Coordenador de futebol do São Paulo, Muricy Ramalho tenta ajudar o técnico Rogério Ceni neste momento de crise causado pela eliminação para o Água Santa no Campeonato Paulista e a discussão com o atacante Marcos Paulo, que levou boa parte do elenco a se virar contra o ídolo do clube.
Muricy defende Ceni e lembra que foi campeão enquanto treinador com elencos de problemas semelhantes de relacionamento.
O Rogério trabalha muito, o momento não é bom e quando a bola não entra as coisas se acentuam. O dia a dia do futebol tem muita divergência, muita discussão, muito nervosismo quando as pessoas querem ganhar e as coisas não funcionam. Eu já fui campeão em elencos cheios de problemas, mas no campo as coisas funcionavam. O São Paulo vive um momento ruim, mas não é uma crise como pintam. O ambiente é normal de um clube de futebol, com altos e baixos, alguns que são amigos e outros não. Mas todos querem vencer e a gente trabalha para deixar tudo mais harmonioso possível”.
Muricy, em entrevista exclusiva ao UOL.
Muricy também falou sobre sua atuação “silenciosa” no dia a dia do São Paulo, os problemas financeiros do clube e como faz para que sua experiência como treinador não atrapalhe Rogério Ceni. “Eu trabalho muito, só que eu não apareço, né? Aí pode parecer que não sou importante”.
Veja a entrevista com Muricy Ramalho na íntegra:
Muricy, como é a sua rotina no São Paulo?
Meu trabalho hoje é mais difícil do que era quando treinador. Eu chego às 8h e saio às 18h ou 19h. Não vou aos jogos fora de São Paulo, mas ao mesmo tempo não tenho férias. Nas férias dos jogadores é justamente quando mais trabalho. Eu não apareço muito, mas trabalho demais. Só na contratação do Crespo foram 10 lives comigo. Eu ajudo nisso de contratar técnico e jogador, sempre vemos vídeos de possíveis reforços, lido com ambiente, vestiário, departamento médico, psicologia, integração com a base, vou até a Cotia com frequência… Falo com jogadores que estão aborrecidos, todo dia tenho conversas individuais com atletas ou com comissão e diretoria.
Qual a sua maior dificuldade atualmente?
A situação financeira do São Paulo é muito difícil. A gente não pode competir por grandes reforços ou pagar grandes salários, então temos que ter o máximo de união possível. Trabalhar muito, ter criatividade, revelar da base. Temos que criar alternativas para conquistar mesmo nesse momento difícil.
Você era muito acostumado a conquistar…
Eu falo sobre conquistar todo dia com eles. Eu conquistei como jogador e como técnico. Como técnico eu poderia ver meu elenco pior, não ter tanta grana, mas eu sempre falava em vencer. Não estamos ganhando agora, mas temos que buscar ganhar, dar tudo de nós, que as coisas vão acontecer. Ninguém esperava um tricampeonato brasileiro. Quando ganharmos um título, ganharemos outros. O mais importante é dar nosso melhor todo dia, querer ganhar, confiar em si mesmo.
O Rogério Ceni tem lidado com alguns problemas de relacionamento. Como está o ambiente e como é a sua relação com ele?
Eu conheço o Rogério há muito tempo. Convivemos por anos enquanto ele era jogador e eu técnico, depois foi cada um para um lado e nos reencontramos. Sei como ele é, conheço a personalidade. Sei que é muito trabalhador e competente. Ele quer muito vencer, se cobra ao máximo. Falei com ele por 40 minutos depois da derrota na final da Sul-Americana. Só eu e ele. Falei que dói, mas que passa, que serve de aprendizado. Ele sabe que pode contar comigo, mas aqui eu sou um coordenador, não sou um ex-técnico. Não quero atrapalhar, dar pitaco. Uma opinião minha pode gerar problemas. Então tenho muito cuidado na hora de falar e agir para eu ser um auxílio, não um problema.
Como você lidou com a situação do Marcos Paulo?
O treinador está sempre de cabeça quente. Eu sei muito bem disso, troquei de função justamente para proteger a minha saúde. O técnico sofre muita pressão, tem muitas decisões difíceis para tomar, tem que lidar com muitas pessoas. É normal o nervosismo. Só que durante a carreira a gente aprende a hora de cobrar, a hora de acalmar, a hora de ser mais explosivo. Trabalhei com o Telê Santana e ele era muito explosivo, eu era mais nervoso e o Tata me ajudava. O Rogério trabalha muito, o momento não é bom e quando a bola não entra as coisas se acentuam. O dia a dia do futebol tem muita divergência, muita discussão, muito nervosismo quando as pessoas querem ganhar e as coisas não funcionam. Eu já fui campeão em elencos cheios de problemas, mas no campo as coisas funcionavam. O São Paulo vive um momento ruim, mas não é uma crise como pintam. O ambiente é normal de um clube de futebol, com altos e baixos, alguns que são amigos e outros não. Mas todos querem vencer e a gente trabalha para deixar tudo mais harmonioso possível.
Os jogadores pediram a saída do Ceni?
Não sei, não é assunto meu. Mas sei que estou aqui para ajudar ele e a todos. Hoje mesmo fizemos uma longa reunião para definir planejamento de treinos, falar sobre reforços, avaliarmos o que fizemos e o que temos que fazer.
Várias pessoas no clube dizem que você não faz nada. Sua rotina mudou recentemente?
Queria eu não fazer nada… Se eu quisesse fazer nada, poderia me aposentar e ficar na praia em Riviera. Ter uma rotina mais tranquila como comentarista no SporTV entrando ao vivo da minha varanda. Recebi muitos convites, o Tite foi até a minha casa me chamar para trabalhar com eles na Copa do Mundo, tive outras propostas, mas fiquei no São Paulo porque o São Paulo é a minha vida, é a minha paixão. Por causa da saúde não sou mais técnico, mas ainda tenho essa paixão e sei que posso ajudar, sei que sou importante. Eu trabalho muito, só que eu não apareço, né? Aí pode parecer que não sou importante.
Por que não aparece?
É o meu jeito, eu não gosto de falar. Não falo quando está ruim e muito menos quando está bom. Quando eu era treinador, aparecia, era a minha hora de falar. De cobrar, de ser cobrado, de receber os frutos e também as críticas. Hoje é diferente. Estou nos bastidores, numa nova função, e não tenho que aparecer, apresentar jogador, dar entrevista toda hora. É o meu jeito, é como acho que tem que ser, e talvez isso dê uma impressão errada. Eu digo que trabalho mais do que trabalhava como técnico, minha família sabe disso. Um trabalho que às vezes não é visto, ir lá na psicologia, na base, no departamento médico, conversar no reservado… Eu não paro. Só descanso um pouco quando o time viaja e olhe lá, porque vou para o treino dos não relacionados, assisto, fico atento. É uma rotina cheia e um trabalho difícil.