UOL
Tales Torraga
O São Paulo está em Córdoba (Argentina), onde amanhã (1º) encara o Independiente del Valle-EQU em uma nova final de Copa Sul-Americana depois de dez anos. A primeira participação do clube em uma decisão do tipo foi em 1994, quando a competição se chamava Copa Conmebol. O São Paulo faturou o título, batendo o Peñarol na decisão. Em 2012, já batizada como Copa Sul-Americana, o Tricolor ficou de novo com a taça, em decisão das mais tumultuadas.
‘Uma farsa’ A final da Copa Sul-Americana de 2012 foi contra o Tigre, da Argentina. A primeira partida, na Bombonera, terminou 0 a 0. E a segunda, no Morumbi lotado, foi interrompida após uma briga entre os jogadores argentinos com os atletas e seguranças do São Paulo. O Tricolor vencia por 2 a 0 quando o Tigre se recusou a voltar e jogar o segundo tempo. Os argentinos alegavam que foram agredidos e ameaçados pelos seguranças do clube. O São Paulo foi declarado campeão do torneio.
No dia 13 de dezembro daquele ano, o UOL Esporte informou que durante o depoimento à polícia, os jogadores argentinos do Tigre recuaram e não registraram na ocorrência a suposta ameaça com armas de fogo que teriam sofrido dentro do vestiário. “Aquilo é uma farsa e todos nós sabemos disso”, disse Juvenal Juvêncio, então presidente do São Paulo. “Começou no campo, com 67 mil torcedores que estavam lá. Eles não são malucos de reafirmarem isso. Não existe isso de armamento. Todos viram o que aconteceu. Não tem o que eles alegarem. Tem que achar outra desculpa, pois essa não deu certo.”
”Eles não iam aguentar e preferiram fazer catimba, isso ficou claro.” A simulação comprovada de Roberto Rojas, o goleiro chileno que fingiu ter sido atingido por um rojão no duelo Brasil x Chile, no Maracanã, em 1989, foi lembrada pelo São Paulo ao julgar os relatos dos jogadores do Tigre sobre a violência sofrida no Morumbi. O caso com Rojas teve o mesmo desfecho da final da Sul-Americana, com o duelo sendo interrompido antes do fim. “Eu acho que o que aconteceu foi algo parecido com um caso que não sei se vocês se lembram, do Rojas, que simulou ter sido atingido por um rojão. É a mesma cena”, disse o assessor da presidência do São Paulo, José Francisco Mansur.
O advogado do clube, Gustavo Francez, disse que “os argentinos não eram malucos de levar essa versão adiante. Não tinha o menor cabimento”. Segundo a polícia, dos cinco jogadores do Tigre que compareceram à delegacia para prestar queixa, apenas dois foram ouvidos. Os argentinos pediram autorização para ir embora, senão perderiam o voo que os levaria para casa na manhã seguinte, e foram dispensados.
‘Queríamos jogar’ Técnico do Tigre, rival daquela decisão, Néstor “Pipo” Gorosito deu uma entrevista em maio de 2021 ao canal da TV argentina TyC Sports relembrando os bastidores da briga que interrompeu a final. E surpreendeu: disse que a equipe queria jogar o segundo tempo no Morumbi, mas foi impedida pelo cônsul da Argentina, Agustín Molina. “Falaram que eu era culpado, que eu disse que não poderiam jogar, mas não tem nada a ver”, afirmou. “Um capataz vai dizer que uma fábrica vai fechar? Foi o cônsul que determinou.”
“Foi uma loucura, fizeram nossa vida impossível. O treinador deles [Ney Franco] foi um idiota, falou que havia sido maltratado aqui na Argentina. Mentira, na Argentina nem te dão bola. Ele começou a plantar discórdia e bagunça, aí chegamos a São Paulo e não nos deram campo para treinar. Nos mandaram treinar duas horas onde estávamos, não deixaram a gente se aquecer no gramado do Morumbi.”
O técnico ofereceu uma avaliação surpreendente daquele São Paulo que contava com o fim da carreira de Rogério Ceni e o começo de Lucas, hoje no Tottenham. “Eles tinham um timaço. Depois do Raí, era o melhor time do São Paulo. Você precisa ter sorte também. Capaz de encontrar uns tontos de merda na final e acabar sendo campeão.” Sobre a briga no vestiário que paralisou aquela decisão, Gorosito relembrou:
“Armou-se uma confusão no campo e se separaram, e quando chegamos ao vestiário os seguranças estavam batendo em dois jogadores nossos que estavam entrando. Aí entramos e brigaram todos. Impressionante. Os [seguranças] gordos, grandões, musculosos, começaram a se cansar e os nossos meninos foram para cima, e isso porque faltavam uns caras nossos que também eram grandes. Até que começaram a nos acertar com os cassetetes, sacaram um revólver, bateram no peito de um jogador nosso. O representante da Conmebol e o árbitro estavam aí, a cinco metros.”
“O cônsul não nos deixou jogar porque perguntou quais eram as garantias de que isso não aconteceria de novo, e a Conmebol e o árbitro disseram que as garantias eram as mesmas dadas até ali.” “De outro time, não tirariam a medalha. De um Boca, River, San Lorenzo? [Julio, presidente da AFA] Grondona não deixaria tirar a medalha. Mas com a gente e outros times que entre aspas são menores, sim.”
‘Foi tudo normal’ A coluna ouviu no ano passado o técnico Ney Franco para conhecer suas opiniões sobre as críticas de Gorosito. Ney respondeu: “São comentários que surpreendem. Não sei de onde ele tirou esta informação, ele está enganado. Vocês sabem como sou, não tenho perfil para isso”, disse ele, sobre Gorosito apontar uma animosidade “fabricada” para a partida de volta.
“Não me recordo de ter sido mal recebido lá na Argentina não. Foi tudo normal. Na véspera, fizemos um treino na Bombonera, reconhecemos o gramado, o time deles também estava lá, na mais absoluta normalidade”, afirmou Ney Franco, que rejeitou qualquer polêmica sobre a final de 2012. “Eu e a comissão técnica estávamos preparando a equipe antes do jogo e no intervalo, como de costume, depois da partida soubemos que os jogadores do Tigre tiveram problemas para entrar no gramado e aquecer, mas nada relacionado a nós”, finalizou o treinador, cujo último trabalho foi concluído em agosto do ano passado no CSA.
‘Nunca vivi nada assim’ Javier García, hoje goleiro reserva do Boca Juniors, era suplente também naquele time do Tigre. Em 2016, ao blog “Patadas y Gambetas”, do UOL, ele deu o seguinte depoimento sobre o que aconteceu ao descer ao vestiário do Morumbi: “Foi algo que não vivi nunca. Que tenha dez gorilões dentro do vestiário que começam a te bater do nada, nunca vivi”, disse. “A briga que ocorreu no campo foi algo entre os jogadores. No vestiário, depois, gente de segurança que era ex-barra brava [torcida organizada] veio para cima.”
“Saímos do campo normalmente e, onde entramos, xingaram e bateram. Aí começou uma batalha de uns dez minutos na salinha do vestiário. Todos contra todos. Jogaram extintor de incêndio e madeira, brigamos muito, tudo tinha sangue.” “O que a gente mais estranhou, e hoje dói ainda mais, é que estava a Conmebol ali. Hoje dói mais pelo que houve com River e Boca, as sanções que tomaram [pelo episódio da ‘Noite do Gás Pimenta, na Libertadores de 2015].”
”A única diferença que houve entre a gente e o River é que acertaram a gente na entrada do vestiário. E o River, na saída. O River ficou mais exposto, enquanto tudo o que aconteceu com a gente ficou na parte de dentro.” “O pessoal da Conmebol nos dizia: ‘tranquilo, o jogo vai seguir’, e parentes nossos nas tribunas estavam sofrendo também, pensávamos que tinha garantia, o árbitro veio e tirou foto do sangue que havia no vestiário, a gente estava sangrando.”
“Quando a gente era maioria contra esses dez ou 15 deles, a polícia desceu o cassetete. Me acertaram com o escudo e começamos a voltar.” “Sacaram um ferro, a mim me sacaram um revólver.” Bateram com ele no seu peito? (Balança a cabeça, respondendo que sim). ”Não houve constatação de ninguém armado de ambas as partes”, disse o Major Gonzaga, chefe da operação da Polícia Militar para apartar a confusão no vestiário em 2012. ”Se tivesse sido constatado, com certeza essa pessoa teria sido presa. Não sei de onde eles tiraram essa informação.”
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