O São Paulo faturou R$ 88,7 milhões pelo título inédito da Copa do Brasil no ano passado. Muito dinheiro? Sim, pelo câmbio atual dá mais de 14 milhões de euros, que foi quanto custou o artilheiro do Brasil, Pedro, quando o Flamengo foi buscá-lo na Fiorentina, da Itália.
Ao final de 2023, a dívida bancária tricolor crescia de novo, chegando a R$ 226 milhões, com o endividamento líquido batendo os R$ 856 milhões, um crescimento de R$ 140 milhões. Fica claro que a conta não fecha, mesmo com um título de elevada premiação.
A falácia do “temos que investir para ganhar títulos e faturar o necessário” é repetida exaustivamente no futebol brasileiro, mas o clube do Morumbi parece disposto a deixar essa crendice para trás. Se prepara, então, para apertar o cinto e começar a arrumar a casa.
Há cerca de 20 meses o São Paulo deu início a um projeto de Equity, ou seja, de participação acionária. O objetivo: atrair investidores, aproveitando a movimentação no mercado do futebol, que, em tese, despertaria pessoas interessadas em meio às mudanças geradas pelas SAFs.
Logo percebeu que havia obstáculos difíceis de serem superados. Por que colocar dinheiro em projeto de investimento de um clube com onerosa dívida bancária? Em suma, ela barrava os planos. Nesse projeto já estava inserida a ideia de reestruturação financeira.
Assim, passou a trabalhar na criação de um produto com esse objetivo. Entrou em contato com a gestora de fundos Outfiled e começou a desenhar um formato que ofereça um novo modelo de governança em relação ao dinheiro que vai ser usado e como irão gerir o orçamento.
“A gestão quer transformar um grande clube em uma grande corporação”, resume Márcio Carlomagno, superintendente do São Paulo. “Serão medidas de reeducação para destravar o futebol a médio prazo. As despesas financeiras caindo vão reverter receitas para o futebol”, garante.
A meta é desembolsar menos em juros pagos aos bancos com a redução da dívida. Assim, Carlomagno acredita que poderá retroalimentar o futebol, investindo da base aos reforços para o profissional. Foi feito o primeiro aporte de capital do fundo e está sendo criado um fluxo financeiro.
Tudo correndo dentro do planejado, haverá alongamento e redução da dívida. Hoje, mais 20% do endividamento total é com bancos, responsáveis por cerca de 60% da despesa financeira em 2023. “Mas nossa recorrência em pagamentos com os bancos pesa positivamente”, argumenta o superintendente.
O fundo vai adquirir recebíveis a partir de direitos de transmissão, patrocínios, naming rights, etc. Vai captar recursos que serão utilizados para reestruturar o endividamento bancário. O mecanismo, funcionando a contento, gerará menos juros e ampliará o prazo para pagamento da dívida.
Com ele, espera-se que consiga captar mais clientes, investidores profissionais. “Todo mundo que olha no mercado verá CDI, mais 5%, que é um bom rendimento, um produto atraente”, destaca o superintendente.
Por intermédio do projeto, juntamente com a Outfield, o São Paulo também espera entrar no mercado de capitais, ou seja, colocar as garantias dentro do fundo, mostrando que o clube oferece um investimento seguro. “É um projeto inédito no futebol brasileiro, com fundo dedicado”, ressalta.
O fundo é para quatro anos e meio, e a ideia, reduzir drasticamente a despesas financeiras, de juros, em torno de 70%. Apesar do primeiro aporte, o clube pensa mesmo no que virá a partir de 2025, com reeducação interna e treinamentos que preparem seu pessoal para uma nova mentalidade.
“Estamos quebrando uma cultura e enfrentando desafios internos. Só de redução de hora extra no último mês chegamos a 80%. Ações diversas vão reverter em economia para o clube. Dentro do planejado. Com o pensamento equivocado, gastava-se o que não tínhamos”, admite.
Mas o que espera o torcedor? “O São Paulo já tem uma linha elevada de gastos. Nosso time é competitivo, mas teremos que ser criativos para nos reforçarmos pontualmente, usar bem a base. Afinal, investe-se muito no CT de Cotia. Em um ano e meio, esperamos destravar recursos”, estima.
Isso significa que, apesar de tantos rivais torrando dinheiro que não possuem, o clube se propõe a gastar estritamente dentro do orçamento. Investir apenas o que realmente pode, para que no futuro tenha dinheiro e possa competir ainda mais e com seu próprio esforço.
“Provavelmente, o time deverá ter reforços pontuais e dispensas, vamos precisar fazer ajustes dentro do que podemos gastar, para que adiante possamos liberar mais dinheiro. Acreditamos que para o segundo semestre de 2026”, projeta Márcio Carlomagno.
O objetivo tricolor é, até lá, destravar a verba e ter novo fluxo financeiro. No Brasil, clubes fazem orçamento e colocam venda de jogadores para cobrir o déficit. E se não conseguem vender? O São Paulo pretende depender cada vez menos dessas negociações.
“O fundo vai colocar travas e oferecer saídas. Adiante, se o futebol tiver que faturar R$ 100 milhões no ano, mas chegar aos R$ 150 milhões, serão direcionados R$ 50 milhões para o futebol”, assegura o superintendente. “Poderemos contratar qualquer jogador, desde dentro do orçamento.”
Em suma, o controle será mais rigoroso: corta despesa ou traz dinheiro novo, com disciplina financeiro-administrativa pautando o dia a dia. O projeto parte de uma ideia básica: quanto maior a organização fora de campo, melhor o resultado dentro dele.
E quanto às demais dívidas? “Estão equalizadas e dentro do fluxo. O grande problema financeiro do São Paulo está nas despesas bancárias, nas dívidas de curto prazo. As demais serão atacadas em outro momento, depois desse primeiro passo”, antecipa Carlomagno.
O São Paulo terá que montar uma pesada estratégia de comunicação externa e interna, numa batalha contra uma cultura enraizada no futebol brasileiro, que é gastar o que o clube não tem. Evitar problemas, atrasos de pagamentos, etc. Um produto vinculado a clube sem responsabilidade financeira não seria tão atraente, afinal.
“As pessoas projetam o futebol como se o presente pudesse ser projetado de forma sustentável. Mas o presente já é de déficit. Se tem 100 e gasta 70 com futebol, 30 com despesas administrativas e mais 10 de dívida, você sustenta isso por um ano, mas no segundo ano esse déficit, a dívida, aumenta e fica inviável. Esses buracos financeiros vêm com juros, que são caros, e não se sabe se o time será campeão”, analisa o consultor financeiro Moisés Assayag.
De fato, o título da Copa do Brasil e o resultado financeiro de 2023 confirmam isso. “Esses R$ 90 milhões são quase três vezes o que o clube gasta com as divisões de base”, acrescenta. O São Paulo agora tem um desafio interno de ser mais eficiente na gestão do futebol, o que demanda visão profissional sobre gestão de elenco, scouting, análise de desempenho, etc.
Os treinamentos com funcionários e colaboradores já duram oito meses. O São Paulo vai tentar, de dentro para fora, se remodelar para ficar mais forte. Mas o remédio é amargo e não existem opções no momento. E gastando tanto em juros, o clube deve dar maior déficit em 2024, ainda mais sem título. Vem aí uma longa, e necessária, caminhada.
Fonte: UOL