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Brunno Carvalho
Mais de uma década antes de o Flamengo iniciar negociações para comprar o português Tondela e dar início à sua tentativa de internacionalização da marca, o São Paulo já visava entrar nos mercados da Europa e da Ásia. O São Paulo Madrid, na capital espanhola, e o São Paulo Liaoning, na China, fizeram parte de um projeto liderado por Edson Lapolla, diretor de marketing do clube tricolor na época, mas que não atingiu seu objetivo.
As duas parcerias tiveram início em 2003, pouco antes de um dos períodos mais vitoriosos do São Paulo. Na Espanha, a estratégia era mais comercial do que esportiva. O clube paulista assumiu o Santangelo, um time vitorioso das ligas amadoras da Espanha, e mudou o nome para “São Paulo Madrid”. A equipe jogava em um campo parecido com os terrões populares do Brasil, sempre vestindo os uniformes tricolores e o símbolo idêntico ao original, com um “Madrid” acima do escudo.
“O meu objetivo no São Paulo Madrid era primeiro divulgar e ter o São Paulo lá. Real Madrid e Barcelona cansaram de apanhar do São Paulo naqueles torneios amistosos que tinham lá. Então a gente tinha uma boa imagem na Espanha”, explica Lapolla. O projeto em Madri surgiu durante uma viagem da diretoria são-paulina para a Espanha para conhecer o trabalho da empresa Additel, que cuidava do monitoramento dos estádios dos times espanhóis. Naquela época, os times brasileiros começavam a adicionar câmeras nos estádios para fiscalizar possíveis atos de violência. Participaram da viagem Lapolla e Marcos Francisco de Almeida, então diretor da base são-paulina.
Gerardo Aranda, um dos executivos da empresa de segurança, fez a ponte que resultaria na parceria entre os dois times. O São Paulo passou a fornecer os uniformes e mudou o nome do clube. A ideia era que o São Paulo Madrid disputasse a terceira divisão espanhola, o que acabou não acontecendo.
“O São Paulo Madrid era um projeto de marca. O São Paulo era um time vencedor e lá tinha um time amador com a marca do São Paulo, sendo capa de jornal, capa com Barcelona, Real Madrid. Lógico que era mais comercial, era divulgação da marca. Eu queria vender camisa da Topper [fornecedora do clube na época] lá. Eu já tinha feito negócios nas lojas de lá, já tinha negociado que a Topper forneceria as camisas para El Corte Inglés, uma das principais lojas de lá, com exclusividade. Esses eram os objetivos”, prossegue Lapolla.
Ainda com o nome de São Paulo Madrid, a equipe espanhola conquistou o título de um torneio amador. Durante a parceria, o time chegou a ser patrocinado pela Ambev, que estampava a marca do Guaraná Antárctica. “Nesse meio tempo, enquanto existia o São Paulo Madrid, eu fui para a China”, relembra o ex-diretor.
Na Ásia, o projeto também tinha um objetivo esportivo, além do comercial, segundo Lapolla. O São Paulo criou um clube do zero na província de Liaoning, no nordeste da China. A ideia era levar atletas do Brasil para o país asiático e conseguir chegar à elite do futebol local. Paralelamente a isso, a diretoria são-paulina esperava ganhar espaço em mercado com uma população com mais de 1 bilhão de pessoas.
“A ideia de desenvolvimento de marketing no final teve muita dificuldade, porque o mercado era muito fechado nesse sentido. A ideia era desenvolver televisionamento de jogos do São Paulo, uma parceira mais ampla. Mas o mercado chinês não respondeu com muita facilidade. Na questão técnica foi uma experiência bastante interessante”, explica Nei Pandolfo, que havia sido escolhido para ser o técnico daquela equipe.
Para a aventura asiática, o São Paulo enviou junto com Nei um preparador físico, um treinador de goleiro, um roupeiro, um massagista e uma cozinheira. O trio Ethie, Da Silva e Daniel, vindo da base são-paulina, se uniu a cerca de 19 jogadores captados por Nei no interior de São Paulo para montar a equipe que iria para a China se preparar para iniciar o projeto em 2004.
Depois de uma pré-temporada invicta contra times amadores, os atletas foram voltando aos poucos para o Brasil – alguns permaneceram na China, mas em outras equipes. O São Paulo Liaoning disputou a terceira divisão chinesa apenas com atletas locais. “Não consegui convencer os caras a colocarem brasileiros, porque a gente ganhava de time da primeira divisão. Se hoje o futebol chinês é fraco, imagina em 2004, 2005”, diz Lapolla.
Mesmo com apenas chineses, a equipe tricolor conseguiu em 2005 o acesso para a segunda divisão, mas o projeto foi perdendo força. Nei Pandolfo voltou ao Brasil e passou a fazer parte da comissão técnica de Vanderlei Luxemburgo no Santos. Lapolla culpa a política são-paulina pelo fim das parcerias na Espanha e na China.
“O São Paulo não entendeu o projeto. As mesmas pessoas de hoje começaram a infernizar o Marcelo [Portugal Gouvêa] falando que eu estava ganhando dinheiro da China. Em um ano e pouco, quando eu voltei, fizemos os acertos de conta e a gente gastou 500 dólares. O resto lá, alojamento, comida, bebida era tudo por conta do pessoal de lá”, justifica Lapolla. Segundo ele, o projeto tinha apoio do governo chinês, que tentava fortalecer o futebol local.
Lapolla estima que o São Paulo Liaoning existiu até 2008, mas sem mais o apoio do clube paulista. Mais ou menos no mesmo período foi encerrada a parceria com o São Paulo Madrid. Procurado pela reportagem, o São Paulo não soube dizer exatamente o ano em que os projetos foram encerrados. A ideia de internacionalização da marca do tricolor do Morumbi voltou apenas para o papel.
“O Flamengo está querendo fazer hoje o que o São Paulo já tinha. Imagina se tivéssemos hoje 100 escolinhas na China? O projeto tinha dinheiro do governo chinês. Não tinha camisa nem da seleção brasileira nas lojas da China. Imagina como o São Paulo estaria hoje se eu consigo começar a vendar camisa lá. Não sei se o clube estaria milionário, mas ganhando dinheiro com certeza estaria”, completa o antigo dirigente.
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