Hoje no Sport, rival do Tricolor na Copa do Brasil, goleiro abre o jogo sobre os nove anos no clube paulista, lembra peso de substituir Rogério Ceni e diz que não faria nada diferente
O olhar fixo, as palavras bem colocadas e a consciência de tudo que passou no futebol mostram um goleiro Denis maduro – e que jamais guardou qualquer mágoa pelas fortes críticas que sofreu nos nove anos em que defendeu o São Paulo.
Aos 36 anos, seis depois de deixar o Tricolor, Denis reencontrará o ex-clube pela primeira vez nesta quarta-feira, às 20h (de Brasília), pela Copa do Brasil, ainda que não possa entrar em campo. Uma grave lesão no joelho impede o goleiro, hoje no Sport, de jogar – mas não o fará deixar de ir à Ilha do Retiro para rever antigos companheiros.
Apesar de ter vivido momentos conturbados com a camisa do São Paulo, Denis guarda carinho e sabe reconhecer a importância que o clube teve em sua vida. No entanto, para ter essa atual postura e entendimento, o jogador passou por momentos delicados.
– Tive dias de ficar muito triste, muito abalado, de colocar em dúvida o meu próprio profissionalismo, minha capacidade, colocar em dúvida o que decidi fazer na vida. De pensar: “Pô, será que o que estão falando é isso mesmo?”. Mas aí eu parava para pensar que não era isso. Não é possível que eu enganava por tanto tempo, jogando tanto tempo. Eu sofri sim em um período, e isso me ajudou a amadurecer e ter a cabeça que tenho hoje – afirmou Denis, em entrevista ao ge.
Se pudesse voltar no tempo, Denis afirma que não faria nada diferente pelo Tricolor. Segundo ele, algumas críticas foram exageradas por ter sido o primeiro goleiro com o peso de substituir Rogério Ceni, ídolo que se aposentou em 2015. O tempo mostrou que algumas “porradas” o prejudicaram.
– Nessa época eu falei que não assistiria mais TV, eu não debatia com mais ninguém. Eu sabia que não era tão ruim e o lixo que falavam, mas também não era o melhor goleiro do mundo. Isso era fato. Eu estava procurando meu espaço.
– Depois (que saí) consegui jogar bem, ficar bem. Joguei no Figueirense, fui campeão jogando como titular. Fui para Portugal (Gil Vicente) e fiz duas excelentes temporadas, fui melhor goleiro do Campeonato Português jogando por um clube pequeno, o que é muito difícil. Então, depois, olhando para a minha carreira, o que aconteceu pós-São Paulo foi muito bom – analisou.
Em um papo de cerca de 30 minutos, Denis abriu o jogo sobre o período em que esteve no São Paulo (entre 2009 e 2017) e fez um balanço de sua carreira. Ele se vê realizado e espera atuar por pelo menos mais seis anos.
Confira a entrevista na íntegra:
ge – Qual a expectativa para esse reencontro com o São Paulo? Ainda tem muitos membros do clube que estavam na sua época e seguem lá…
Denis: – Pois é… Seis anos depois eu vou reencontrar o São Paulo com o Dorival como treinador novamente. Mas com certeza tenho vários amigos, não só de jogadores, de comissão, como também todo o staff do São Paulo. Eu fiquei por nove temporadas lá, é muito tempo. Provavelmente toda a delegação, fora os jogadores, eu devo conhecer todo mundo. E tenho um carinho por todo mundo. Foram vários anos convivendo diariamente.
– Infelizmente não vou poder estar dentro de campo, não vou poder ajudar o Sport por causa da lesão, mas estarei no estádio torcendo pelos meus companheiros.
Quando o São Paulo fez 92 anos, você publicou uma arte nas redes sociais expressando gratidão. Mas, por conta das críticas que recebeu, ficou alguma mágoa?
– Eu falo que a gente não pode guardar mágoa de ninguém. Do clube, eu não guardo mágoa nenhuma, foi um clube que só me fez crescer na vida, tanto como atleta quanto como profissional e pessoa. Só tenho a agradecer. Todo mundo sabe do carinho que eu tenho, as pessoas mais próximas que convivem comigo sabem do carinho que tenho, mas mágoa de sair não. São ciclos que terminam, né?! Às vezes terminam muito bem, às vezes não como todo mundo deseja ou como eu esperava que fosse. Mas eu tive um começo, meio e fim no São Paulo.
– Foram nove temporadas, 173 jogos por um grande clube do Brasil. O carinho é muito grande. Como eu falo, o ciclo no terminou seis anos atrás, hoje eu vou estar contra o São Paulo, defendendo o Sport. Acima do carinho, do respeito que tenho, pela entidade, clube, torcida, tudo, vem o lado profissional. Hoje com certeza vou estar defendendo as cores do Sport e torcendo pelo bom resultado.
Denis defendeu o São Paulo entre 2009 e 2017 — Foto: Marcos Riboli
Se pudesse voltar no tempo, mudaria alguma coisa na sua passagem no São Paulo?
– Seis anos após minha saída de lá, hoje em dia é muito mais enfatizado essa coisa da rede social, de você ser perseguido, de todo mundo te excluir, ser cancelado, as pessoas só te criticarem… Hoje isso está muito em evidência, até por alguns comentaristas que passam do limite das críticas. Eu sofri lá atrás, onde ainda não existia muito isso. Mas eu não mudaria nada, não. Tudo que eu fiz dentro do clube, nos jogos, procurei fazer meu melhor, sempre procurei me preparar o melhor possível. Meu ciclo lá acabou, tenho um carinho muito grande, mas mágoa do clube de maneira alguma.
Se fosse na época das redes sociais, você acha que seria pior?
– Eu acho que eu sofreria menos hoje. Falo isso porque hoje em dia as pessoas se escondem atrás das redes sociais. Não sei se menos ou igual, porque não consigo ter um parâmetro. Eu sofri muito, fiquei praticamente um ano, um ano e meio sem assistir a programa esportivo, porque não conseguia ver. Não via minha rede social. Na época peguei uma assessoria de imprensa, que trabalha comigo até hoje. Eu não participo, não olho. Tudo que eles postam passa por mim, eu tenho que autorizar. Mas não sou de olhar o dia todo, curtidas, comentários. Eu perdi isso lá atrás.
– Eu não assistia a programas esportivos porque eu não concordava com algumas críticas. Claro que tem a crítica construtiva, que tem coisas que preciso melhorar sim. O atleta quando acha que está tudo certo perde o sentido. Na época houve críticas que eu achava exageradas. Parei com internet, de ver TV… Eu não ia dar audiência para coisas que eu não concordo. Me blindei por conta própria e só foquei em treinar e fazer meu melhor jogo. Meu último ano e meio (no São Paulo) foi baseado nisso.
Algum comentário em específico?
– Eu falo de comentaristas porque passei por isso. Às vezes o torcedor não conseguia assistir a um jogo e ele assistia ao programa no dia seguinte e vinha me criticar pelo que o comentarista tinha falado. Eu perguntava: “Você assistiu ao jogo?”. E ele falava que não. Eu dizia que ele estava se deixando levar por uma pessoa. Pega o jogo, assiste, faz suas análises, compara com a dele e critica depois. Nessa época eu falei que não assistiria mais TV, não debatia com mais ninguém.
– Eu sabia que eu não era tão ruim e o lixo que me falavam, mas também não era o melhor goleiro do mundo. Isso era fato. Eu estava procurando meu espaço. Depois consegui jogar bem, ficar bem. Saí, joguei no Figueirense, fui campeão jogando, titular. Fui para Portugal (Gil Vicente) e fiz duas excelentes temporadas, fui melhor goleiro do Campeonato Português jogando por um clube pequeno, o que é muito difícil. Então, depois eu olhando para a minha carreira, o que aconteceu pós-São Paulo foi muito bom.
Diante disso tudo que viveu, você considera ter uma carreira de sucesso?
– Hoje eu sou feliz. Eu saí de casa com 13 anos com o sonho de ser jogador profissional e jogar em um clube grande. Jogar os maiores campeonatos que existem tanto no Brasil quanto fora. E eu consegui. Joguei Libertadores, que é o sonho de todo jogador que atua no Brasil, cheguei em uma semifinal com o São Paulo em 2016. Joguei Copa do Brasil, Paulistão, Brasileirão várias vezes, Catarinense, agora o Pernambucano e jogar na Europa, que é o sonho de todo jogador.
– O Campeonato Português para mim é excelente, muito gostoso de jogar, competitivo. Tive a oportunidade de jogar a Conference League, um campeonato europeu entre os clubes, já pelo time da Grécia. Eu cheguei a lugares em que é difícil chegar. Sou feliz com a carreira que eu tenho e com a carreira que vou construir ainda até o final. Eu falo que goleiro hoje consegue ter longevidade, e espero jogar por muito tempo.
Você demonstra uma boa maturidade e é consciente de tudo que passou na carreira e a forma com que enfrentou as críticas. Você faz algum trabalho mental?
– A gente tinha uma acompanhamento psicológico no São Paulo, tem até hoje a Anahi, uma excelente profissional que me ajudou muito na época. Depois, em todos os clubes pelos quais passei, tinha. Acho que a maturidade também ajuda. Os anos foram passando, fui ficando mais experiente, fiquei mais rodado, joguei mais, experiências novas, com mudanças de clubes, de países, com família, então você tem que ir amadurecendo muito.
– Aqui no Sport tem um estafe muito grande, a psicóloga Rosângela, e tudo que a gente precisa pode sentar e conversar com ela. E acho que essa ajuda é muito válida, e isso teria que começar desde a base. Acredito que essa ajuda profissional tem que vir desde lá. Eu amadureci muito tomando as porradas da vida. Eu amadureci muito com as críticas, o passar dos anos, com a bagagem de jogar, ser criticado, elogiado, de mudar de clube, começar tudo de novo. Hoje eu falo que sou uma pessoa muito mais madura profissionalmente como pessoa. Hoje eu consigo olhar e ser mais centrado.
A pressão e as críticas no São Paulo fizeram pensar em desistir alguma vez?
– Desistir acredito que não. Claro que tiveram dias de eu ficar muito triste, muito abalado, de colocar em dúvida o meu próprio profissionalismo, colocar em dúvida o que decidi fazer na vida. De pensar: “Pô, será que o que estão falando é isso mesmo?”. Mas aí eu parava para pensar que não era isso. Não é possível que eu enganava por tanto tempo, jogando tanto tempo. Eu sofri sim em um período, e isso me ajudou a amadurecer e ter a cabeça que tenho hoje.
A mudança para a Europa ajudou a perceber como o ambiente de pressão te prejudicava?
– Toda mudança é válida. Você tem que entender todos os momentos da sua vida, momentos da carreira. Os ciclos começam, têm um meio e eles têm que terminar. Chega uma hora que seu ciclo tem que acabar nos lugares, principalmente no futebol. É muito difícil você ver hoje um atleta que começa em um clube e termina no mesmo clube. Eu achava que o Fábio ia terminar a carreira dele no Cruzeiro, e hoje ele teve que sair, recomeçar, ir para um clube novo, cidade nova, totalmente diferente, e está despontando. Jogando como sempre jogou. Está ajudando seu clube, fazendo ótimas partidas e com 41 anos.
– Eu, quando saí e comecei a jogar mesmo em outros clubes, me ajudou muito. Eu saio do São Paulo e já vou para o Figueirense como titular, e no primeiro semestre já fomos campeões catarinenses. Isso me ajudou muito. Depois teve uma Série B, então fui me despontando. No meio do ano eu recebi a proposta de Portugal e fui para lá. Aí fiz minha primeira temporada e já fui o melhor goleiro do campeonato todo. Você vê que todo trabalho, esforço e dedicação valeram a pena.
Ali você parou de duvidar do seu profissionalismo?
– Acho que até antes. Porque é difícil você duvidar e conseguir dar sequência. Eu tive poucas vezes em que duvidei do meu potencial e trabalho, porque eu falava: “Saí de casa com 13 anos, fui para a Ponte Preta, não cheguei no profissional à toa, não cheguei num grande clube à toa. Não fiquei nove temporadas em um grande clube à toa”. Eu não tinha motivo para duvidar. Ninguém me colocou ali, eu cheguei por méritos, então essa dúvida não ficou muito na minha cabeça.
Você considera que teve azar no período de São Paulo? Isso porque você assume a condição de titular numa época em que o clube viveu seca de títulos, turbulência em diretorias…
– O clube, quando entrei e quando saí, se tornou totalmente diferente. Mas não digo que tive azar, acho que o clube até hoje passa por um momento muito delicado, porque fiquei em nove temporadas, e o clube que era em 2009, quando eu cheguei, até 2017, passou por muitas dificuldades. Passou por várias gestões, brigas políticas e isso, querendo ou não, afeta todo mundo. Hoje, o São Paulo está tentando se reestruturar, tentando chegar de novo. É um grande clube, mas que há muito tempo não consegue mais render e conquistar grandes títulos, que são importantes, como foi no começo dos anos 2000. Praticamente ganhava tudo.
E o Rogério Ceni? Era difícil trabalhar com ele?
– Nunca foi difícil trabalhar com ele. Ele sempre foi um grande companheiro, sempre me tratou bem, aprendi muito, foram sete anos como atleta, depois como treinador também. Um cara por quem tenho um carinho muito grande, cresci vendo ele jogar, uma das minhas inspirações, com Marcos, Dida e Taffarel, então para mim nunca foi difícil. A gente sempre conversou, trocou muita ideia, sempre demos muita risada juntos, então sempre passamos momentos muito bons.
Apesar de você dizer que não pretende parar de jogar tão cedo, tem planos para a aposentadoria dos gramados?
– Eu não penso em parar agora, mas penso em fazer alguns cursos mesmo jogando até o fim da carreira, mas não sei, não tenho uma coisa concreta. Eu quero estar preparado para oportunidades que surgirem. Eu falo que tenho mais seis ou sete anos debaixo do gol. A gente vê goleiros que se cuidam e chegam, e eu procuro me cuidar muito para chegar aos 42, 43, e continuar jogando. Quero fazer cursos de preparação de goleiro, como treinador, ver se consigo conciliar esses cursos que existem hoje. Até mesmo curso de gestão, para quando surgir a oportunidade estar apto.
Como está a recuperação pelo Sport, e qual foi o baque de ter atuado apenas uma vez e já se lesionar?
– Foi um baque mesmo, uma coisa que a gente sabe, nós atletas sabemos, que pode acontecer a qualquer momento, mas não do jeito que foi. Cheguei para ajudar na Série B do ano passado, joguei um jogo e na véspera do segundo rompi o ligamento cruzado do joelho. Já estou há oito meses tentando recuperar o melhor possível para fazer o melhor para o Sport.
E qual é a programação e expectativa de retornar e brigar novamente pela condição de titular?
– A briga de jogar é sempre sadia, é sempre bom o clube ter três goleiros e um puxar o outro, querer jogar. Isso melhora o treinamento, o dia a dia e isso será com o tempo. Estou me recuperando, cirurgia de joelho, que é delicada, mais complicada. Ainda sinto um pouco de dor. Tenho que ir devagar, conversando com os médicos para voltar sem correr o risco de machucar de novo.
Globo Esporte