, fiquei muito triste. Gosto muito do Guilherme (Giudice, atual técnico das Sereias), mas ela me ajudou bastante. Pensei em buscar novos ares e aproveitar a valorização, inclusive financeira, que estavam me dando no São Paulo. Pretendo jogar fora um dia, preciso fazer meu pé de meia, mas decidi ficar por pelo menos mais um ano no Brasil para alavancar minha imagem. No momento, estou muito feliz no São Paulo.

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