UOL
Gabriel Carneiro
Tradição de todo começo de ano desde que foi lançada há mais de 50 anos, a Copa São Paulo de Futebol Júnior não resistiu à pandemia do novo coronavírus e foi suspensa em 2021. A Federação Paulista de Futebol (FPF), responsável pela organização do maior torneio de categorias de base do Brasil, argumenta que o mais rigoroso protocolo de saúde não seria suficiente para garantir a segurança das pessoas envolvidas – sendo mais de três mil jovens jogadores.
Autoridades médicas, Governo, Prefeituras de várias cidades e até mesmo alguns clubes foram ouvidos pela entidade, mas a maioria considera o risco alto por causa do formato do torneio de tiro curto, com jogos da primeira fase a cada dois dias. Nem a testagem frequente evitaria a ameaça de o torneio se tornar uma “bomba de contágio”, segundo ouviu o UOL Esporte.
Decisão tomada, e agora? Clubes, Federações e atletas que têm a competição como grande vitrine se dividem entre a lamentação e a compreensão. A decisão da FPF repercutiu fortemente em outros Estados. Na região Norte, por exemplo, foi cancelada a Copa Rondônia sub-20, que reuniria em dezembro seis clubes na briga por uma vaga na Copinha. Uma série de jovens jogadores simplesmente perdeu as perspectivas.
O Real Ariquemes foi um dos afetados. Josiel Silva, porta-voz do clube, conta que o planejamento para as competições acontecia desde antes da pandemia, com peneiras para compor o elenco e manutenção de profissionais e estrutura na base: “Alguns jogadores teriam a única oportunidade de participar, e isso foi por terra. Em Rondônia, o jogador sub-20 tem só essa chance de fazer a transição para o profissional. Depois, se não sobem, eles desistem e vão trabalhar com outra coisa para ajudar as famílias.”
Apesar das óbvias dificuldades, o clube manteve o elenco porque acredita na realização de alguma competição sub-20 no primeiro semestre de 2021 por causa da vaga na Copa do Brasil da categoria. Silva também menciona a possibilidade de vacinação em massa da população ainda neste ano, o que permitiria a realização da Copa São Paulo em outro mês. O Ministério da Saúde pretende dar início ao processo de vacinação contra a Covid-19 no Brasil entre o fim de janeiro e início de fevereiro. Mais de 50 países já estão vacinando suas populações. Aqui, há problemas até na compra de seringas.
Para Erasmo Damiani, gerente geral da base do Internacional, a ideia de acontecer uma edição da Copinha em 2021, mesmo deslocada para o segundo semestre depois de uma suposta vacinação, é utópica: “Nosso país não se preparou para a vacinação. Vamos sofrer bastante ainda.” Essa falta de perspectivas não é dura somente para os clubes de orçamento apertado e meninos em condições financeiras ruins. Até o próprio Inter, atual campeão do torneio e de alto investimento na base, lamenta que em 2021 não terá a vitrine que levou ao elenco profissional dois atuais titulares, Praxedes e Caio Vidal.
“Além de ser menos uma competição, é quando nós observamos e captamos jogadores de clubes menores, interagimos com observadores internacionais e observamos os jogadores do próprio elenco. Hoje jogam com frequência no time de cima três campeões da Copa São Paulo, por exemplo. Então é uma perda grande em todos os sentidos, porque você se prepara para o ano todo, mas tem janeiro como ponto principal pelo glamour e visibilidade da competição”, diz Damiani.
Apesar da queixa, o profissional do Internacional entende que a Copinha 2021 é, mesmo, irrealizável.
Como fazer testagem com jogos a cada dois dias? E o atleta que pegou Covid, ele fica no hotel na cidade-sede ou acompanha a delegação? Em algumas cidades ficam três clubes no mesmo hotel, como seria feito esse controle de distanciamento e aglomeração? E as passagens aéreas de 128 delegações com a malha aérea tão reduzida? Se há um surto, chamam atletas de fora, não inscritos? E como testá-los? E quem pagaria os testes? Com nove jogos até a final daria quase R$ 100 mil de gasto. Quem arca? E os novos prefeitos que assumem em 2021, vão aceitar o protocolo? Há muito mais pontos negativos do que positivos, infelizmente.”.
No Maranhão, Estado brasileiro que tem a maior concentração de pessoas em condições extremas de pobreza, o DFG/Iape tinha garantido vaga na Copa São Paulo com o título da Copa Maranhão sub-19 em outubro.
“Seria o primeiro ano que o time disputaria a Copa São Paulo. Vencemos a competição local e, por mais que já esperássemos alguma notícia ruim, é sempre pior quando precisamos falar para os jogadores. Tem muitos que moram em palafitas, não têm pai e mãe, passam fome ou não têm auxílio e condição. É um baque quando eles percebem que não vão realizar esse sonho”, diz Felipe Loiola, sócio-diretor do DFG/Iape.
O dirigente do time maranhense fala em “falta de sensibilidade” da FPF e cita o investimento sem retorno feito em 2020, pois a Copinha promove aproximação com outros clubes e empresários. Segundo ele, a entidade podia ter deixado aberta a chance de realização do torneio em data posterior ou anunciado uma reunião futura para tratar do assunto: “Desse jeito ficamos desamparados, sem calendário.”
Outras pessoas ouvidas pelo UOL Esporte atentam para o fato de que a palavra usada no comunicado da FPF foi “suspensão” e não “cancelamento” da Copinha. A entidade também mostrou entendimento desse lado humano da decisão: “Esta medida nos provoca imensa dor, sobretudo pelos sonhos dos jovens atletas que veem na Copinha a primeira grande oportunidade para se mostrar ao mundo do futebol (…) Nos resta a certeza da compreensão desta decisão, que coloca em primeiro lugar a saúde e os cuidados de segurança e isolamento.”
Nos bastidores, a FPF entende que só com vacinação será possível realizar a Copinha. Publicamente, a única decisão divulgada sobre o futuro é de permitir na próxima edição a inscrição de jogadores nascidos no ano de 2001.
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