São Paulo só voltará aos trilhos quando quebrar a maldição do ‘soberano’

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UOL

Julio Gomes

O tempo é implacável com quem acha que ele parou. E o São Paulo tinha certeza que o tempo havia parado. Neste momento em que a Terra não mais girava, o São Paulo era soberano. Maior campeão da Libertadores, maior campeão mundial, maior brasileiro, o suprassumo, o rei da cocada, o… soberano.

Mas a Terra continuou girando. Enquanto isso, o São Paulo continuava achando que só ele tinha e teria um baita CT. Que só ele tinha e teria um baita departamento físico e de recuperação de lesionados. Que só ele tinha e teria um estádio grande na cidade para abrigar os principais jogos de todos os clubes e receber eventos. Que só o Morumbi poderia receber a Copa do Mundo. Que só ele poderia liderar sem os outros grandes do país as negociações de TV. E continuava achando que era um clube de elite, que poderia se aproveitar e manobrar as massas que agora torciam pelo clube, olhando para essa turma de cima para baixo.

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“Entre os grandes, és o primeiro”. Isso é apenas uma letra bonita de hino, não se pode acreditar na frase como verdade absoluta. O São Paulo é vítima de uma arrogância que talvez nunca tenha existido com tal força no futebol brasileiro – exceto, claro, a arrogância do próprio brasileiro em si quando o assunto é futebol. O Santos não se autodenominou soberano quando pôde. O Flamengo não se autodenominou soberano quando pôde. O Palmeiras não se autodenominou soberano quando pôde. O Corinthians não se autodenominou soberano quando pôde. Já o São Paulo tinha certeza absoluta que era e seguiria sendo soberano.

Torcer pelo São Paulo não é mais uma “grande moleza”, como dizia Milton Neves nos anos 90. Lá se vão 15 para 16 anos desde a última Libertadores e do Mundial, 16 do último Paulista, 12 anos sem Brasileirão, 8 anos sem qualquer título. O torcedor está atônito. Fazia mais de cinco décadas que o São Paulo não ficava afastado dos títulos. O são-paulino sub-60 não sabia o que era sofrer.

O dinheiro que pingava com show ou jogos de Corinthians e Palmeiras já não pinga mais. Há CTs e estádios mais modernos. O futebol não tem qualquer linha coerente. E o São Paulo não sabe até agora como fazer para integrar uma torcida que mudou de perfil. Há um certo nojo de virar um clube verdadeiramente popular. Agora o clube entrou numa espiral sem fim por causa da fila e do sucesso dos maiores rivais. Já ficou muito para trás de Palmeiras e Flamengo em termos de equilíbrio financeiro e organização. Já não pode mais tirar sarro dos “Paulistinhas” ganhos pelos outros. Já não é mais o destino preferido dos jogadores – até pela já citada pressão que a seca de títulos gera.

Um amigo meu, são-paulino, tenta explicar o caótico mês de janeiro com o seguinte termo: “DNA pipoqueiro do clube”. Na hora em que se viu 7 pontos à frente e tão perto do título nacional, sucumbiu em vez de crescer. Acho difícil conectar as coisas de forma tão direta. É óbvio que as mudanças pontuais promovidas no futebol pela nova gestão (saída de Pássaro, principalmente) não ajudaram. É óbvio que Fernando Diniz xingar Tchê Tchê daquele jeito não ajudou. É óbvio que faltaram soluções táticas. Mas também é óbvio que a instituição como um todo não aguentou o tranco da reta final.

O São Paulo não sabe mais ganhar. É inacreditável, mas é a realidade. É a maldição do “soberano”. Em plena crise, ainda vemos conversas sobre “se o São Paulo deveria esperar o fim do campeonato para tirar Rogério Ceni do Flamengo”. Mas oras bolas. Quem disse que Ceni quer sair do Flamengo?? Por que cargas d’água é melhor trabalhar hoje no São Paulo do que no Flamengo??

O clube precisa de uma enorme injeção de humildade e correr para alcançar o tempo que passou. Compreender o novo perfil de sua torcida, integrá-la aos processos políticos e decisórios, reconhecer que sua grandeza, seu maior ativo, está nisso. As glórias do passado serviram justamente para criar esse gigantesco capital humano. Mas é necessário valorizá-lo, não apenas explorá-lo. O São Paulo nunca foi soberano e possivelmente nenhum clube de futebol do Brasil poderá presumir isso um dia. Certamente voltará a ganhar, sairá da fila e conquistará grandes títulos. Mas antes é preciso quebrar a maldição da petulância.

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