GloboEsporte
Alexandre Lozetti
Tricolor fez 92 anos comemorando “não” ao golpe, mas lamentando clima bélico contra torcedores.
O São Paulo era o melhor time do país há 15 anos. O então diretor de marketing era Julio Casares. Em aparições um tanto histriônicas, marca de vários daqueles dirigentes, Casares surfou com eficiência a onda dos bons resultados e, num tempo em que o profissionalismo ainda engatinhava no futebol brasileiro – hoje até caminha, mas de olhos vendados –, apresentou novidades, de parcerias com o Pernalonga a pedaços do gramado vendidos.
Um de seus hits era prever que o São Paulo teria, num futuro próximo, a maior torcida em território nacional. Casares, provavelmente, jamais acreditou nisso, mas à época fazia parte do show e, de certa forma, movimentava a comunidade.
Agora presidente, ele tem uma missão mais nobre e importante do que promover o exponencial aumento da torcida do São Paulo: impedir que ela diminua, não pelos frustrantes resultados em campo, mas pela constante ameaça de violência sob a qual vivem os que se aventuram a frequentar o estádio e não fazem parte da facção organizada.
Se na última segunda-feira, dia em que comemorou 92 anos de gloriosa existência, o São Paulo pode festejar a derrota da tentativa golpista de retomar a reeleição e sufocar ainda mais qualquer tentativa de se fazer oposição, o que num conceito mais amplo pode-se chamar de democracia, é também obrigação debater os episódios recentes de agressões física, verbal e psicológica praticados por torcedores organizados contra os demais. Todos são-paulinos.
Morumbi, a casa do Tricolor — Foto: Luiza Moraes/Staff Images
O futebol tem se mostrado uma ilha de conservadorismo. Ações por igualdade, respeito e liberdade não passam de marketing de rede social. Há, isoladamente, aqui e ali, gente que, de fato, se mobiliza por um ambiente onde todos mais possam ser e se vestir como quiserem.
Recentemente, a organizada, incomodada com o “Trikas”, uma inocente brincadeira de internet, verbalizou o que pensa: quem usar brinco, pintar o cabelo ou alargar a orelha não pode fazer parte da facção. O preconceito, ao contrário do que indica o comunicado, atinge também quem está do portão para fora, como mostra a oportuna reportagem assinada pelo jornalista Arthur Sandes, no UOL, na qual torcedores comuns relatam casos de agressão e intimidação.
Quando o clube lançou uma lindíssima camisa cor-de-rosa em campanha pela prevenção e combate ao câncer de mama, rapazes que a vestiam eram ameaçados no trajeto para o estádio.
Como se não bastasse a resiliência diante de consecutivas gestões temerárias, irresponsáveis e amadoras, o são-paulino que insiste em ir ao estádio agora precisa se enquadrar nos moldes de comportamento determinados por um grupo citado em investigação pelo atentado com bomba contra o ônibus que conduzia os jogadores da própria equipe.
Sócios votando na assembleia geral do São Paulo; mudanças no estatuto foram vetadas — Foto: Rubens Chiri/saopaulofc.net
Não é de hoje que as gestões do clube mantêm boas e convenientes relações com as organizadas. A Polícia Civil investiga, inclusive, a participação de um funcionário no incidente supracitado. Meses depois de seu elenco ter escapado de pedras e bombas, a direção entendeu ser razoável abrir as portas do seu centro de treinamento para que atletas e comissão técnica recebessem líderes de uma das facções.
Depois desse encontro, o grupo condicionou a idolatria de Rogério Ceni e Muricy Ramalho à permanência na primeira divisão, como se fossem capazes de apagar da memória da imensa maioria de torcedores dois dos maiores nomes da história. O maior jogador do clube.
A omissão, a conivência e a cumplicidade do São Paulo com tais atos dão a impressão de que este pequeno grupo fala em nome do clube. Em nome da torcida. Notas oficiais não são suficientes. Cabe ao bom diretor de marketing do passado e seu grupo de gestão agirem com firmeza para garantir a segurança e a liberdade do são-paulino. No Morumbi, em Barueri, em qualquer canto da cidade onde ele vista uma camisa: a branca, a listrada ou a rosa.
Muricy Ramalho, Rogério Ceni e Kaká em treino do São Paulo; três dos maiores ídolos do time — Foto: Érico Leonan/saopaulofc.net
Volta e meia surge o inocente clichê de que ninguém é maior do que um clube. Ora, não é possível comparar o tamanho de seres humanos, de corações, sentimentos e sangue, a instituições esportivas.
Mas elas são o que são graças ao talento de atletas.
O São Paulo Futebol Clube completou 92 anos de história invejável, magnífica, construída e levada ao mundo por brancos, negros, brasileiros, estrangeiros, homens, mulheres, paulistas, nordestinos… É o São Paulo de Rogério Ceni, Muricy Ramalho, Telê Santana, Raí, Pedro Rocha, Leônidas, Roberto Dias, Careca, Serginho Chulapa, Richarlyson, Diego Lugano, Aloísio, Sissi, Kátia Cilene, Formiga, Cristiane, Eder Jofre, Adhemar Ferreira da Silva…
O clube de quem ameaça, agride e intimida é, no máximo, um Trikas.
Torcida em São Paulo x Corinthians — Foto: Marcos Ribolli
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