São Paulo e Flamengo é, sem dúvida, um dos maiores clássicos do futebol brasileiro e sul-americano. São doze campeonatos brasileiros, quatro Libertadores e quatro mundiais de clube, sem contar os inúmeros craques que desfilaram arte vestindo as duas camisas: Leônidas da Silva, Leonardo, Serginho, Gilmar Rinaldi, Gerson “canhota” e outros nem tão famosos.
Outras duas características também aproximam os dois clubes: a formação em casa de revelações que despontam nos times profissionais e a paixão pelo futebol técnico, que valoriza a posse de bola, o jogo bonito. Sem chutão. E domingo, em Brasília, se encontram novamente. Para nós, tricolores, confrontos com o Mengo trazem grandes recordações, como as vitórias nos confrontos nas quartas-de-final da Libertadores (1×1 e 2 x 0) e na final da Supercopa da Libertadores (2 a 2 e 2 a 2 – vencemos nos penais), ambas em 1993. Mas são muitos jogos que marcam na memória esse confronto imenso. E recorrendo ao arquivo da SPNet, trago para vocês um Flamengo x São Paulo do distante ano de 1987. Era a primeira partida da Copa União (campeonato brasileiro da época) daquele ano, que teve o Flamengo como campeão. Mas na estreia, deu São Paulo.
Show no Maracanã
A tarde do dia 13 de setembro de 1987 tinha tudo do que o bom e o velho carioca gosta: sol, praia e, lógico, futebol. O sol apareceu logo cedo e as areais das belas praias fluminenses ficaram lotadas. O espírito do flamenguista estava preparado para mais tarde, onde no até então maior estádio do mundo o Rubro-Negro enfrentaria o campeão paulista: o São Paulo Futebol Clube, jogo válido pela primeira rodada da Copa União de 1987.
“No domingo tem Maracanã, tem Maracanã, tem Maracanã…”. A música ecoava pelos quatro cantos da Cidade Maravilhosa e o clima de clássico estava no ar. A multidão ia chegando, tomando de assento as arquibancadas e as saudosas gerais do velho Maraca. Aliás, o público não chegou a 26.000 torcedores, talvez porque a praia estivesse boa mesmo e a caipirinha e a cerveja mais geladas do que nunca. A razão mais pertinente está no fato de o carioca gostar do horário das 17 horas, não das 16 horas, como quis a Rede Globo, detentora dos direitos de transmissão.
Deixemos as milongas de lado e vamos ao jogo. O visitante, o Tricolor do Morumbi, comandado por Otacílio Píeres de Camargo, o Cilinho, estava praticamente completo. O time era quase o mesmo que havia se tornado campeão paulista em agosto ao derrotar o Corinthians em duas partidas. Só Nelsinho, machucado, ficou fora. No seu lugar entrou Ronaldo (é, ele mesmo, o Ronaldão), em começo de carreira.
Já o Flamengo, vice-campeão carioca (o Vasco do baixinho Romário, bem novinho, levou o título de 87), estava praticamente completo: Zico, Nunes, Renato Gaúcho, Bebeto, Aldair, Jorginho e Andrade desfilariam em campo. Os meninos Leonardo e Zinho aguardavam ansiosamente um lugar ao sol, lá do banco de suplentes. Quem poderia imaginar que esses dois garotos seriam duas cobras do futebol tupiniquim anos mais tarde?
O São Paulo Futebol Clube, com sua áurea soberba de campeão, começou a partida, apitada pelo gaúcho Carlos Sergio Rosa Martins, a todo vapor. Com toques rápidos, envolventes, a equipe do Morumbi abriu o placar logo aos 5 minutos. Após cruzamento da direita, Muller, com estilo, cabeceou de “boa tarde”, no fundo do gol de Zé Carlos (um dos goleiros brasileiros na malfadada Copa do Mundo de 1990 e falecido precocemente).
O Flamengo sentiu o revés e o onze do delegado Antônio Lopes sucumbiu diante do campeão bandeirante. Aproveitando o estado letárgico do adversário, o Mais Querido ampliou aos 18. Em outra rápida investida, novamente ele, Muller: 2 a 0, fora o baile.
Ferido como São Sebastião, padroeiro da capital fluminense, o Mengo foi para cima e criou grandes oportunidades, principalmente com Renato Gaúcho, recém-contratado pelo time da Gávea. Porém, ele não contava com a presença de Gilmar Luís Rinaldi, gaúcho de Erechim – com seu bigode a lá Fred Mercury – mas com a agilidade de um Gordon Banks, o goleiro que quase parou o Brasil em 1970. O nosso arqueiro cresceu diante dos afoitos Renato e Nunes, defendendo bolas incríveis e recebendo ao final da partida todos prêmios dedicados aos melhores em campo. “Foi a perna esquerda”, confirmava, ao recordar a defesa mais importante, num chute de Bebeto. Na Bola de Prata de Placar, levou 10.
Na segunda etapa, o truculento delegado de polícia colocou os juniores Leonardo e Zinho nos lugares de Aldair e Flávio (que defendeu o Tricolor anos mais tarde), respectivamente. Leonardo, lateral-esquerdo de origem, fã de Zico e bom de bola, criou boas oportunidades para o Fla. Zinho foi mais discreto, talvez sentindo o peso de enfrentar apenas e tão somente um monstro chamado Dario Pereyra. Já o bonachão Cilinho fez apenas uma alteração para administrar o resultado: o volante Paulo Martins reforçou o meio-campo no lugar do meia Silas. Enquanto isso, agindo como um general romano, Pita dava as ordens e as sequencias das belas jogadas tricolinas na meia cancha, arrancando suspiros da massa rubro-negra. Foi o dia em que Zico viu Pita jogar – só faltou pedir autógrafo. No fim, o atordoado Flamengo ainda teve o desprazer de suportar a humilhação máxima, correr atrás do adversário e ouvir sua própria torcida gritar “olé”! Que saudades!
Ficha
FLAMENGO 0 x 2 SÃO PAULO
1º Rodada da Copa União de 1987
Local: Estádio Mário Filho (Maracanã), Rio de Janeiro – RJ
Data: 13 de setembro de 1987
Horário: 16 horas
Público pagante: 25.630
Renda: Cz$ 2.436.200,00
Árbitro: Carlos Sérgio Rosa Martins (RS)
Gols: Muller, aos 5 e aos 18 minutos do primeiro tempo
Flamengo Zé Carlos; Jorginho, Guto, Zé Carlos II e Aldair (Leonardo); Flávio, (Zinho), Andrade e Zico; Renato Gaúcho, Nunes e Bebeto.
Técnico: Antônio Lopes
São Paulo Gilmar; Zé Teodoro, Adilson, Darío Pereyra e Ronaldo; Bernardo, Silas (Paulo Martins) e Pita; Muller, Lê e Edvaldo.
Galvão Bueno – TV GLOBO
https://www.youtube.com/watch?v=GxwAWO8mYPQ
JANUÁRIO DE OLIVEIRA – TVE/RJ
César Hernandes, o Cesinha, tem 40 anos e muitos deles vividos com emoção por ter sido testemunha ocular de tantas conquistas do Tricolor. Jornalista de formação e historiador por devoção, crê que é importante preservar a memória são-paulina com textos e imagens que servirão de inspiração para as novas gerações. Escreve nesse espaço todas as sextas-feiras.