Assistimos a um culto de três horas que exibe outro lado do jogador, ainda em busca de espaço no Tricolor; ele prende atenção de fiéis, fala com firmeza, mostra energia e sai exausto
Globo Esporte
Por três horas, André Anderson troca o uniforme tricolor por calça social preta e camisa branca, discreta. A chuteira é substituída por sapatos. O toque na bola dá lugar à Bíblia, ao discurso em voz firme e à cantoria de um louvor a Deus. Ali, numa acanhada igreja evangélica de Santos, litoral paulista, André não é o meia do São Paulo. É o pastor André Anderson.
Aos 23 anos, o jogador cultiva esse lado de fé desde cedo. Quando jogava na Lazio, da Itália, já mostrava em vídeos suas pregações. Agora, no Brasil, ocupa parte do tempo fora dos gramados em um espaço simples para no máximo 100 pessoas, no bairro do Embaré, bem próximo ao porto de Santos. Região movimentada, onde uma pequena porta de aço azul com a placa “Assembleia de Deus” no topo mal é notada.
A religião é onde o jogador se apega em um momento difícil na carreira. Por conta de uma pubalgia, André Anderson se limita a atividades na fisioterapia do São Paulo. O meia, que possui contrato de empréstimo com o clube até fim de junho, não atua desde novembro e dificilmente terá novas chances.
Foi depois de uma terça-feira de trabalho no CT da Barra Funda que o meia desceu a Serra do Mar para replicar a palavra de fé para 20 pessoas, incluindo dois repórteres do ge que testemunharam a outra face de um atleta que divide sua rotina entre o futebol e a Bíblia.
Espaço de fé
O relógio marcava 18h30 quando um carro do tipo SUV, avaliado em cerca de R$ 400 mil, parou no meio de uma pequena avenida próxima ao porto de Santos para um homem descer. Era André Anderson, jogador do São Paulo, que saiu do veículo para adentrar o portão azul simples.
A temperatura amena do ar-condicionado do carro contrastava com o abafado início de noite no litoral paulista. Poucos passos separavam André Anderson do ambiente onde dividiu a palavra religiosa com os fiéis.
Uma pequena porta no lado esquerdo do portão dava acesso a uma sala, também pequena, que antecedia o espaço de fé. A reportagem entrou segundos depois de André Anderson, que, assim como em uma partida, se “aqueceu” antes de pregar.
Ajoelhado e de costas para os fiéis, o meia do São Paulo se concentrava antes de se comunicar. Foram alguns minutos particulares antes de assumir o microfone e falar por cerca de 20 minutos.
Uma palavra para descrever André Anderson sobre o púlpito é intensidade. O meia se movimentava e falava de maneira firme, enquanto os fiéis, como a própria esposa do jogador, o acompanhavam com gritos de “aleluia” e “glória”, referendando o discurso citado.
Ele escolheu João, capítulo 3, versículo 16, como texto inspirador para a sessão de adoração no salão da igreja. O azul das paredes servia de cenário para minutos de um discurso inspirado.
– Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu seu Filho Unigênito para todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha vida eterna (aleluia) – repetiu mais de uma vez o meia são-paulino.
É provável que muitos não sabiam que ali pregava um jogador de futebol que atualmente representa um gigante do país. Gente humilde, que chegou à igreja em motos ou bicicletas, e testemunhava a pregação de um homem que, naquele momento, era mais um deles.
O salão azul possuía cadeiras típicas de sala de espera, devidamente personalizadas com o logo da igreja. O púlpito era cercado por mais algumas ocupadas por outros pastores e autoridades religiosas. No fundo, um telão apresentava montagens simples, antes de servir de cenário para o segundo momento de atuação do meia.
As luzes se apagaram ao mesmo tempo em que um colega de André Anderson abriu a busca no Youtube para encontrar uma música. Como em um karaokê, a letra apareceu maximizada para toda a igreja repetir. Diante do conhecimento dos presentes, que cantavam de olhos fechados, nem era necessário.
André Anderson acompanhou, estrofe por estrofe, como um cantor de louvor, enquanto repetia palavras encorajadoras para os fiéis que o acompanhavam. Foram duas músicas seguidas pelo jogador, a mulher e colegas de igreja. As melodias fecharam a participação dele, primeiro pastor a pregar em uma sessão que duraria mais de três horas, chamada “Encontro de Profetas”.
Àquela altura, já com completo domínio da cena, André chamou uma mulher que estava no público, perguntou seu nome e lhe passou a palavra.
Os minutos intensos cobraram o preço: André Anderson, exausto, sentou-se em uma cadeira e lá ficou, assistindo ao discurso da colega. Tomou uma água e, dali em diante, virou espectador, ajudante e mais um fiel. Às 19h, a igreja já estava mais cheia. A noite terminaria com 50 pessoas assistindo ao culto.
Bar fecha antes da igreja
Naquela terça-feira, o apóstolo José Filho, quem gentilmente cumprimentou os repórteres depois do evento, chegou para profetizar a palavra religiosa depois de um período de jejum. É ele o líder da acanhada igreja de Santos.
O meia são-paulino acompanhou de perto o discurso e tratou de muitas vezes realizar um papel de auxiliar durante a cerimônia. André Anderson passou a incentivar a fala do apóstolo, principal autoridade presente naquele dia.
André aparece em vários vídeos publicados por José Filho nas redes sociais. Em um deles, o apóstolo diz que eles e um grupo de fiéis passaram a madrugada em oração em um monte, no Guarujá.
Nem quando a cerimônia terminou, depois das 22h, André Anderson saiu do espaço ao qual dedica parte dos seus dias.
Rodas de oração e trocas de ideias entre pastores perduraram por mais de 30 minutos. Ao mesmo tempo, os simples fiéis comiam um lanche na pequena sala enquanto aguardavam carros de aplicativos ou ônibus, já que havia um ponto localizado diante da igreja.
Até o bar localizado do outro lado do canal, na esquina, fechou antes de jogador e irmãos deixarem o local. Assim como a academia de artes marciais vizinha e o comércio de venda de materiais recicláveis, muitos deles oriundos de catadores que passam o dia recolhendo objetos no porto.
“A casa estará sempre aberta”
Passava das 22h quando André Anderson, enfim, deixou a igreja ao lado da esposa e dos outros pastores que participaram do “Encontro de Profetas”. Já não havia quase ninguém na rua, exceção feita a uma mulher esperando carona e aos dois repórteres.
Ao lado de um ponto de ônibus, a reportagem abordou o jogador e explicou os motivos da visita à igreja, diante do bucólico cenário do porto.
André, antes de tudo, agradeceu pela visita com um aperto de mão firme, ouviu atentamente e mostrou certa surpresa. Questionou, também, se os repórteres são cristãos. E disse que subiria a serra na sequência, rumo a São Paulo, já que no dia seguinte seguiria sua rotina de tratamento da pubalgia no CT da Barra Funda.
Do rápido diálogo saíram uma foto e um recado. Ao posar com a esposa no portão da igreja, André Anderson olhou nos olhos dos jornalistas, estendeu novamente a mão e profetizou a última palavra do dia.
– Voltem quando quiserem! A casa estará sempre aberta para vocês, irmãos.