As finanças do São Paulo em 2021: endividada, gastadora e ineficiente, nova administração mantém o clube na rota da irresponsabilidade

340

GloboEsporte

Rodrigo Capelo

Julio Casares assumiu clube devastado por Leco e deu poucos sinais de melhoria. Custos estão altos, retorno esportivo é baixo, e a dívida bateu novo recorde: quase R$ 700 milhões a pagar.

Julio Casares assumiu a presidência do São Paulo em 1º de janeiro de 2021 com discurso de reconstrução. Não era para menos. A herança deixada por Carlos Augusto de Barros e Silva, o Leco, era terrível. Despesas haviam saído do controle, o endividamento tinha chegado ao maior valor da história, sem falar na contestável performance esportiva.

Publicidade

Hoje, após um ano e meio de administração do novo presidente, aparecem os primeiros resultados. O número que costuma chamar a atenção da opinião pública, o resultado contábil, foi péssimo. O São Paulo teve R$ 106 milhões em deficit. Pela primeira vez na história tricolor, houve três prejuízos consecutivos acima dos R$ 100 milhões.

Em entrevista concedida ao ge em março, Casares apresentou duas justificativas para esse número. A primeira, que o deficit havia sido menor do que no ano anterior. A segunda, que o prejuízo ocorreu por causa da decisão da diretoria de não vender direitos de alguns atletas.

– Se nós tivéssemos vendido dois jogadores em dezembro, estaríamos aqui dizendo que teríamos um superavit um pouquinho maior. Mas nós resolvemos assumir um deficit maior neste balanço para que o São Paulo, em 2022, possa caminhar para um resultado final muito melhor.

Para compreender corretamente a situação financeira de um clube de futebol, assim como os impactos das decisões de seus dirigentes, a análise precisa considerar outros indicadores. Prejuízos contam apenas parte da história. Neste texto, o ge visita as demonstrações contábeis mais recentes, referentes a 2021, para preencher essas lacunas.

As finanças do São Paulo — Foto: Infoesporte

As finanças do São Paulo — Foto: Infoesporte

Panorama

A visão geral das finanças tricolores mostra um clube em crise. Se Leco já tinha conseguido levar o endividamento tricolor ao patamar mais alto de sua história em 2020, Casares bateu recorde mais uma vez em 2021. O São Paulo se aproximou dos R$ 700 milhões em dívidas.

O faturamento também aumentou, porém a interpretação precisa levar em conta uma particularidade da contabilidade. Valores foram adiados de um balanço para o outro, por causa da pandemia. Algo a ser esclarecido nos próximos parágrafos, bem como a natureza dessa receita.

Receitas

O faturamento do São Paulo tem nos direitos de transmissão e nas premiações a sua maior fonte, algo comum a quase todos os clubes no mundo. E foi também a linha que registrou o maior aumento, porém com um asterisco também comum a todos os clubes.

Como competições de 2020 foram encerradas apenas em 2021, por causa da pandemia, parte relevante de suas receitas com televisão foi postergada de um balanço para outro. Principalmente, são pagamentos referentes aos direitos do Campeonato Brasileiro.

Em circunstâncias normais, a arrecadação tricolor teria sido maior no exercício retrasado e menor no passado. Isto impacta inclusive o resultado líquido, pois, com receitas atipicamente infladas, o prejuízo contabilizado por Casares no balanço foi menor do que deveria.

Cabe lembrar que, nessa linha, também estão incluídas premiações de torneios em mata-mata. O São Paulo caiu nas quartas de final da Copa do Brasil, abaixo da temporada anterior, mas conseguiu ir além na Libertadores, também com eliminação nas quartas.

No departamento comercial e de marketing, uma boa notícia. A receita foi aumentada em R$ 20 milhões, na comparação entre 2020 e 2021. Essa área inclui patrocínios, publicidades e licenciamentos.

Em fontes diretamente ligadas à torcida, o valor ficou novamente abaixo da média histórica, mas por motivos que fogem à administração do clube. A pandemia ainda impediu, no ano passado, que o Morumbi abrisse seus portões para a torcida. Só a parte social, entre sócios-torcedores e associados, contribuiu de maneira relevante para as contas tricolores.

O São Paulo ainda tem nas transferências de jogadores um ponto forte. Mais uma vez, a receita líquida (desconsideradas participações de terceiros) ficou acima dos R$ 100 milhões. A venda de Brenner para o Cincinnati, dos Estados Unidos, respondeu pela maior parte.

Orçado versus realizado

A história de uma administração também pode ser contada ao comparar orçamento (com projeções feitas pela diretoria antes de a temporada começar) e balanço (com resultados concretos).

No caso do São Paulo, por ter havido a alternância de presidentes, há uma particularidade. O orçamento foi produzido pela direção de Leco, e a prática foi conduzida pela equipe de Casares. Fica fácil constatar que o novo presidente chutou para cima as diretrizes orçamentárias.

Nas receitas, o marketing superou o que estava orçado para a temporada. Nas transferências de jogadores, por mais que o clube tenha conseguido um bom valor, a quantia ficou muito abaixo do que estava planejado. O total só ficou próximo do que havia sido programado por causa das receitas de transmissão, infladas pela questão contábil já descrita.

Em R$ milhõesOrçadoRealizadoDiferença
Direitos de transmissão21324330
Marketing e comercial305627
Bilheterias e estádio11132
Sócio-torcedor e sociais29356
Outros088
Transferências de jogadores176110-66
Total4594656
Folha salarial do futebol-179-272-92
Resultado financeiro-33-56-22
Resultado líquido13-106-119

Fonte: Orçamento e balanço financeiro

Nos custos, o ge pinça a folha salarial do futebol, por ser o indicador econômico de maior correlação com a performance esportiva. Um elenco mais qualificado costuma cobrar salários mais altos. Neste item, estão considerados salários, encargos trabalhistas, direitos de imagem, direitos de arena, bonificações e tributos de natureza trabalhista.

A diferença entre projetado e realizado ficou acima dos R$ 90 milhões. A nova diretoria gastou muito mais com essa finalidade do que a administração anterior havia considerado no orçamento.

No resultado financeiro, aparecem itens não esportivos, principalmente juros sobre dívidas e variações cambiais. Não é possível dar mais detalhes, no caso do São Paulo, porque as documentações publicadas não contêm nenhuma explicação sobre a natureza desse registro.

O resultado líquido apresenta o deficit (prejuízo) no exercício – muito pior do que constava no orçamento, que aguardava um superavit (lucro). Esse número não deve ser interpretado sozinho, para concluir se o ano foi positivo ou negativo nas finanças. É a combinação de vários indicadores que deve levar o torcedor e o mercado a uma noção mais precisa.

Dívidas

Mais um sinal de que as contas do São Paulo não fecham aparece no endividamento. Em 2021, o clube viu mais uma vez as suas obrigações baterem recorde – próximas dos R$ 700 milhões.

O detalhamento de acordo com o prazo de vencimento mostra um alívio, pelo menos. Dívidas de curto prazo (que precisam ser pagas em período inferior a um ano) baixaram no último exercício. A entidade entrou em 2022 com R$ 305 milhões a pagar no decorrer do ano.

O valor ainda é mais alto do que deveria, pois se trata de um clube que arrecada na casa dos R$ 400 milhões e opera no vermelho, com custos igualmente altos. Não deixa de ser positivo que as urgências estejam menores, em relação ao que a diretoria passada deixou.

O alongamento das dívidas pode ser percebido em dois itens. Em primeiro lugar, estão os empréstimos com instituições financeiras. O São Paulo é um clube que se apoia fortemente em linhas de financiamento para cobrir os buracos no caixa e fazer seus investimentos.

Somente em 2021, foram obtidos R$ 172 milhões em novos empréstimos, enquanto R$ 123 milhões foram usados para quitar créditos anteriores. Como a diferença entre um e outro é “negativa”, significa que o endividamento da entidade aumentou nesse tipo específico.

Ao negociar esses créditos, a diretoria de Casares conseguiu prazos distantes. O Banco Daycoval topou colocar a data final em março de 2025, enquanto o Bradesco esticou até agosto de 2026.

Uma vez que a maior parte de ambos os empréstimos foi contabilizada no longo prazo, o clube alivia a pressão sobre o caixa de imediato e ganha um respiro durante 2022 e 2023. O problema fica para o sucessor na presidência, que terá de lidar com as obrigações bancárias.

Em segundo lugar, o São Paulo conseguiu em dezembro de 2021 a adesão ao Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse), criado pelo governo para socorrer empresas em meio à pandemia. Foram registrados nele R$ 82 milhões em novas dívidas fiscais.

Esses parcelamentos também estão esticados no longo prazo. O clube começou o ano com 59 parcelas a pagar entre obrigações previdenciárias e 144 parcelas nas demais. Além disso, ainda há o pagamento do Profut, outro refinanciamento do governo, no quesito “fiscal”.

Na área trabalhista, o São Paulo está com dificuldades. As linhas “obrigações trabalhistas” (com valores correntes, ou seja, referentes à própria temporada) e “direitos de imagem” estão subindo sem parar há três anos. Isso apesar dos muitos acordos trabalhistas e cíveis feitos nesse mesmo período. O descontrole dos custos aparece nesta área.

Por fim, no gráfico abaixo, estão classificados em “outros” os compromissos com fornecedores, outros clubes e agentes. Em 2021, a direção tricolor conseguiu reduzir um pouco o valor a pagar.

Fonte: Balanços financeiros

Futuro

Nos últimos anos, o São Paulo criou um padrão em termos financeiros e de administração. O clube já não tem mais o maior faturamento do país, como tinha em meados dos anos 2000, mas continua a gastar como se tivesse. Contas estão no vermelho. Dívidas vão sendo acumuladas.

Alívios que puderam ser notados não são propriamente no ajuste da operação, e sim no adiamento dos problemas. Urgências são resolvidas por meio da tomada de novos créditos, principalmente bancários. Por mais que os prazos sejam alongados, uma hora a conta chega.

A pior parte, para o torcedor e para os dirigentes tricolores, é que esses gastos elevados não foram convertidos em performance esportiva condizente. Não foram com Leco, ainda não são com Julio Casares.

O São Paulo teve em 2021 a quarta maior folha salarial do futebol brasileiro, digna do topo da tabela. Em vez disso, o clube ficou no 13º lugar do Campeonato Brasileiro e não conseguiu sequer a classificação para a Libertadores. Frustrações esportivas e financeiras, pois faltam as premiações em dólares que a Conmebol paga. Também vale para a eliminação precoce na Copa do Brasil, frente às expectativas.

Então, combina-se o que há de pior em cada hipótese. Nem o clube está executando uma gestão austera de seus recursos, para baixar o endividamento e se tornar competitivo no longo prazo, nem consegue os resultados esportivos imediatos, que ajudariam em seu sustento.

O mandato de Casares tem três anos. Ele tomará as decisões até 2023. Na área comercial e de marketing, da qual é oriundo, a rentabilidade do departamento melhorou. O dirigente também está intensamente envolvido na fundação da liga de clubes, que pode destravar receitas e trazer algum dinheiro novo para o caixa são-paulino.

A questão é que o restante do mercado também está agindo. Adversários foram buscar capital no bolso de novos proprietários, porta que a política tricolor não parece querer abrir. A liga beneficiará o país inteiro. E os bons resultados comerciais só são melhores do que o próprio retrospecto; o clube ainda está atrás de seus rivais endinheirados.

Com a quantidade de dinheiro que tem à disposição todo ano, pouco menos de meio bilhão de reais, o São Paulo tem condições de encaixar peças em campo. Talvez até ser campeão, se Rogério Ceni tiver sucesso.

Porém, se quiser de fato reconstruir o clube – destruído pelo antecessor –, Casares precisará romper com os vícios que comprometem um futuro sustentável e vencedor. Gastar menos, pagar dívidas, buscar soluções para o longo prazo. Após seu primeiro ano de gestão, ainda não há sinais de que o novo presidente seja diferente dos que vieram antes dele.

@rodrigocapelo

LEIA TAMBÉM: