Chamado de “Blackenbauer” por torcedores, João Filipe, de 35 anos, deixou Tricolor de maneira inusitada, parou cedo e mudou de ramo: “Ganhei um dinheiro e consigo fazer minhas coisas”
João Filipe viveu uma carreira nada ortodoxa. Da ascensão rápida e comparação ao ídolo alemão Franz Beckenbauer nos tempos de São Paulo à aposentadoria precoce em virtude de um acidente de moto que interrompeu a carreira em 2017. Aos 35 anos, o defensor vive com o conforto adquirido nos tempos de jogador, especialmente no Tricolor, e mudou totalmente de ramo: hoje vende roupas e perfumes.
A passagem pelo São Paulo está entre as mais marcantes da carreira do defensor, que também atuou por Botafogo e Fluminense. Foi no Morumbis que veio o apelido “Blackenbauer”, nascido depois de bom início com a camisa do Tricolor e em alusão ao ex-zagueiro e técnico alemão Franz Beckenbauer, que morreu em janeiro de 2024. As lembranças até hoje estão na memória.
– Foi uma coisa diferente. Beckenbauer foi um dos maiores zagueiros da história e era demais ser comparado a ele. Comecei a estudar sobre a história dele, perguntei para o meu pai. Vi os lances e fiquei muito feliz pela comparação – comentou João Filipe, em conversa com o ge.
A comparação ao lendário jogador alemão veio depois de um início que João descreve como “avassalador”. Emprestado pelo Botafogo ao São Paulo em 2011, o zagueiro rapidamente conquistou espaço no time de Adilson Batista e convenceu o clube a comprá-lo.
Ao mesmo tempo em que ganhou espaço em campo, João Filipe viveu algumas das experiências mais marcantes da carreira. Dividir o vestiário com nomes como Luis Fabiano e Lucas está entre as memórias mais doces da trajetória como jogador, que terminou em 2017.
– Sinto mais saudades da resenha, da concentração, da vida que acontecia como atleta. Há um tempo falei com o Luis Fabiano, uma grande pessoa, grande amigo. Meu tempo de São Paulo era uma equipe boa, uma força absurda – relembra.
A passagem pelo São Paulo terminou de maneira frustrante, com a mesma velocidade da ascensão. Com a saída de Adilson Batista e a mudança no comando por Emerson Leão e posteriormente Ney Franco, João Filipe perdeu espaço até deixar o Morumbi em 2013.
O zagueiro acabou dispensado de uma maneira incomum ao lado de Cañete, Wallyson, Fabrício, Cortez, Luiz Eduardo e Henrique Miranda. Após a eliminação na Libertadores de 2013, o então presidente são-paulino Juvenal Juvêncio anunciou a saída do grupo em uma entrevista.
João Filipe relembra do caso e admite que foi pego de surpresa pela forma como o São Paulo lidou com tudo.
– Soube na entrevista. Na semana, a gente treinava normal e aí aconteceu isso. Reuniram a direção no dia e disseram que íamos treinar em Cotia. Ficamos treinando um tempo separado em Cotia, mas estava complicado. Apareceu o Náutico, o Avaí e acabei sendo emprestado – afirmou.
– Foi uma surpresa. Estava em momento legal, jogando no Estadual. Fui relacionado e fiquei de sobreaviso contra o Atlético-MG. Acho que quem tinha que sair era quem estava jogando. Foi de repente, botaram para treinarmos separados em Cotia e falaram que não iam me aproveitar. Na minha visão, as pessoas afastadas eram as menos culpadas – comentou.
Hoje, aos 35 anos, João Filipe mora no Rio de Janeiro depois de se aposentar em 2017, em virtude de um acidente de moto. O ocorrido e lembranças da carreira, o zagueiro contou em conversa exclusiva com a reportagem.
O que aconteceu para você parar tão cedo?
– Me aposentei porque tive um acidente em 2017 na minha comunidade, bairro Senador Camará. Era 8 de dezembro e estava indo para o Nagoya Grampus, do Japão, saindo do Atlético-GO. Tive um acidente de moto nas férias, fiz fisioterapia. Tive fratura, traumatismos e não consegui voltar a atuar profissionalmente. Tive déficit de força na perna esquerda.
E como tem sido a vida depois da aposentadoria?
– Estou bem e recuperado de tudo. Tive que aprender a fazer outras coisas, já que não consegui retornar. Estou investindo agora em um roupas e em uma loja de perfume. Estou dentro dessa luta aí. Tive uma carreira curta, profissionalmente de 2009 a 2017. Ganhei um dinheiro e consigo fazer as minhas coisas, tenho as minhas coisas, meus projetos, graças a Deus.
São Paulo foi o momento mais marcante da carreira?
– Teve também o acesso com o Avaí, em 2014. Vim do Botafogo, emprestado por três meses. Comecei bem e me contrataram depois da quarta ou quinta partida. Era um momento maravilhoso, conseguia sair bem com a bola, jogar de lateral. Tive momentos muito especiais. Foi um grande clube, talvez o maior e melhor da minha carreira.
E com quem você mantém contato ainda da época de São Paulo? Manteve amizades?
– Fazemos poucos amigos no futebol. São muitos colegas, mas poucos amigos. Mantenho contato com o Maicon, às vezes falo com o Cortez, que jogou comigo também no Botafogo, e com o Rodrigo Caio. Maicon é meu irmão, meu “paizão” no futebol, sempre me dando bons conselhos. Se for para ter um exemplo de amizade, esse exemplo é o Maicon.
Ao mesmo tempo em que houve a ascensão rápida, você acabou perdendo espaço e saiu de uma maneira pouco convencional, com a entrevista do Juvenal. Como foi esse período?
– Fui bem novo para o São Paulo, tinha uns 23 ou 24 anos. Aconteceram algumas coisas extracampo. Estava em um momento especial com o Adilson Batista, mas aí houve a troca de treinador. Entrou o Leão e continuei jogando, mas em 2012 virei o quinto ou sexto zagueiro, desandou um pouco. Voltei a jogar com o Ney Franco e fui campeão, mas fomos desclassificados da Libertadores e tinham que cortar o elenco.
– Fui afastado e o momento passou. Cheguei a retornar em 2014, mas não joguei e segui com a minha vida.
Foi difícil esse período, né?
– O atleta fica chateado, tive algumas decepções em 2012 e ia desanimando. Treinava o máximo, fazia as coisas que queria fazer, mas nada dava certo. Aí acabei abrindo um pouco mão. Sou muito grato ao São Paulo, vivi momentos incríveis e tinha uma estrutura muito grande.
Mas o que aconteceu de fato?
– Deixa quieto, passou, não vai mudar nada. Quando jogava, não falei. Agora me aposentei e não preciso falar (risos).
Você teve problema disciplinar no São Paulo?
– Nunca fui de balada. O que aconteceu na época é que teve um jogo em que ganhei o melhor em campo, chegou no outro e fui cortado no vestiário. Não entendi o que aconteceu. Sofri uma perseguição, uma pessoa não gostava muito de mim e do meu jeito. As pessoas viam o que estava acontecendo.
Quem era essa pessoa?
– Ela ficou pouco tempo, era o Emerson Leão, treinador. Não tenho nada contra ele. (Leão ficou entre outubro de 2011 e junho de 2012 no comando do Tricolor).
Globo Esporte