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Felipe Siqueira, Martín Fernandez e Thiago Lima
Meia passa a limpo os altos e baixos da carreira, recorda polêmicas, sente Neymar alegre de novo antes da Copa, exalta Diniz e celebra o fato de não ter saído do Fluminense quando teve chance
São quase duas da tarde. O treino da manhã foi longo, e Paulo Henrique Ganso almoçou uma barra de cereal. Prestes a encarar uma entrevista com previsão para durar uma hora, o camisa 10 do Fluminense avisa: “Vinte minutos, né? Tenho que buscar meu filho na escola”.
A apreensão no ambiente se desfez quando as câmeras foram ligadas, e Ganso fez a apresentação característica do “Abre Aspas”, quadro de longas entrevistas do ge, em que o entrevistado se acomoda numa cadeira e diz quem ele é.
– Eu sou Paulo Henrique Ganso, jogador do Fluminense. Nas horas vagas, claro. Isso é um hobby. Eu sou ator de profissão.
As gargalhadas – do próprio e dos demais presentes – seriam as primeiras de várias. Durante quase uma hora de gravação e mais uma longa conversa informal depois, Ganso mostrou como está leve, livre das lesões e feliz por jogar do jeito que mais gosta, sob as ordens de um técnico com quem se entende à perfeição.
Nesta entrevista, o meia analisa sua carreira, os altos e baixos, os erros e acertos, as polêmicas com Dorival Júnior e Seedorf… Ele diz sentir que Neymar, sua dupla de origem no Santos e a quem chama de “gênio”, voltou a ser feliz. E se mostra um jogador realizado com a trajetória que construiu, embora ciente de que poderia ter alcançado mais.
“Eu gostaria de ter vivido coisas melhores”, admite. “Mas estou no lucro”.
Confira os principais trechos no vídeo acima e no texto abaixo:
O ge publicou recentemente uma reportagem com seus números no Fluminense em 2022. Eles são parecidos com os melhores momentos de sua carreira. Em que lugar da sua carreira você coloca este ano no Fluminense? É o seu auge?
– É um momento muito bom. Vocês podem olhar os números, ver performance e tudo, mas com o que eu mais me preocupo é em levar o Fluminense a vencer. Isso que é o mais importante: vencer, ganhar jogos, ganhar títulos.
Abre Aspas: veja a entrevista com Paulo Henrique Ganso
Depois de dois anos difíceis no Fluminense, você projetava isso que vive hoje no clube, um 2022 tão bom?
– Não tão bom como está sendo, mas eu já (projetava)… No começo do ano, me perguntaram como seria 2022, e eu falei assim: “Tem tudo para ser uma grande temporada, uma boa temporada”. E está sendo muito melhor do que eu imaginei.
Veja todos os gols e assistências de Ganso em 2022
Quanto o Fernando Diniz tem a ver com isso? Você já estava bem quando ele chegou, ele mesmo disse isso, mas tem alguma contribuição dele para o seu futebol?
– Acho que a forma de jogar, né? O jeito de jogar do Diniz me dá um pouco mais de liberdade. Não só para mim, para todo mundo. Isso faz com que a gente esteja sempre com a bola, sempre presente em todos os lugares do campo. Com isso, fica mais prazeroso jogar futebol. Estar a todo momento com a bola no pé fica muito melhor.
Se o Diniz tivesse ficado em 2019, seus anos seguintes teriam sido melhores?
– No futebol, não tem esse “se”. Bom, aconteceu, tinha que acontecer, e a gente aprendeu com tudo, como a gente aprende na vida. O Abel saiu, uma pessoa fantástica também. A gente, óbvio, não queria que ele saísse. Mas, com a chegada do Fernando, melhorou muito o nosso elenco, taticamente, tecnicamente também, acho que com um pouco mais de coragem para jogar. Então acho que isso melhorou todo mundo.
Quando o Abel sai, tem um movimento no clube para o Diniz voltar. Algo bem natural, pelo que parece, dos jogadores. Você participou também? Queria a volta dele?
– Não cheguei a falar com ninguém, não falei com o presidente, com a diretoria. Mas óbvio que era uma vontade, porque já conhecia o Diniz, o trabalho dele. Eu pensava que seria muito bom para todo mundo. E ele realmente tem a cara do Fluminense.
Ganso e Fernando Diniz em treino do Fluminense — Foto: Mailson Santana / Fluminense FC
Tem alguma conversa sobre renovação do seu contrato com o Fluminense?
– Não, até agora não. Até agora nada.
Mas você gostaria?
– Sim, sim. Mas vamos terminar a temporada e a gente vê se vai acontecer uma conversa, se não vai…
Você costuma falar que quer muito dar um título para o Diniz. Por quê?
– Pela conexão que a gente tem, por tudo que a gente já acabou vivendo em alguns anos. Para mim, seria muito especial se eu pudesse ajudá-lo a conquistar um título.
Ganso se mostrou leve e brincalhão diante das câmeras — Foto: Marcelo de Jesus
Como o futebol entrou na sua vida? Era daquelas crianças que viviam abraçadas com a bola, dormiam com a bola, ou alguém te incentivou?
– Eu sempre gostei. Desde pequeno, gostava de jogar bola, sempre estava com a bola. Acho que para 99% das crianças brasileiras o primeiro presente do pai é uma bola de futebol. Comigo não foi diferente. Desde pequeno, me apaixonei, depois fui só crescendo e evoluindo a minha técnica e aprendendo muito.
Quando criança, você queria ser qual jogador?
– Ah, tinha muita gente. Alex, que hoje é treinador (do sub-20 do São Paulo). Depois o Kaká. Quem mais? Pô, Zidane, esse não dá para esquecer. Riquelme… Falo isso só da minha posição, fora os outros. Tem o Ronaldinho Gaúcho, que jogava um pouquinho mais na frente, o Ronaldo Fenômeno…
Ganso criança pelo time de futsal da Tuna Luso, em Belém — Foto: Arquivo Pessoal
Como você foi parar no Santos?
– Eu tinha um professor de educação física lá em Belém, o Márcio Guedes, e ele trabalhava na minha escola e na escola do Giovanni, que hoje está até trabalhando no Santos de novo. O Giovanni estava retornando ao futebol brasileiro em 2005, e o meu professor brincava: “Olha, vou falar com o Giovanni para você ir lá, treinar no Santos”. Eu era um dos destaques da escola, falei: “Pô, fala lá mesmo”. Brincando, né? Mas na brincadeira ele acabou conversando, se não me engano, com a irmã do Giovanni. E ele respondeu: “Está bom, vou dar essa oportunidade”. Ele abriu as portas do Santos e o pessoal me recebeu super bem.
Foi fácil sair de casa e ir para Santos?
– Cara… Difícil, né? Porque é outro mundo, outra vida. Eu estava lá em Ananindeua, cidade em que eu nasci e morava, e ir para São Paulo, ver um monte de prédio, depois ir para Santos, realmente não foi fácil. Mas se fosse tão fácil não teria valido a pena.
Alguma vez teve vontade de voltar? De falar: “Pô, isso aqui não é para mim, quero voltar para minha casa”?
– Acho que a única vez que me deu vontade de desistir, mas foi só no momento, foi quando eu treinei no profissional e me falaram: “Agora você vai ter que voltar para a base”. Isso mata qualquer um. Não é como hoje, que tem mais facilidade para os garotos da base, eles vêm, treinam, voltam e jogam lá, e voltam para treinar de novo no profissional. Ali pareceu o fim, entendeu? Parecia: “Ah, agora não vou ter mais oportunidades, não vou mais jogar no profissional, não vou mais me tornar um profissional”.
“Em um momento você acaba falando: “Vou desistir”. Mas depois tem que correr atrás tudo de novo”.
Meia passou carreira a limpo durante a entrevista — Foto: Marcelo de Jesus
Quando você começou, um elogio comum era: “Nossa, esse garoto parece um veterano”. Com quantos anos você começou a jogar que nem um veterano?
– (Risos) Eu não sei. Cara, as pessoas falavam…
Você sempre foi assim?
– Sim, sempre. Esse estilo de jogo, de dois toques mais rápidos na bola, de pensar sempre mais rápido, acho que sempre foi meu estilo. Vocês que falavam, as pessoas falavam: “Ele é jovem, mas já tem um estilo de veterano”.
Vestir a camisa 10 do Santos, do Pelé, intimida?
– Não, para mim era muito mais importante jogar no profissional. Porque na base eu acabei jogando com a camisa 10. Você sente: “Pô, a camisa 10 do Rei”, mas depois se acostuma. Aí vem aquela época de 2010 fantástica, depois 2011 teve aquela surpresa com a coroa no número… Para mim, foi especial demais.
O que o Ganso de hoje diria para aquele Ganso que se recusou a ser substituído pelo Dorival?
“(Gargalhada) Pô, ia falar: “Sai logo daí! Deixa o Dorival resolver esse problema”
– Cara, difícil, difícil. Porque foi de momento. Não tinha pensado no que ia fazer. Foi na hora, falei: “Pô, estou segurando o jogo aqui, conseguindo fazer pelo menos o time respirar um pouco da pressão que a gente estava sofrendo”. Não sei se teria alguma coisa para aquele momento.
Meia deu boas residas durante a entrevista — Foto: Marcelo de Jesus
Você e o Dorival já conversaram sobre isso?
– Na semana seguinte, a gente acabou se falando. Eu disse: “Pô, nem deveria ter feito”. Imagina se aquela bola na trave é gol do Santo André. Estava morto!
Você já o viu falando sobre como foi?
– Não, não vi ainda.
Ele falou assim: “Eu fiquei desconcertado, não sabia como reagir, não esperava isso”…
– Nem eu, nem eu esperava (risos).
E ele: “Ainda bem que atrás de mim estavam o Neymar e o Robinho, e eles falaram: ‘Tira o André…'”
– E eu falo, né? “Pô, tira o André”. E o André, coitado, tinha acabado de entrar (risos).
Ele fala: “Como Neymar e Robinho falaram a mesma coisa, está todo mundo falando para eu tirar o André, vou tirar o André”. Mas ele conta rindo…
– É… Porque deu certo, né? (risos) Mas o Dorival foi um cara muito especial. Estive com ele agora há pouco tempo, jogando contra, mas é um cara super do bem, e a gente foi muito feliz junto lá no Santos.
Nessa época, muita gente considerava que você tinha que ter ido para a Copa (de 2010), mais até do que o Neymar. Você se achava melhor, mais pronto, do que o Neymar?
– Não, nunca achei isso. Nunca pensei nisso, na verdade. Pelo contrário. A gente só queria se divertir jogando futebol. E é o que a gente faz até hoje. Cada um teve a sua carreira, mas esse era o nosso pensamento. Sempre foi assim, sempre se divertir jogando futebol. Naquele time, tinham os mais experientes, outros mais jovens, mas esse era o pensamento. A gente pensava: “Vamos fazer gol. Se vai tomar três, temos que fazer quatro”. Era mais ou menos esse o pensamento. Tomar dois, tem que fazer três. Era vencer e se divertir em campo.
Ganso sofre lesão no joelho esquerdo e será operado
Sua carreira teria sido diferente sem aquela lesão contra o Grêmio?
– É difícil falar. Difícil porque um atleta de alto nível sempre vai passar por isso, sempre vai acontecer uma lesão aqui, outra ali. Eu falaria de outras coisas extracampo, sabe? Eu briguei muito com quem estava dirigindo o Santos naquela época. Então algumas coisas eu teria mudado.
Por exemplo?
– Algumas coisas que eu falei, eu não teria falado. Teria guardado para mim. Teria feito algumas coisas mais internamente. Principalmente com o clube, o Santos, e com algumas pessoas. Talvez essas pessoas não quisessem o mesmo que eu queria no momento, mas eu teria feito isso mais internamente.
Você diz de decisões tipo a de sair do Santos?
– Não só de sair ou não sair. Por isso que falei, conversas internas que a gente poderia ter decidido de uma forma melhor.
Mas foram decisões que você tomou ou alguém que trabalhava com você que tomou?
– Um pouco de cada, né? De quem trabalhou comigo, de quem dirigia o clube naquela época. Acho que se a gente conseguisse conectar todo mundo dentro de uma sala fechada internamente.
“Poderia resolver de uma forma melhor. Tanto para ficar quanto para sair”.
Houve outras situações na sua carreira que esse episódio te ensinou a fazer diferente?
– Ah, muitas. Depois que eu saí, que eu vivi tudo isso, eu aprendi muito. Até na saída do São Paulo também, que foi até uma forma mais leve. Acho que foi uma forma tranquila para mim e para o clube. Os dois foram super profissionais naquele momento, e foi bom para os dois.
Essa lesão de 2010 mudou sua maneira de jogar? De não se expor, se preservar de algum jeito, ou isso nunca mudou sua maneira de se comportar no campo?
– Não, nunca mudou. Você tem as adaptações que vai fazendo porque você não volta de uma cirurgia de joelho em seis meses já fazendo tudo que vinha fazendo. Isso requer uma adaptação e ritmo também. Isso eu fui adaptando no passar do tempo.
Ganso pela Seleção nas Olimpíadas de Londres 2012 — Foto: Mowa Press
Acha que deveria ter ido para aquela Copa de 2010? Você chegou a dizer em entrevista na época que sonhou que fazia um gol na Copa.
– É, mas cara… É decisão, é difícil falar: “Pô, eu queria estar lá”. Queria estar lá? Óbvio que queria. Mas é difícil, o Dunga vinha há quatro anos ganhando tudo o que disputou, praticamente já vinha com o elenco fechado ali, com os 23 convocados fechados. Então é difícil falar. Tinham seis meses, surgiu essa dupla e “tem que levar”. É difícil também para ele, né? Um cara que vinha ganhando tudo.
Mas faltou uma Copa para o Ganso?
“Ah, pô, seria legal. Seria bom. Seria muito bom se eu pudesse jogar uma Copa. Vamos ver. Quem sabe… Tenho 32 anos, estou novo. Tem mais tempo ainda aí. Tem bastante tempo ainda”.
Você jogou muitas vezes pela Seleção, Copa América, Olimpíada…
– Uma pena não ter ganhado aquela primeira Olimpíada em 2012. Uma pena.
Você se machucou, né?
– Machuquei, mas foi coisa de dias. Acho que em quatro ou cinco dias já estava apto de novo. Uma pena a gente ter perdido aquela final.
Na sua relação com a Seleção, acha que ela ficou te devendo mais oportunidades, ou você ficou devendo mais futebol para a Seleção?
– Acho que nem um, nem outro ficou devendo. Cada um teve o seu caminho. Eu tive o meu caminho, a Seleção teve, tem o dela, né? E que a gente possa ser feliz.
Você e o Neymar tiveram uma parceria histórica no Santos, depois tiveram trajetórias diferentes. Hoje em dia como é sua relação com o Neymar?
– Hoje eu falo muito pouco, até pela distância. E cada um tem a sua vida, né? Eu até brinco: pô, hoje eu tenho vida de casado, ele tem vida de solteiro, não dá para juntar (risos). Aí minha mulher vai me matar, vou sair no prejuízo. A gente se fala bem pouco. Quando dá, a gente troca algumas palavras, algumas frases para ver como que está.
Neymar e Ganso foram campeões da Libertadores em 2011 pelo Santos — Foto: Grazir Junior
Mas você o conheceu bastante de perto. Quem é o Neymar que só quem conviveu de perto com ele conhece?
– Hoje ele voltou a ser o que sempre foi: um menino alegre, feliz, principalmente dentro de campo. E tendo prazer de jogar futebol. Isso que é o mais importante para ele. Acho que nesses últimos anos ele não estava tão feliz. Acho que isso voltou para ele. E ele com felicidade, alegre, jogando futebol… Sem palavras.
O fato de ele agora ser o Adulto Ney ajudou nesse amadurecimento?
– Acho que ele aprendeu com muita coisa também, por tudo o que passou. Ele sempre fez gol, sempre deu assistências, dribles bonitos. Acho que por tudo o que ele viveu nos últimos anos de PSG, ele aprendeu muito e sem dúvida cresceu muito.
Como você acha que ele está encarando a Copa do Mundo?
– Sem dúvida, ele está pensando na Copa, está se preparando muito para isso. E torço para que ele possa ser campeão, trazer o hexa para o Brasil.
Por que Neymar ainda não foi o melhor do mundo?
– Se colocar no top 3, ele é um dos três. Ele pegou uma fase de Messi, Cristiano Ronaldo, sem palavras. Ser campeão da Champions faz a diferença. Se ele conseguir ser campeão da Champions League com o PSG, ele certamente vai ser considerado o melhor do mundo.
Se vocês voltarem a jogar juntos, você é o 10 e ele que vá procurar outra camisa?
– Vai voltar a ser 11 de novo (gargalhada). Não, ele que escolhe. Fica à vontade, o que você quer?
Ele recuou uns metros, foi para o centro do campo…
– Ele é um gênio, né? Você o deixa livre no campo, deixa à vontade. Se ele quiser jogar de atacante, se ele quiser estar na ponta… Fica com a liberdade para jogar e fazer o que faz de melhor.
Ganso e Edgardo Bauza no São Paulo — Foto: Leandro Martins/Framephoto/Estadão Conteúdo
Você teve um grande momento no São Paulo com o Bauza, em 2016.
– El Patón…
Um cara que pensa futebol totalmente diferente do Diniz. Como foi aquilo para você?
– Foi um momento muito bom no São Paulo. Uma pena que a gente não chegou na final da Libertadores. A gente tinha um time muito bom. Era uma forma de jogar mais agressiva. A hora que a bola chegava na linha de fundo, corre para a área. Não tinha muita saída de bola, muito toque no meio do campo. Era mais finalizar a jogada. Criou a jogada, finaliza. Deu certo porque eu ajudava a criar, ajudava a chegar na área para finalizar, e também deu certo com o Calleri. Foi uma dupla muito boa que a gente fez.
Você prefere jogar um jogo mais elaborado, com mais pausa, pensar mais e correr menos?
– Correr menos não tem como. Depende do jogo, depende do que está acontecendo naquele momento. Tem dia que a gente não vai conseguir saindo curtinho. Até porque a gente não quer isso. Ultrapassou a saída em dois toques, já é para finalizar. Às vezes eu até brigo com os meninos aqui no Fluminense. Porque quando a gente acaba rompendo a linha, é para atacar… E a gente acaba voltando a bola e querendo ficar em posse de novo. Isso que a gente tem que aprender.
O que aconteceu na sua passagem pelo Sevilla?
– Se a gente pegar por número, você vai falar que os números são bons. Fiz poucos jogos como titular, mas os jogos que fiz foram muito bons. Fiz gols, dei assistências, tudo. É difícil achar uma explicação. Teve aquele momento de rodízio, de rotação, eu acabei saindo e não voltei mais. Quando voltei, fiz gol e depois saí de novo e não voltei mais. Enfim, é difícil falar. Queria ter jogado mais, Sevilla é uma cidade fantástica, o clube é muito bom. Queria ter aproveitado mais profissionalmente.
Ganso em ação pelo Sevilla contra o Cartagena — Foto: EFE/Julio Muñoz
É o Sampaoli que pede tua contratação e depois ele que te tira? Vocês já se encontraram depois daquele momento?
– Não. Não encontrei, não falei. E não precisa também. É uma coisa que já passou, vida que segue. Eu aprendi muito com tudo que vivi lá.
E como foi jogar na França em um time pequeno como o Amiens?
– Foi um período de aprendizado também. Não tinha mais chance de continuar no Sevilla, tinha contrato ainda, mas tinha que sair de lá porque não iria jogar. E fui para um clube em que iria jogar. Um clube pequeno, mas que tinha uma estrutura até boa, estava na primeira divisão. Mas, profissionalmente, não foi bom. Eu queria mais competitividade, queria disputar títulos. E, obviamente, lá não era isso que eu ia encontrar. E em termos particulares não foi tão bom para os meus filhos.
O que faltou para ter uma carreira mais consolidada na Europa?
– Eu joguei muito pouco no Sevilla. As pessoas lá, os torcedores pediram: “Ele tinha que ter jogado mais, a gente queria ter desfrutado mais da qualidade dele”. Se naqueles dois anos eu tivesse atuado mais dentro de campo, teria uma vida mais longa na Europa.
Em 2013, teve uma declaração do Seedorf no “Bem, Amigos” em que ele fala que você não daria certo na Europa com seu estilo de jogo. Esta declaração com certa frequência volta à tona, principalmente em fases em que você não está em alta. Ela te incomoda? Você concorda com alguma coisa dela?
– Zero impacto. Em qualquer lugar do mundo vai ter marcação forte. Até porque se não tiver marcação forte, o cara vai deitar e rolar. Se isso é para mim… Não acompanhei a entrevista. O pessoal até me fez uma pergunta sobre isso em uma coletiva, uma coisa assim, mas para mim zero importância. O mais importante é eu saber a qualidade que tenho, saber onde tenho que atuar e onde tenho que melhorar.
Grande jogada de Ganso não empolga Seedorf: ‘Ele anda devagar no campo’
Você então discorda? Disso que você não teria intensidade no campo?
– Cara, cada um tem sua opinião. Você tem a sua, o outro pode falar outra coisa. O que menos importa para mim é performance, o importante para mim é estar vencendo jogos e ganhando títulos.
O jogo está muito diferente em relação a quando você começou?
– Acho que mudou bastante em termos táticos. Muitos treinadores se preocupam mais em como elaborar taticamente. Às vezes o cara fala: “Eu vou armar meu time de acordo com o time adversário”. Mas espera aí. Tem que pensar no teu time primeiro. Você está pensando só no time adversário? Como que eu vou atacar? Acho que isso mudou bastante. Taticamente, mudou muito. Se fala mais taticamente do que técnico. Isso infelizmente mudou. Eu particularmente gosto mais da técnica. Gosto mais do futebol, todo mundo querendo jogar, todo mundo querendo a bola para jogar. E não um time defendendo e outro atacando.
Ficou mais difícil jogar?
– Não. Tem mais marcação, mas não ficou mais difícil, não. Pelo contrário, fica até mais fácil. Aí a gente vai falar taticamente de outra coisa, de jogo posicional, que muitos treinadores gostam disso: cada um no seu setor. Então acaba dando mais liberdade para quem quer jogar futebol.
E nosso futebol em relação à Europa? Deu uma equilibrada?
– Está sempre equilibrado. Se a gente tirar os clubes que realmente investem, (Manchester) City, Real Madrid, o Barcelona, que agora voltou a investir, o Bayern de Munique… Se a gente tirar esses clubes, que são fora de série de investimento, está bem equilibrado tanto a Europa como o Brasil.
Meia acredita que o futebol mudou muito ao longo de sua carreira — Foto: Marcelo de Jesus
Qual foi a orientação tática mais bizarra que você já ouviu?
– Tem vários, várias (gargalhada). Tinham umas que eu ficava irritado, às vezes nem queria fazer. Mas tinha que fazer, né? Tinha um treinador que pedia que quando a gente saísse com a bola no meio de campo, chutasse a bola lá para a lateral e fosse marcar lá em cima. Eu pensava: “Por que você vai chutar a bola para a lateral para tentar roubar de novo e fazer o ataque?” Para mim, isso é bizarro, sabe? Isso não existe no futebol. A gente não pode começar daqui? Já está no meio de campo com a bola…
Quem foi?
– Vocês não vão conseguir adivinhar, não (risos).
Você quer ser técnico, né? Como é que joga o teu time, na tua cabeça?
– Ah, meu time vai ter que ter a bola sempre, óbvio. Tem fases do jogo que você vai ter a bola no pé. Mas na minha ideia de jogo a gente vai estar sempre bem próximo. Importante é ter a bola no pé.
O que mais te dá prazer no futebol hoje?
– Estádio lotado é prazeroso para qualquer jogador. Ter a bola no pé me dá prazer dentro de campo. Se você ficar só correndo atrás, marcando, fica chato, o futebol fica chato. Acaba se estressando no jogo, acaba ficando irritado.
Fez amigos no futebol?
– Grandes amigos não. São poucos. (Os jogadores) Acabam mudando muito de lugar. Quando você acaba fazendo amizade, o cara sai, você acaba perdendo o contato. Vai falando pouco e acaba se distanciando. Aqui no Fluminense tem o Manu, o Wellington…
E inimigo, tem?
– Não, não. Inimigo, não. Ainda bem, né? Quer dizer: pelo menos eu não tenho, né? Mas de repente o cara não gosta de mim, não sei.
Pensa em jogar até quantos anos?
– Não sei. Enquanto o corpo estiver aguentando, a gente vai se divertindo em campo.
Ganso brinca e diz que acredita que não fez inimigos no futebol — Foto: Marcelo de Jesus
Você sente que teve uma carreira compatível com o seu talento?
– Cara… O Diniz falou outro dia que eu deveria estar disputando a terceira Copa (risos). Mas essa é a opinião dele. Eu queria ter vivido, óbvio, coisas melhores. Queria ter atuado mais dentro de campo. Às vezes, fiquei muito tempo fora de campo, machucado. Algumas coisas que não deram certo nos clubes. Mas se eu colocar na balança, para um cara que pensava apenas em ser profissional do futebol, ter toda essa carreira, tudo que eu já vivi, títulos que eu conquistei… Eu sou muito abençoado. Estou no lucro.
Teria feito algo diferente na carreira?
– O que a gente falou sobre o Santos. As conversas ali foram algo de que eu me arrependo. Teria que ter feito de forma diferente. Ter conversado de uma forma diferente. Disso eu me arrependo. Gostaria de ter mudado.
Na saída?
– Naquilo de renovação. Naquela confusão toda ali.
Você teve oportunidades para sair, né?
– Algumas. Para fora e para dentro do Brasil também. Mas eu aprendi bastante. Foi bom porque a gente aprende. Na vida a gente aprende com tudo.
O camisa 10 clássico está em extinção nesse futebol mais tático?
– Está, sim. O Arthur, menino aqui do Fluminense, tem esse estilo de jogo. Ele é até mais rápido. Nos dribles e tudo. Isso falando da base. No profissional, a gente vai falar do Nacho, do (Raphael) Veiga, do Arrascaeta. Acho que, basicamente, são esses.
Por quê?
– Talvez porque os técnicos querem jogar mais pelo resultado. Talvez o camisa 10 não volte para marcar e acabe atrapalhando o esquema do treinador. Mas se a gente parar para analisar, quais foram os últimos times que foram campeões aqui no Brasil, ou da Sul-Americana ou da Libertadores? A gente vai falar de Flamengo, Palmeiras, Atlético-MG. E aí? Todos eles têm o jeito de jogar para atacar e têm sempre o meia de criação ali. E as vezes até dois, como o Flamengo tem. Então espero que os treinadores possam olhar de uma maneira diferente para o camisa 10.
Você teve chance de sair do Fluminense?
“Várias vezes. Não quis ou não deu certo. Quando era bom para mim, não era bom para o clube. Por isso que acabou não acontecendo. Que bom, né? A gente pôde viver momentos maravilhosos nessa temporada”
Você gosta de futebol a ponto de ligar a TV em um fim de semana de folga?
– Depende do jogo. Tem jogos que você tem que assistir, não tem como não ver. Vejo o Inglês, o Espanhol… O Italiano voltei a assistir um pouquinho mais também. Um pouco de cada coisa. É sempre bom, você está sempre aprendendo. Mesmo em casa, estou sempre aprendendo.
Ganso ao lado do filho, Henrico — Foto: Divulgação / Fluminense
Seu filho gosta muito de futebol, costuma ir aos treinos… Você o deixaria ser jogador de futebol?
– Se eu pudesse escolher, escolheria outra profissão. Mas ele quem vai decidir. E o que ele decidir eu vou apoiar na melhor maneira possível.
Mas por que não o futebol?
– Pela pressão. A pressão é muito grande. Para mim, já é muito grande. Para ele, então, por ser filho de jogador, seria absurdo. Mas ele que vai decidir, ele que vai viver. Eu vou estar junto para ensinar e passar um pouco do que eu já vivi.
Diniz na seleção. Daria certo sem tempo para treinar?
– Eu sou suspeito para falar do Fernando. Ele daria certo em qualquer clube, ou qualquer seleção. Óbvio que na Seleção teria que treinar mais… ou menos, né? Depende. Se os jogadores conseguirem pegar rápido a forma de jogar dele, de repente, mesmo treinando pouco, melhora muito.
– Mas, por mim, ele tem que ficar aqui no Fluminense. Se eu sou o presidente, se sou o Mario (Bittencourt), assino um contrato de cinco, dez anos: “Você vai ficar aqui, vai ganhar títulos aqui com a gente, e depois você vai pensar em Seleção”. Mas isso é o que eu desejo, até porque eu estou aqui e não quero que ele saia. Quero que ele seja muito feliz aqui no clube, sendo campeão. Depois, ter uma carreira de seleção.
O que falta para você parar totalmente completo?
– Se eu tivesse que parar hoje, pararia completo, feliz, contente com tudo. Mas eu tenho meu contrato, tenho saúde, meu corpo está super bem. Quero desfrutar. Eu quero me divertir dentro de campo.
Depois que você parar, se seguir a carreira de treinador, qual vai ser o primeiro técnico que você vai procurar?
– Com todos a gente sempre aprende. O Fernando certamente seria o principal. Quem sabe ele diz: “Vem aqui aprender!”
De volta ao foco: Ganso “ressurgiu” com tudo em 2022 — Foto: Marcelo de Jesus
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