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Primeiro filho de João Batista e Marilene, Alexandre Escobar Ferreira nasceu em Sorocaba no dia 2 de janeiro de 1972. Seu grande sonho, ser jogador, se realizou ao desembarcar no São Paulo Futebol Clube. Inicialmente, foi treinado por Cilinho. Depois, cairia nas mãos do cultuado Telê Santana.
O veterano treinador identificou habilidades incomuns em Alexandre, com mãos e pernas, e incentivou o goleiro a cobrar faltas. O jovem ganhou seu primeiro título no Campeonato Paulista de 1991. No ano seguinte, foi titular e vice-campeão da Copa SP de Juniores, tendo Rogério Ceni como seu reserva. Sua grande oportunidade surgiu com a expulsão de Zetti, nas oitavas de final da Libertadores do mesmo ano, contra o Nacional, do Uruguai. Segurou a vitória por 1 a 0, com um homem a menos, no estádio Centenário. Mais tarde, acabou campeão sul-americano.
Como a maioria dos jogadores iniciantes, Alexandre comprou um carro novo. O Kadett branco, que saiu da concessionária no dia 17 de julho de 1992, veio a contragosto de seu pai, que o aconselhou a guardar o dinheiro. Sonho realizado, ele e alguns colegas de clube aproveitaram a folga na sexta-feira e organizaram um churrasco em um sítio em São Roque (SP). Mesmo aconselhado a ficar, Alexandre voltou sozinho para a capital para fazer uma surpresa à família.
Por volta de 6h30 do dia 18 de julho de 1992, no km 13,5, da Rodovia Castelo Branco, ele perdeu o controle de seu carro novo e bateu em uma mureta de proteção. Foi levado ao Hospital Universitário, mas não resistiu. O corpo do jogador foi velado no CT do São Paulo.
Rogério Ceni cresceu como jogador do São Paulo nos anos seguintes, até virar um ícone tricolor. Durante a trajetória, chegou a reconhecer: Alexandre era melhor.
Velocidade incrível de movimentos, excelente chute, bonito de ver jogar. Telê Santana adorava! Ele era apenas um ano mais velho do que eu. Ocuparia a sua posição por muito tempo. Quem sabe até hoje. Minha carreira, com certeza, seria completamente diferente caso Alexandre não tivesse partido.
Rogério Ceni, em depoimento sobre o colega morto em 1992, presente no livro “Maioridade Penal”
Cochilo no volante
Marilene acredita que seu filho Alexandre deu uma cochilada ao volante e por isso bateu o carro. O que a deixa com a consciência tranquila em relação à tese de embriaguez é que nenhum vestígio de bebida alcoólica foi encontrado.
Os amigos relataram que o goleiro ficou acordado o tempo inteiro em São Roque. Por várias vezes, tentaram demovê-lo da ideia de viajar sozinho. Sidnei Lobo, ex-jogador do São Paulo e hoje auxiliar-técnico da comissão de Mano Menezes, estava em outro carro, logo atrás de Alexandre. “A gente ia para o CT, e o Alexandre para o Morumbi. Eu vinha atrás dele e na hora que eu vi, já tinha batido”, conta.
Sidnei lembra que, naquele dia, a visibilidade na estrada estava comprometida. Com muito nevoeiro na pista, guiar era uma missão difícil para o motorista. Na época, os bombeiros relataram que Alexandre puxou o volante com o braço esquerdo, pois era canhoto, e acertou a mureta de proteção.
No churrasco antes do acidente, além de Sidnei, também estavam outros de seus companheiros de Tricolor: o lateral Menta e o atacante Suélio.
O pai e a mãe tiveram crises de depressão na época. Marilene, até hoje, guarda a faixa de campeão paulista, camisas, fotos, e até a roupa de batizado de Alexandre. Apesar de ser dona de um brechó em Sorocaba, diz que as relíquias jamais serão vendidas. O goleiro não chegou a conhecer seu irmão, Murilo, que nasceu com síndrome de Down dois anos após a sua morte.
O Telê Santana ficou muito bravo. O Telê mandou todos que estavam com ele na chácara em São Roque embora, me parece. O Telê não quis mais eles no São Paulo. O Alexandre veio sozinho dirigindo, e o Telê ficou bravo por isso. Me chamaram para o churrasco, mas não fui.
Macedo, ex-atacante do São Paulo na década de 90
Dor e sonho de conhecer Ceni
A mãe de Alexandre recebeu um calmante da patroa antes de ouvir a notícia trágica sobre a partida do filho. “Eu não conseguia chorar, eu não conseguia dormir e até hoje eu não sei que calmante é esse, no cemitério eu também não conseguia chorar, só depois que caiu a ficha e foi terrível. O Alexandre está enterrado aqui em Sorocaba, aqui perto de mim, no cemitério da Saudade.”
Foi difícil para Marilene tocar a vida após julho de 1992. Por muito tempo a mãe do goleiro são-paulino manteve hábitos domésticos, como se o filho estivesse presente.
“Eu só ficava arrumando a mesa, porque, quando o Alexandre vinha, mandava fazer bolo pra ele, fazer coisas que ele gostava. Eu arrumava a mesa e eu continuei a mesma coisa na época, arrumando a mesa mesmo depois que ele faleceu. Eu ficava esperando ele, isso foi por muito tempo.”
Para o pai, João Batista, os anos que vieram a seguir após o acidente também foram igualmente complicados: “eu fiquei mais ou menos uns quatro anos bem ruim”.
O pai do goleiro conta que não recomendou o filho comprar o Kadet usado no dia fatal. “Ele chegou a me dizer que ia comprar um carro, eu falei: ‘Alexandre, não compra esse carro, dá um tempo com esse dinheiro. Mas ele comentou comigo: ‘pai, mas é sonho meu comprar um Kadet’. Daí ele comprou esse Kadet na sexta-feira e quando foi no sábado cedo ele morreu. Ficou com o Kadet um dia.”
A dor da família não passou, mas a conexão sentimental com o São Paulo permanece, principalmente para Marilene. Depois da morte de Alexandre, a moradora de Sorocaba teve outro filho, Murilo, que de tanto ouvir do time do Morumbi acabou virando um são-paulino convicto.
“Eu queria sabe o quê? Ver o Rogério Ceni, eu não conheço o Rogério Ceni pessoalmente, tenho esse desejo, quero tanto”, diz a mãe de Alexandre. “Ele (Murilo) não é muito de falar, mas se perguntar qual time torce, fala São Paulo. Então eu queria tanto mostrar o Murilo para o Rogério Ceni”, emenda.Divulgação/São Paulo FC
No bolso, uma aliança de noivado
Alexandre estaria próximo de fazer uma grande surpresa para a sua então namorada, Ana Maria Barboza Lopes. No bolso, ele levava um anel, que serviria para um pedindo de noivado, que seria realizado quatro dias depois do acidente. No dia 21 de julho de 1992, o goleiro jogaria pelo São Paulo contra o Ituano, pelo Campeonato Paulista.
“Ele estava com as alianças porque depois desse jogo ele ia me pedir em noivado, eu nem sabia”, relata Ana Maria.
A informação foi confirmada pela mãe do jogador, Marilene. Ana Maria e Alexandre se conheceram na escola Dona Ana Rosa de Araújo, na Vila Sônia, onde estudaram juntos. Além disso, existia uma outra coincidência, já que ambos nasceram em janeiro — ela no dia 1º e ele no dia 2. Na época a jovem tinha 18 anos e o atleta, 17. Eles se relacionaram por quatro anos, entre 1988 e 1992.
Ana Maria revelou que até hoje permanece solteira, apesar de ter três filhos, sendo dois meninos e uma menina. “O Alexandre era incrível como namorado e pessoa. Era um filho maravilhoso, pois estava sempre presente na vida dos pais.” Atualmente com 50 anos, ela não tem dúvidas de que iria se casar com o goleiro se os caminhos da vida permitissem.
“Com certeza se não fosse o acidente as coisas seriam bem diferentes. A gente se gostava muito e poderia dar casamento, sim”. Para homenagear Alexandre, ela transformou as alianças em um anel com a letra A, as iniciais dos nomes de ambos.
Olhos de Zetti na conquista da Libertadores 1992
Existe aquela máxima que o futebol é decidido nos detalhes. E foi isso que aconteceu na conquista da Libertadores pelo São Paulo, em 1992. Zetti confirmou que seu reserva Alexandre teve papel fundamental na final, diante do Newell’s Old Boys, da Argentina. A pedido do goleiro titular, o jovem trabalhou como um verdadeiro espião.
“Eu tinha combinado com o Alexandre de ele ficar de frente pra mim. O lado que esse cara chuta, você aponta com os dedos, faz o gesto, se ele bate no chão, no alto, forte. Ninguém imaginava isso e foi muito legal. Dos cinco pênaltis, eu acertei quatro cantos”, relembra Zetti, um dos heróis naquela conquista tricolor.
Zetti também lembrou que a disputa das cobranças de falta entre Alexandre e Rogério Ceni começou com uma brincadeira de chutar a bola na trave aos finais dos treinos. Quem perdia, pagava uma Coca-Cola ou servia o almoço.
O Alexandre batia com muita qualidade. Canhoto, ele tinha essa precisão, e o Rogério (Ceni) foi também aprimorando isso e levou essa brincadeira muito a sério.
Zetti, ex-goleiro do São Paulo, sobre os reservas que treinavam cobranças de falta
Forcinha de ídolo são-paulino
Antônio Carlos Gisoldi foi o primeiro técnico de Alexandre nas escolinhas de futebol do Grêmio Esportivo Sorocabano, em 1984. Lá, o jogador já atuava como goleiro pela sua altura (1,80 m) e também demonstrava habilidade com os pés, tanto que na várzea, aos finais de semana, exercia a função de meia-esquerda do Paulista.
No começo de 1986, o goleiro foi jogar um torneio em Porto Alegre, na categoria infantil, pelo São Bento de Sorocaba, Voltando ao interior paulista, Alexandre foi dispensado pelo clube e voltou a atuar pelo Grêmio Esportivo Sorocabano. Amilton, que era um dos treinadores, não satisfeito com a recusa, o levou para a Portuguesa.
Pedido um tempo para esperar, Antônio Carlos o indicou ao jogador Paraná, ex-ponta esquerda do São Paulo e da seleção brasileira de 1966. Como olheiro, o antigo ídolo ajeitou um teste para Alexandre no Tricolor. Ele foi aprovado e lá ficou.
O pai de Alexandre, João Batista, confessou que o goleiro era corintiano por influência da família, mas virou são-paulino depois, como atleta. Pelo filho, João também virou à casaca, viajando à capital paulista sempre que dava para ver os jogos do jovem e até a torcer pelo Tricolor do Morumbi.
Naquela época, o Zetti ia ser vendido, parece que para Alemanha, e o Alexandre que ia subir, nem falavam em Rogério Ceni. O Alexandre era goleiro de nível de seleção brasileira.
Paraná, ex-jogador do São Paulo nos anos 60 e 70
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