Contrato desmente versão da diretoria do São Paulo sobre “maior patrocínio da história”

392

GloboEsporte

Rodrigo Capelo

A administração de Julio Casares dá uma aula de péssima comunicação ao tornar uma excelente notícia – a chegada de um patrocinador importante para a realidade do clube – em falácia.

A diretoria do São Paulo afirma e reafirma que o contrato de patrocínio que fechou há um mês, em julho, é o maior da história do clube. Não é. E as evidências disso, apesar dos esforços da diretoria tricolor para escondê-las, apareceram nesta quarta-feira.

Publicidade

Recapitulando: mesmo antes do anúncio da parceria com a Sportsbet.io, o atual presidente são-paulino, Julio Casares, gravou um vídeo em que dizia ter fechado o “maior patrocínio da história” do clube.

Julio Casares São Paulo — Foto: Rubens Chiri / saopaulofc.net

Julio Casares São Paulo — Foto: Rubens Chiri / saopaulofc.net

Não havia a menor necessidade de criar esta narrativa. Os valores que circulavam na imprensa até então – ainda que incorretos, como descobriríamos mais tarde – eram suficientemente bons para a atual conjuntura do futebol brasileiro. Não está fácil conseguir patrocínio.

Para evitar que os números fossem expostos e desmentissem a versão oficial, a diretoria do São Paulo mandou para o Conselho Deliberativo um contrato parcialmente ocultado. No trecho do documento em que são descritos valores, estava tudo em branco, segundo reportagem do UOL.

ge recebeu uma cópia digital do contrato nesta quarta-feira. De fato, a seção sobre “remuneração pelo patrocínio” estava em branco. Mas o clube cometeu uma gafe no documento. Em vez de apagar o texto, quem o alterou apenas trocou a cor dele de preto para branco.https://tpc.googlesyndication.com/safeframe/1-0-38/html/container.html

Como o texto original continuou no contrato, apenas em cor branca, bastou copiar e colar para um editor de textos para ter acesso ao conteúdo. 

Esses são os valores descritos no contrato:

  • R$ 15.000.000 em 2021 (julho a dezembro)
  • R$ 24.000.000 em 2022 (janeiro a dezembro)
  • R$ 24.000.000 em 2023 (janeiro a dezembro)
  • R$ 24.000.000 em 2024 (janeiro a dezembro)
Trecho de contrato com patrocinador que diretoria do São Paulo tentou ocultar — Foto: Reprodução

Trecho de contrato com patrocinador que diretoria do São Paulo tentou ocultar — Foto: Reprodução

Por que não é o maior da história

O São Paulo, que nos últimos anos vinha demonstrando péssimo desempenho no departamento comercial, já viveu dias melhores. Existem dois contratos que servem de referência: LG e BMG.

O último contrato da LG com o São Paulo, anunciado em 2006, estava estimado em R$ 16 milhões por ano. A fonte? Julio Casares, na época responsável pelo marketing do clube, segundo a Folha de S. Paulo.

– Com os títulos que teve, com mais uma Libertadores, um patrocínio hoje na camisa do São Paulo poderia sair por R$ 25 milhões. Pediríamos isso. Na última renovação com a LG, os valores passaram de R$ 8 milhões para R$ 16 milhões – disse Julio Casares em 2006.

No caso do BMG, o patrocínio foi anunciado em setembro de 2010. Por um período de dez meses, até julho de 2011, o clube receberia R$ 25 milhões, de acordo com reportagem publicada pelo ge.

Na ocasião, nenhum representante do São Paulo abriu publicamente os valores. Ninguém, tampouco, refutou-os. Casares era vice-presidente de comunicação e marketing e ganhou moral com o negócio fechado.

Ambos os valores precisam ter a moeda corrigida por um índice de inflação para que a comparação com 2021 esteja correta. A correção é obrigatória. Não adianta traçar paralelos entre “valores nominais”.

Quando trazidos a valor presente por meio do IPCA, índice oficial de inflação do Brasil, esses são os números corrigidos:

  • R$ 46,8 milhões – BMG
  • R$ 35,9 milhões – LG

O contrato de patrocínio atual, que acaba de ser fechado com a Sportsbet.io, é ótimo para a atual circunstância do mercado do futebol brasileiro. Mas ele não é o maior da história do São Paulo. Por muito.

Contratos do São Paulo com LG (à esq.) e BMG (à dir.) corrigidos pela inflação — Foto: Reprodução

Contratos do São Paulo com LG (à esq.) e BMG (à dir.) corrigidos pela inflação — Foto: Reprodução

O que diz o São Paulo

Após a publicação da reportagem nesta quarta-feira, com os valores descritos no contrato com a casa de apostas, a diretoria do São Paulo procurou o ge para contestar o que havia sido escrito.

A direção não diverge em relação ao contrato atual. O São Paulo afirma que a comparação com outros contratos, como LG e BMG, precisa levar em consideração as propriedades comerciais envolvidas, entre elas o número de camarotes cedidos para os patrocinadores.

– O São Paulo considera esse o maior contrato de sua história. A comparação deve levar em conta todos os fatores e variáveis. O tempo de contrato, o valor em espécie, as permutas, os bônus, a premiação, os produtos…. Se compararmos todos esses pontos, podemos considerá-lo o maior da história – afirma Eduardo Toni, diretor de marketing do São Paulo, em nota.

Eduardo Toni, novo diretor de marketing do São Paulo — Foto: Rahel Patrasso / saopaulofc.net

Eduardo Toni, novo diretor de marketing do São Paulo — Foto: Rahel Patrasso / saopaulofc.net

Opinião do jornalista

O São Paulo dá uma aula de péssima comunicação ao tornar um excelente negócio – a chegada de um novo e importante patrocinador – em uma controvérsia causada meramente pelo ego de dirigentes.

A ressalva que Eduardo Toni apresenta para insistir na versão de “maior da história”, descrita acima, não tem precedentes no mercado esportivo.

Comparações entre contratos de patrocínio costumam levar em consideração alguns itens: valores, períodos e principais propriedades comerciais envolvidas. Não se compara, por exemplo, um patrocínio máster (peito e costas) com um que inclua apenas as mangas da camisa.

Ninguém conta a quantidade de camarotes cedida ao patrocinador. Principalmente porque, como esses contratos têm cláusulas de confidencialidade, não haveria nunca transparência suficiente para que as pessoas pudessem mensurar os negócios fechados no esporte.

A opção da atual diretoria por “diminuir” contratos antigos também é intrigante, uma vez que todos tiveram a participação de Julio Casares.

Ao citar “permutas” (quando o patrocinador entrega produtos e serviços, em vez de dinheiro, para obter a contrapartida), Eduardo Toni coloca um ponto de interrogação gigantesco sobre os acordos outrora festejados.

Os contratos de BMG e LG precisariam ter rendido menos da metade do que foi afirmado nas respectivas épocas, tratando apenas dinheiro, para que o patrocínio atual seja mesmo o maior da história tricolor.

Ou as diretorias do São Paulo vinham mentindo sistematicamente ao mercado e aos torcedores, ou a atual direção mente, desnecessariamente, ao falar do patrocinador que acaba de chegar.

Pra quê?

LEIA TAMBÉM: