Rodrigo Nestor deu um bico definitivo no Soberano

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Não existiu qualquer soberania no inédito título da Copa do Brasil. Ergueu o troféu um São Paulo que se acostumou a se exibir no limite de suas possibilidades

O último São Paulo superpoderoso no futebol brasileiro, em meados da década retrasada, teve na estabilidade a marca das conquistas, especialmente o tricampeonato brasileiro consecutivo, feito inalcançável sem um elenco repleto, estrutura invejável de preparação e recuperação médica e física, e contratações criteriosas e economicamente viáveis.

Ninguém era capaz de suportar tão bem a maratona de 38 rodadas espremidas num calendário insano e disputadas em gramados esburacados. A sucessão de voltas olímpicas estabeleceu a ideia de soberania, rapidamente transformada em acomodação e retrocesso.

O chute improvável de Rodrigo Nestor, no último domingo, foi um bico definitivo no Soberano. Improvável pela dificuldade de atingir a precisão naquele movimento e a quantidade de jogadores por quem a bola passou, caprichosamente, sem desvios, e não pela capacidade do meio-campista, jocosamente chamado de “chuta-fofo” por alguns detratores até outro dia – e para nunca mais.

Não existiu qualquer soberania no inédito título da Copa do Brasil, o que o torna ainda mais saboroso. Ergueu o troféu um São Paulo que se acostumou a se exibir no limite de suas possibilidades, característica adquirida ao longo dos últimos anos e lapidada por Dorival Júnior e sua notável habilidade de convencimento.

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Rodrigo Nestor comemorando gol do São Paulo contra o Flamengo – Final Copa do Brasil 2023 — Foto: Photo by Ricardo Moreira/Getty Images

A imagem dessa equipe é a de Calleri, centroavante que não precisa de gols para que enxerguem sua alma, alongando-se no gramado a cada instante em que a bola não estava em jogo, desafiando o esgotamento absoluto porque companheiros, adversários e torcedores veem um time mais forte quando ele está em campo, ainda que mal consiga andar.

Calleri não fez a cirurgia que precisa porque Erison, contratado quando ele estava ausente, e Galoppo, adaptado à função por Rogério Ceni quando o elenco carecia de centroavantes, também estão fora de combate. O São Paulo não consegue prevenir nem recuperar lesões com a eficiência de outros tempos – vide Igor Vinícius. Tampouco, é certeiro na busca de reforços – vide Jhegson Méndez e Alexandre Pato, nem sequer relacionados para a decisão.

Estabelecer as copas como prioridade é a confissão de um clube que se distanciou do equilíbrio e da competência necessários para encarar um Brasileiro no topo, mas gerou um ciclo de transmissão recíproca de energia com o torcedor, que, após um período de negação, compreende agora a relevância de seu canto, seja dentro do estádio, no lindíssimo corredor de luz rumo à Praça Roberto Gomes Pedrosa ou na porta do CT.

Ao colocar na mesma prateleira essa gente apaixonada e jogadores dispostos a se alimentar do amor, o São Paulo virou um time copeiro. Ao seguir à risca sua estratégia, com um pé na inspiração e outro na transpiração, foi superior a Palmeiras e Flamengo nos confrontos de uma campanha épica, que ainda teve o Corinthians entre as duas atuais potências do futebol nacional. Não poderia haver roteiro melhor.

Em meio a muitos problemas, as gestões recentes são virtuosas na escolha dos treinadores. Fernando Diniz, Hernán Crespo, Rogério Ceni e, agora, Dorival Júnior, jamais abriram mão do bom futebol. Ainda que nem sempre tenha sido possível praticá-lo, os estímulos e treinamentos forjaram, aos poucos, atletas corajosos, característica essencial aos vencedores.

O São Paulo campeão da Copa do Brasil esbanjou convicção de fazer nos jogos tudo aquilo que era planejado: a saída de bola com Rafinha e os zagueiros, o apoio de Caio, a atração da pressão adversária para gerar espaços que um time sem velocidade não consegue produzir de outras formas, a superioridade por dentro com Rodrigo Nestor, o ataque à profundidade com Wellington Rato, a movimentação do “10”, ainda que nem Luciano nem Lucas tenham se consagrado na função ao longo de suas carreiras.

Dorival, bicampeão, assina essa equipe na valorização da posse de bola e no descobrimento de Alisson como um segundo meio-campista, dinâmico e capaz de competir como nenhum outro do elenco naquele setor. Não existe fórmula para se jogar futebol. O que há é a necessidade de encontrar a melhor receita a se fazer com seus ingredientes. Na Copa do Brasil, o treinador, que dessa vez não receberá uma demissão como bicho pelo título, foi bem-sucedido.

Ser campeão sem ser soberano deveria representar uma ruptura para que o São Paulo reencontre a excelência e possa encarar uma temporada sem tantas lesões e atrasos em pagamentos, com o título brasileiro como meta principal. É o que se espera de um clube gigante. E nem mesmo quando conseguir, poderá abrir mão das facetas deste time campeão da Copa: concentrado, convicto e comprometido a trocar gotas de suor por sorrisos dos torcedores.

Globo Esporte