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Leonardo Miranda
Em entrevista exclusiva ao ge.globo, gerente executivo de futebol do atual líder do campeonato abre o departamento de futebol do São Paulo e detalha o dia-a-dia com Raí e Fernando Diniz.
Reprodução
“Agora temos processos, planilhas e big data, que está crescendo no futebol. Desde o ano passado evoluímos muito”, comemora Alexandre Pássaro, gerente executivo de futebol do São Paulo. O sentimento, compartilhado com Raí e Fernando Diniz, se traduz em quatro pontos de liderança no Brasileirão.
O São Paulo defende a ponta contra o Atlético-MG às 21h30 dessa quarta-feira, com transmissão da TV Globo
Em mais de uma hora de conversa exclusiva com o ge.globo, Alexandre Pássaro detalhou o funcionamento do departamento de futebol do São Paulo, os processos de análise de desempenho e o trabalho de Diniz. E resume o sucesso à continuidade do treinador: “não teríamos chance de conhecer o Diniz se ele tivesse ficado apenas três meses”, afirma.
Confira o papo completo abaixo:
Como foi a estruturação do departamento de análise de desempenho no são Paulo, a partir de 2015?
No fim de 2015, com a chegada do Leco, começamos a estruturar a parte de análise de desempenho, com a participação do Muricy e Milton Cruz. Tanto o Muricy como o Milton Cruz tinham essa visão de trazer os analistas para dentro do projeto. Tínhamos um orçamento apertado, estruturamos em 2015 com um profissional fazendo análise de desempenho e mercado, e ao longo desse tempo crescemos o departamento, com profissionais e recursos. No ano passado, eu e o Raí colocamos em prática a análise de mercado, com uma intensa comunicação das áreas.
Como é a divisão do seu trabalho com o Raí?
Temos uma divisão natural. O Raí costuma estar em reuniões externas, mais institucionais, e eu fico mais no dia-a-dia. Temos uma comunicação imensa, então sei o que ele faz e ele sabe o que faço. Hoje passamos por um bom momento e isso é também reflexo desse alinhamento. Temos várias áreas, como nutrição, fisiologia e preparação, que se comunicam o tempo todo. Eu de uma forma mais interna, o Raí de forma mais externa.
“Muitos clubes tinham um departamento de análise de desempenho em 2015 e o São Paulo estava defasado nessa área. Detectamos a necessidade de evoluir. E a evolução aconteceu muito por técnicos que passaram por aqui, como Rogério Ceni e Fernando Diniz.”
O São Paulo teve diversos técnicos nos últimos anos. Como é a adaptação do departamento para perfis tão diferentes? Citando um exemplo: Aguirre é pouco parecido com Dorival. Há um momento de ruptura aí?
Entendemos, desde o início, que o departamento de análise não poderia ser engessado. Afinal, o objetivo é o trabalho em campo. Então temos em mente que o departamento deve ser flexível com treinadores, deve se adaptar ao trabalho deles. Tivemos treinadores que usam muito, como Rogério e Diniz, e que usaram pouco o departamento, como o Aguirre. É fundamental saber fazer, mas também mudar, até porque tudo começa nos jogos, de quarta a domingo.
Rogério Ceni foi elogiado por Alexandre Pássaro — Foto: Reprodução/Léo Miranda
Como é a participação do Diniz nesse processo?
O Diniz é o condutor de todo o processo. No jogo contra o Sport, que você analisou, assim que a bola sai, nós sabíamos que tinha entrado. Porque o Luciano fez o que foi treinado. Antes daquele jogo, mostramos as bolas defensivas e ofensivas paradas, como o adversário ataca e como defende. O Diniz conduz esse processo não apenas na parte tática, usando vídeos, mas também na forma dele de passar isso ao jogador e construir a relação com o jogador que permite a cobrança e correção.
Como a permanência do Diniz após as eliminações no Paulista e Libertadores colaboraram nesse processo?
Quando um treinador chega, ele começa a publicar a forma dele trabalhar. E é natural, para todo mundo, que a gente só conheça a forma dele trabalhar quando ele está dentro. Do lado de fora, só analisamos o que todo mundo vê: os noventa minutos! Quando ele está dentro do clube é um aprendizado e uma prática de treinador para jogador, mas também para o fisiologista – como ele trabalho com GPS, com médico – se ele tira jogador que está machucado do treino ou não. Essa sensibilidade não é uma coisa que você sabe quando traz o treinador, que você combina na negociação, é algo que você vê e depois se adapta e controla. É um aprendizado diário. Um processo custoso, que demanda tempo – por isso estamos com o Diniz há mais de um ano – e que quando você há tempo para todos conhecerem e vivenciarem, é possível ajustar para melhor.
“Fernando Diniz é o condutor de todo o processo. Se ele tivesse ficado apenas por três meses, não teríamos conhecimento da forma de trabalhar, impor seu jogo e se relacionar com as áreas de desempenho. Quando há tempo, você ajusta e melhora”.
Alexandre Pássaro e Fernando Diniz — Foto: Reprodução
Há um consenso de que o desempenho do São Paulo melhorou a partir da entrada do Luan no time titular. Como que o setor de análise de desempenho do São Paulo interage com o treinador para dar essa visão ao treinador? Como é a conversa para detectar essa melhoria e passar ao treinador?
Essa pergunta é muito boa porque mostra o cotidiano. O Diniz tem um jeito muito elucidativo de trabalhar. Eu e o Raí temos uma missão institucional de analisar o jogo e ver o que aconteceu de bom. A análise de desempenho manda para a gente e o treinador alguns compactos, lances, que simplificam essa análise. Pode ser um erro numa transição defensiva ou na bola parada. É uma forma de resumir o jogo com pontos de atenção. Incentivamos a análise, sem filtro, fria do que foi a partida. E a partir disso o treinador age no treino, na conversa, na forma de jogar. O Luan, por exemplo, é o líder de passes certos do Brasileiro. Ele vem entrando na área direto. Isso mostra o quanto ele evoluiu do ano passado para cá.
Planilhas, conversa e etapas: como Pássaro organiza as contratações do São Paulo
Como o departamento define as contratações?
Tudo começa numa “devolutiva”, que são etapas que temos para investigar os jogadores que estão fora do São Paulo. Nos pautamos em definição de características e técnicos de um jogador, expectativa desportiva e valor de investimento. Também temos o mercado interno, que são nossos emprestados. Dentro dessa devolutiva, temos estratégias de mercado. cada uma com uma descrição, um detalhamento de como é o contrato – se é alto ou baixo, se está em fim de contrato ou não. Uma das nossas estratégias é monitorar jogadores com baixa minutagem e que são oportunidades. O Luciano se enquadra dentro dessa estratégia.
São vinte jogos na Série A e na Série B. Como dividir o tempo, ainda mais com um mercado tão grande?
Todas essas estratégias têm um calendário e níveis de prioridade. Serve para filtrar o que o analista precisa ver. Por exemplo, o Campeonato Paulista tem um nível alto, que vemos muito, muito mais que a Copa América, por exemplo. E também temos balizadores, como ter jogado Série A, idade. Análise de desempenho é também gestão de tempo e energia. Um jogador de 28 anos que se destaca no Paulista, mas nunca jogou Série A, é uma aposta. Porque nunca teve experiência no nível mais alto, então não sabemos se aquele desempenho é contínuo ou eventual.
Classificação de jogadores que o São Paulo usa para balizar as contratações — Foto: Reprodução/Alexandre Pássaro
É um processo complexo e que, em algum momento, casa com o modelo de jogo do próprio treinador. Como é essa conversa e interação?
O analista que olha o mercado precisa entender como treinador joga. Por exemplo, o atacante que vamos buscar para o modelo de jogo do Diniz precisa ter componentes táticos como mobilidade, participação na construção e leitura para preencher espaços. Precisa subir pressão, porque é a identidade do Diniz. Precisa ter personalidade e persistência. Saber isso é um filtro, um guia para saber o tipo de jogador que encaixa com o modelo e minimiza o erro. Se o Diniz tivesse ficado três meses, não daria para montar isso. Hoje sabemos exatamente o tipo de jogador para o tipo de jogo que precisamos.
“Um jogador de 28 anos que se destaca no Paulista, mas nunca jogou Série A, é uma aposta. Porque nunca teve experiência no nível mais alto, então não sabemos se aquele desempenho é contínuo ou eventual.”
E a busca desse jogador dentro do mercado. Como analisar um mercado tão grande?
Pensamos numa forma muito visual de monitorar os jogadores que monitoramos, que é por cores. Numa planilha (que você vê abaixo e foi passada por Pássaro), nós classificamos todos os monitorados em níveis de desempenho, tendo uma média, acima da média e na média. Aí verificamos com o orçamento. Se não temos budget para buscar quem está muito acima da média, buscamos quem está acima da média ou na média. Quer um exemplo? O Léo Pelé, quando jogou no Bahia, apareceu nessa planilha acima da média. Verificamos, vimos que se encaixava e hoje é um dos que mais evoluiu no elenco.
Planilha que ajuda as contratações do São Paulo — Foto: Reprodução/Alexandre Pássaro
Vamos supor que você pede uma observação. Seja de você, do Raí. Você manda ao analista, que passa por todos os crivos. Passou, o analista faz a observação. Como você recebe essa visão? Como simplificar e gerir tanto conhecimento assim?
Temos um comparativo muito parecido com aqueles gráficos de habilidade do FIFA que serve para simplificar, mostrar as informações mais importantes e que possam nos guiar. Dá uma visão didática do que o jogador pode acrescentar aos outros jogadores daquela posição no elenco e na própria amostra do elenco. Temos um panorama completo de desempenho, comparando para tomar a decisão. Se tenho um jogador que não tem um 1×1 defensivo tão bom, o que precisamos é buscar alguém que complemente ele.
Comparativo usado pelo departamento de futebol do São Paulo — Foto: Reprodução/Alexandre Pássaro
E você consegue gerar uma base de dados muito grande com tudo.
Exato. Conseguimos criar um Big Data imenso, que é muito valioso e fica no clube. Você gera filtros que atendem a sua necessidade. Preciso de um jogador veloz? Vou lá e filtro. Temos também um score final que ajuda a basear nossa decisão. Consigo comparar jogadores do mundo todo e saber, em poucos cliques, se ele acrescenta ao nosso elenco, se temos alguém melhor ou não.
Planilha de observação usada pelo departamento de análise do São Paulo — Foto: Reprodução/Alexandre Pássaro
Você citou que tem um grande amigo, que é o Monchi, diretor esportivo do Sevilla que faz sucesso no universo da inovação e criou todo um modelo de analisar jogador. Como se deu essa amizade?
Tenho contato com ele desde 2015, quando vendemos o Ganso ao Sevilla. É um cara muito acessível, que dá aulas para todo mundo, que é disponível. Há alguns meses fizemos uma live na ESPN que foi muito bacana. Ele tem uma metodologia muito estruturada e serviu como um norte ao que fazemos, com uma visão muito legal sobre evolução, então quando falamos em Big Data, ele evoluiu e incorporou dados no próprio método que ele criou. Ele está totalmente envolvido com a questão de análise, mas viaja com a equipe, negocia, vai aos jogos. É algo parecido com o que fazemos aqui.
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