Times e entidade que comanda o futebol paulista querem usar Supercopa em MG para discutir medida em vigor desde 2016, mas promotoria se escora em números para manter recomendação
O duelo entre Palmeiras e São Paulo, domingo, em Belo Horizonte, pela Supercopa do Brasil, valerá mais do que o título que um dos clubes vai conquistar.
Espera-se que a partida seja a faísca para reacender o debate sobre a medida que recomenda a realização de clássicos em São Paulo apenas com torcedores do time mandante.
O Mineirão estará dividido, com torcedores alviverdes de um lado, tricolores de outro. Algo que não acontece em São Paulo desde 2016, quando episódios de violência em série levaram o poder público a impedir a presença de visitantes nos jogos entre Corinthians, Palmeiras, São Paulo e Santos – restrição despois estendida também a Guarani e Ponte Preta.
No último dia 19, como publicou o ge, a Federação Paulista de Futebol reuniu em sua sede líderes das maiores torcidas organizadas de Palmeiras e São Paulo. Discutiram o esquema de segurança da Supercopa em Minas Gerais, e os torcedores ouviram o recado: os cartolas esperam que seja um jogo sem confrontos, o que lhes daria um bom exemplo numa campanha contra a torcida única, um desejo da federação, dos clubes e das organizadas.
Esse plano, porém, esbarra na rigidez do Ministério Público paulista, que se escora em números para renovar, todo ano, a recomendação para que os clássicos sejam disputados sem a presença de adversários nas arquibancadas.
O ge conversou com membros da promotoria, e todos foram enfáticos: não há espaço para esse debate agora, nem num futuro próximo.
O receio persiste principalmente com relação ao deslocamento das torcidas em dias de clássico e com confrontos que possam surgir caso dois grupos rivais se encontrem.
Em 2018, dois anos após o início da restrição, o ge publicou dados colhidos pelo 2º Batalhão de Choque da Polícia Militar, responsável pela segurança de grandes eventos na capital, que apontavam queda nos principais índices analisados.
Nos 44 clássicos anteriores à medida, a polícia militar empregou 14.178 policiais na segurança, mais do que os 10.042 dos 44 clássicos disputados na sequência. O público cresceu 33%: passou de 1.073.838 pagantes para 1.425.779.
Foi percebida também uma diminuição no efetivo policial deslocado para os jogos: antes havia um policial para cada 75 torcedores. Depois, esse número passou a ser de um policial para cada 142 torcedores, em média
O ge questionou um integrante do Ministério Público se há dados atualizados. A resposta foi de que os resultados são semelhantes, mas que se tratam de informações estratégicas que não poderiam ser divulgadas.
Recomendações anuais
Não há no estado uma lei que determine a realização de jogos com apenas uma das torcidas. Os casos de violência recorrentes fazem o Ministério Publico recomendar à Federação Paulista de Futebol, a cada início de temporada, que esses duelos aconteçam sem a presença de visitantes nas arquibancadas.
É a FPF que determina, portanto, a restrição a torcedores – que vale apenas nos estádios paulistas e, por isso, palmeirenses e são-paulinos poderão frequentar o Mineirão ao mesmo tempo no domingo.
A recomendação do MP não tem o poder de obrigar a federação a aceitá-la. A entidade esportiva acata, porém, para evitar o risco de ser responsabilizada por incidentes que venham a ocorrer nessas partidas.
A questão foi levada à Justiça ao menos uma vez, em 2015. Naquele ano, o MP recomendou que o clássico entre Palmeiras x Corinthians, o primeiro a ser disputado no Allianz Parque, fosse realizado só com os torcedores do time da casa.
A FPF chegou a aceitar a medida, mas o Corinthians foi aos tribunais e conseguiu uma liminar que permitia a venda de ingressos a seus torcedores. Corintianos puderam comemorar a vitória por 1 a 0 no setor de visitantes da arena na Pompeia. Mas houve brigas dentro e fora do estádio.
Essa demanda só teve uma sentença em 2019, três anos depois de a torcida única ter se tornado regra depois de outro Palmeiras x Corinthians, no Pacaembu, um domingo de 2016 em que uma pessoa morreu e várias outras se feriram em pelo menos três grandes confrontos em São Paulo antes e depois do jogo.
A decisão não avança sobre a restrição aos torcedores, mas sim sobre a validade da recomendação feita pela promotoria paulista – e afirma que não há excesso do Ministério Público em fazê-las. O Corinthians não recorreu.
Por enquanto, entre clubes e federação, não se discute a possibilidade de ignorar os pedidos do MP ou mesmo de judicializar a questão novamente.
O plano é recolocar o assunto em pauta. Houve tentativa semelhante no ano passado, quando São Paulo e Palmeiras anunciaram acordo em que emprestariam seus estádios um ao outro quando o Morumbi e o Allianz Parque estivessem indisponíveis. Num primeiro jogo, o Palmeiras recebeu o Santos na casa tricolor, sem incidentes.
Quatro dias depois, palmeirenses emboscaram corintianos numa das principais vias do centro de São Paulo. O confronto enterrou o assunto.
A promotoria paulista não tem dado sinais de que pode afrouxar suas posições.
Em 2022, a justiça aceitou um pedido feito pela Drade, a delegacia que investiga casos de violência no esporte em São Paulo, e liberou torcedores a levarem bandeiras com mastros aos estádios. O Ministério Público recorreu e conseguiu derrubar a decisão menos de um ano depois. A ação foi arquivada.
Globo Esporte