Zubeldía é contra a base? Entenda o que pensa o técnico do São Paulo e qual o critério para lançar joias

95

Ryan Francisco e Lucas Ferreira jogaram por alguns minutos contra a Lusa, e centroavante decidiu a vitória. Mas isso não significa que eles vão pular as etapas do processo do técnico

O rosto de Ryan Francisco esteve em todos os programas esportivos nesta quinta, um dia depois de o garoto marcar o gol da vitória do São Paulo contra a Portuguesa, no Pacaembu, na noite de quarta-feira. A repercussão, porém, não mudará a ideia e planos de Zubeldía sobre a forma ideal que se deve tratar os jogadores vindos da base. Como vinha fazendo, por exemplo, com William Gomes.

– Se William ficasse, teria alguns jogos a mais neste ano, iria crescendo, não na velocidade que muitos pensam, mas sim na velocidade lógica de um menino que está se formando – disse ele em entrevista coletiva após a vitória contra a Lusa, citando o jogador vendido para o Porto.

Ao longo da semana, uma questão virou tema de discussão entre torcedores: afinal, o argentino boicota jovens de Cotia? Contra a Lusa, ele relacionou quatro campeões da Copinha: Maik (lateral-direito), Matheus Alves (meia), Lucas Ferreira (atacante) e Ryan Francisco (atacante). Os dois últimos entraram aos 36 minutos do segundo tempo. Ryan, iluminado, marcou o gol da vitória.

Neste texto você verá algumas informações de bastidores sobre o que pensa Zubeldía e outras impressões sobre o trabalho do treinador, que em abril completará um ano de São Paulo.

Publicidade

O resumo é: Zubeldía preza pelas “hierarquias” dentro do elenco. Isso significa que sim, há espaço para jogadores jovens. Mas que para eles subirem degraus, como fez William Gomes nas quartas de final da Libertadores de 2024, eles precisam mostrar, nos treinos e jogos, que merecem o espaço esperado.

Ryan Francisco, chegando com o pé na porta, parece disposto a isso.

A polêmica

A discussão pegou fogo por conta das duas saídas nesta semana, ambas para o Porto: o atacante William Gomes, uma joia de 18 anos ainda em lapidação vendida por R$ 61,4 milhões, e o lateral-direito Moreira, de 20 anos, nome que o treinador não morria de amores, e que foi cedido por empréstimo.

Os casos, porém, são diferentes.

William Gomes foi o jogador da base mais utilizado pelo técnico em 2024 e estava nos planos. A ideia era que fosse uma das alternativas no ataque e que, aos poucos, fosse crescendo em importância.

A necessidade da diretoria em fazer caixa para resolver problemas financeiros emergenciais (criados por ela e por outras gestões) passou por cima de qualquer projeto esportivo. O atacante foi vendido por pouco, mas ainda pode render mais, já que o clube manteve 20%.

Moreira, por outro lado, não contava com Zubeldía entre sua legião de fãs.

O técnico acreditava que o lateral não tinha condições de ser o reserva imediato de Igor Vinícius em jogos importantes. Assim, para ele, seria mais um ano de poucos jogos, com o terceira opção. Sair, mesmo que para o Porto B, foi para o jogador uma ótima decisão. Ele poderá se desenvolver e até brigar pela seleção de Portugal.

Em entrevistas, Zubeldía diz que espera que seu trabalho nos clubes gerem, ao menos, duas vendas de jogadores jovens por temporada. Ele diz entender a força do mercado e o papel de exportador.

Zubeldía e Cotia

Zubeldía respeita muito a estrutura do São Paulo e o trabalho que é feito pelos profissionais do CFA de Cotia. Do time campeão da Copa do Brasil Sub-20 em 2024 e da Copinha neste ano, o técnico gosta de alguns nomes, como o volante Hugo Leonardo (hoje machucado), o meia Matheus Alves e os atacantes Ferreira e Ryan Francisco. Todos estariam no FC Series se não existisse a Copinha.

Mas gostar dos jogadores não significa que o técnico vê todos prontos para pularem etapas.

Ex-jogador formado na base do Lanús, um clube que não tinha grande estrutura para os seus garotos na época, Zubeldía entende que para se tornar um jogador vencedor é preciso “fome”. E, nas muitas vezes em que contou com meninos da base para completar seus treinos, viu menos do que esperava. Hugo Leonardo, formado no Ska Brasil e só cedido ao Tricolor em 2024, destoou neste sentido.

Como contra a Lusa, garotos terão oportunidade no time, mas para isso terão que mostrar seu potencial nos treinamentos no dia a dia do CT da Barra Funda. Por isso, na última semana, o técnico fez questão de dizer em coletiva que, no profissional, tudo é diferente:

– Apesar de ter repercussão de rede social e TV, são meninos em formação que devem seguir se formando. Não é o mesmo Maik ao enfrentar o jogador sub-20 do Corinthians e que enfrente Lucas Moura, Dudu, ou (Memphis) Depay. De um dia ao outro, não é o mesmo, muda totalmente. Há que ir devagar, apesar da repercussão deste tipo de torneio. Tenho que ter cabeça fria e ir passo a passo.

Inspiração em Marcelo Gallardo

Nesta mesma coletiva, Zubeldía sugeriu que os jornalistas buscassem uma resposta de Marcello Gallardo, técnico do River Plate, sobre a utilização de garotos no clube argentino.

Em sua explanação, o técnico diz que, para os garotos, é um privilégio apenas estar no time principal. E que, para de fato jogarem, eles precisam ir cumprindo pequenas etapas no dia a dia, merecendo as vagas.

– Estar no plantel do primeiro time é um privilégio. Se tem ou não minutos, é uma questão de como ele vai ser preparando. Não confunda as pessoas ao dizer que tal jogador da base não tem minutos, que não ganha oportunidade. Os jogadores vão crescendo de acordo com seus comportamentos – disse Gallardo aos jornalistas argentinos.

O recado é claro: Zubeldía não cederá à pressões para escalar ou dar mais minutos do que diz ter planificado aos jovens da base, mesmo que tenham sido campeões da Copinha.

Em seu modelo de elenco, garotos ocupam a terceira prateleira em cada posição. É neste estágio que se encontra o zagueiro Igão e o atacante Henrique Carmo, já no grupo desde 2024 mesmo sem conseguirem jogar, e nomes como Patryck, Rodriguinho e os mais recentes da Copinha.

Ainda em sua entrevista concedida há uma semana, Gallardo deixou margem para discordâncias:

– Há momentos que são de ir somando e aprendendo os jogadores em desenvolvimento. Posso estar equivocado? Claro, como muitas vezes me equivoquei e seguirei me equivocando. Mas o processo eu tento respeitar – declarou.

Zubeldía também repete processos. Pode errar ao não dar mais minutagem a garotos ao longo do ano? Certamente pode. No futebol, muitas vezes é a ousadia de lançar que resolve os problemas de um clube endividado e com deficiências de elenco. Mas o argentino não parece querer mudar sua linha de trabalho. Será tudo passo a passo.

Mas gols como os de Ryan, porém, podem servir para quebrar regras.

Fonte: Globo Esporte