Raízes de Luciano: atacante do São Paulo catava garrafas e encarava 20km de bicicleta para treinar

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GloboEsporte

Eduardo Rodrigues, Felipe Ruiz e Renato Peters 

Em Anápolis, ge visita família e conhece origens do jogador, revelado (e dispensado) pelo adversário tricolor nesta noite pela Copa do Brasil.

Quando o São Paulo joga, é certo: em algum momento, o canto “É Luciano!” será entoado. Seja com o atacante no time titular, seja na reserva. No Morumbi ou longe dele.

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O grito de guerra para o jogador se tornou um hábito da torcida e mostra como Luciano tem se identificado com o clube – relação que pode virar idolatria com o título da Copa Sul-Americana.

Nesta quinta-feira, às 21h30, o São Paulo tem a chance de dar um passo importante em busca dessa taça. O Tricolor encara o Atlético-GO, no jogo de ida da semifinal, no Serra Dourada. E desta vez, além do combustível habitual das arquibancadas, Luciano terá o reforço de sua família. Natural de Anápolis, cidade a 70 km de Goiânia, o atacante jogará em casa, no lugar que nunca deixou para trás.

– Ele continua o mesmo menino de sempre. Tira férias e podia viajar, mas não, vem para cá. Fica com os antigos amigos para jogar bola, soltar arraia, fica na porta da rua. É a mesma criança de sempre, envergonhado, não gosta muito de falar, um pouco tímido… Não mudou em nada – afirma Luci, mãe de Luciano, que espera um gol do filho nesta noite.

Abaixo, o ge conta as origens do jogador que conquistou os tricolores. No domingo, o Esporte Espetacular também exibe uma reportagem especial sobre o atacante.

Foto de Luciano ainda bebê, em Anápolis — Foto: Eduardo Rodrigues

Foto de Luciano ainda bebê, em Anápolis — Foto: Eduardo Rodrigues

Viagens de bicicleta e catador de garrafas

A bola sempre foi um divisor de águas na vida de Luciano. Com ela nos pés, seja na rua, nos campinhos de terra de Anápolis ou na antiga escola, ele esquecia de tudo, conseguia deixar a timidez de lado e colocava seu lado mais leve para fora.

Foi dessa forma que o garoto superou as adversidades de uma infância pobre em Anápolis. Jogar futebol era o que ele mais gostava de fazer. E os pais, mesmo com poucas condições, fizeram de tudo para que ele alcançasse o sonho de um dia ser profissional.

Campo da Vila Norte, em Anápolis, onde Luciano, do São Paulo, começou — Foto: Eduardo Rodrigues

Campo da Vila Norte, em Anápolis, onde Luciano, do São Paulo, começou — Foto: Eduardo Rodrigues

A mãe, Luci, e o pai, Itamar, se revezavam para levar Luciano aos treinos no Anapolina, time da cidade, de bicicleta. Eram cerca de 20km da casa deles. Mas houve um dia em que Luci não pôde levá-lo. E aí aconteceu um episódio que ela jamais esqueceu.

– Eu não pude levar, e ele foi de ônibus. Para vir embora, ele não tinha o dinheiro, então o treinador dele deu o dinheiro. Só que em vez de vir de ônibus, ele veio a pé. Aí o Luciano falou para mim que com o dinheiro do ônibus ele tinha comprado bolacha, porque estava com fome. Isso me marcou muito – conta.

Luci, mãe de Luciano, e Itamar, pai de Luciano, do São Paulo — Foto: Eduardo Rodrigues

Luci, mãe de Luciano, e Itamar, pai de Luciano, do São Paulo — Foto: Eduardo Rodrigues

Mas a família persistiu no sonho, até porque todos falavam: aquele canhoto de pernas tortas tinha talento e um futuro promissor. E vendo a situação dos pais, que se desdobravam por ele, Luciano também deu um jeito de ajudar.

Aos 16 anos, o atacante decidiu trabalhar para conseguir arcar com as idas aos treinos. E passou a praticamente não dormir, já que estudava, treinava e tinha uma dura missão em um estacionamento.

– Ele estudava de manhã, treinava à tarde e arrumou um serviço de catar garrafa à noite no clube. Ele trabalhava no estacionamento catando garrafa e chegava em casa uma 5h, 5h30 da manhã. Sempre lutou, sempre fazia alguma coisa. Quando não tinha o que fazer, saía na rua para pegar ferro velho, mas esse ele trocava tudo em doce (risos) – relembra Luci.

Rua de Anápolis, Goiás, onde Luciano cresceu — Foto: Eduardo Rodrigues

Rua de Anápolis, Goiás, onde Luciano cresceu — Foto: Eduardo Rodrigues

Entre muitos quilômetros percorridos, garrafas recolhidas, treinos e testes, surgiu a maior oportunidade da vida até ali: o Atlético-GO, justamente o adversário do São Paulo nesta noite.

Em 2011, Luciano fez um teste no time goiano e foi aprovado para atuar no sub-18. Rapidamente recebeu chances no sub-20 e um grande incentivo do pai:

– Arrumaram teste para ele no Atlético-GO, e ficou no sub-20. Aí numa quinta-feira eu falei para ele: “Se você conseguir subir pro profissional, esse carro aqui, na hora que você chegar, pode pegar para você”. Era um golzinho. Numa outra quinta, ele ligou: “Pai, não mexe no meu carro, não”. Falei que o carro não era dele, e ele respondeu que tinha subido pro profissional. Aí eu tive que passar o carro para ele (risos). Em uma semana, ele acabou com o carro todinho, foi dar uma volta no carro e o câmbio estava no chão (risos) – lembra Itamar.

Luciano chegou a jogar o Brasileirão de 2012 pelo Atlético-GO (fez um gol, contra o Inter). Mas não houve acordo para renovação, e ele rumou para o Avaí no ano seguinte. A situação foi lembrada pelo próprio atacante em julho, após fazer os dois gols do São Paulo na vitória de 2 a 1 sobre o Dragão pelo Campeonato Brasileiro.

– Para quem foi mandado embora daqui do clube, poder voltar contra eles e marcar dois gols… Estou muito feliz – disse Luciano depois da partida.

Luciano alfineta Atlético-GO após marcar duas vezes no Brasileirão

“É Luciano!”

Os percalços fizeram Luciano ganhar casca para chegar ao topo. A ida para o Corinthians, em 2014, foi a coroação de todo sacrifício do jogador e da família. A notícia pegou todos de surpresa. Mas mal eles sabiam que o melhor ainda estava por vir.

Após passar por Leganés, da Espanha, Panathinaikos, da Grécia, Fluminense e Grêmio, ele recebeu uma proposta do São Paulo, que o interessou. Mas como de costume, ele não podia tomar uma decisão sem antes ligar para Anápolis.

– Quando ele recebeu a proposta, me ligou e perguntou o que eu achava de ele ir para o São Paulo, disse que o Diniz tinha ligado para ele. Eu falei: “Moço, vai logo. Vai ser só sucesso, você vai ser o cara mais feliz”. Agora ele está lá colhendo os frutos, estou feliz por isso. Feliz de ver ele bem, acompanhei a carreira dele toda, o sofrimento com as lesões… Mas quando ele foi para o São Paulo, foi uma felicidade dupla, muito feliz mesmo ter um amigo jogando no meu time – relata Cleyton Alessandro da Costa, o Cleytin, amigo de infância de Luciano.

Cleytin, amigo de infância de Luciano, do São Paulo — Foto: Eduardo Rodrigues

Cleytin, amigo de infância de Luciano, do São Paulo — Foto: Eduardo Rodrigues

Em pouco tempo, parecia que o atacante havia nascido para vestir a camisa do São Paulo. O jeito muitas vezes explosivo e a entrega dentro de campo (além dos gols, claro) encantaram o torcedor são-paulino.

Logo em seu ano de estreia, foram 21 gols, com a artilharia do Campeonato Brasileiro de 2020. Na temporada seguinte, Luciano fez gol na final do Paulistão e conquistou o primeiro título pelo clube.

Luciano em comemoração pelo São Paulo — Foto:  Rubens Chiri / saopaulofc.net

Luciano em comemoração pelo São Paulo — Foto: Rubens Chiri / saopaulofc.net

Agora, já são 47 gols com a camisa do São Paulo. O “É Luciano!” deve ser cantado mais algumas vezes no Serra Dourada nesta noite. E desta vez com a mãe do jogador nas arquibancadas para se emocionar, como de costume.

– É uma emoção muito grande, às vezes a gente nem acredita. Você está ali e pensa que é seu filho que está lá. Aí vem aquela emoção, começa a chorar de novo, sou chorona… Me lembra a infância, o que ele passou, o que ele enfrentou para estar onde ele está. Porque às vezes o pessoal fala que vida de jogador é fácil, mas não é. Ele lutou e sofreu muito para estar onde está hoje – diz Luci.

– Se depender dele, ele não sai de lá tão cedo – afirma Itamar.

Luciano, do São Paulo, e sua mãe, Luci — Foto: Eduardo Rodrigues

Luciano, do São Paulo, e sua mãe, Luci — Foto: Eduardo Rodrigues

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