SãoPaulo.F.C
Caíque Toledo
Rogério,
Boa noite, amigo. Você não faz ideia de quem eu sou, mas me sinto muito à vontade em te chamar de amigo. É que pra mim você é quase da família, sabe? Já me fez rir, já chorou comigo, já foi meu defensor em diversas discussões, é meu companheiro de estádio e compartilhamos uma paixão intensa. Aposto que você não se importará.
Sem me alongar, estou aqui para agradecer. Sou admirador, sou fã. Você completa hoje um ciclo que ninguém nunca vai ousar chegar perto. Ninguém, no Brasil ou no mundo, vai ser o que Rogério Ceni foi para um time de futebol. Não falo de defesas, gols, prêmios e títulos, e sim do ícone. Queiram ou não, ninguém nunca defendeu uma camisa tão bem quanto você.
Você, eu sei bem, é chato. Perfeccionista ao extremo. Não à toa, era o primeiro a chegar e o último a sair dos treinamentos. Batia faltas até acabar a luz no CT. Ensinava os mais novos e dava exemplo de profissionalismo. Nunca entregaria um jogo. Nunca deixaria de pular em um pênalti. Nunca deixaria de defender os seus.
Saiba, amigo, que um dos maiores orgulhos dos torcedores de nosso tempo é ter torcido por você. Mais que um jogador, a entidade Rogério Ceni é o maior ídolo de um clube na história do futebol brasileiro: são 1.237 jogos, 131 gols, 978 vezes como capitão. O ‘Pelé del arco’ para a imprensa espanhola. Jogador que mais vezes vestiu a camisa de um clube, jogador com mais vitórias conquistadas por uma mesma equipe e jogador com mais atuações como capitão na história. Campeão do estado, do país, do continente, do mundo. E melhor jogador de todos eles em pelo menos uma oportunidade. Um goleiro. Íntegro, fiel, politizado, interessado e, principalmente, apaixonado pelo clube que viveu e torceu. Eu juro que queria que os rivais tivessem um ídolo assim. Juro, juro mesmo. Todo mundo merece ter um espelho tão grande como Rogério.
Ah, mas o Rogério é chato pra caralho, mas o Rogério é frangueiro, mas o Rogério só tem mídia porque faz gol. Ah, quanta coisa ouvimos nesses 25 anos, não é? Uma coisa é certa: críticas à parte, você levantou a raiva de todos porque foi o símbolo de um time que reinou no país por cinco anos. É chato ver alguém ganhar tanto. Irrita, eu sei. Principalmente alguém mala, que não faz questão de ser legal em entrevista. Que só pensa no próprio time, que só pensa nos interesses do escudo que defende. Você, aliás, foi titular do São Paulo de 97 a 2004 ganhando três títulos menores, apenas. Nenhum goleiro de time grande fica isso tudo só fazendo um golzinho ali e outro acolá. Falhou, e muito, mas nada que diminua sua importância para o São Paulo e, aceitem, para o futebol brasileiro e mundial.
Acho que fugi do foco, desculpe. Essa carta é para você, Rogério, não para quem ainda insiste em te criticar. Bem, eu disse que queria agradecer. Não sei por onde começar. Sabe, é meio difícil lembrar de todas as vezes que gritei de felicidade e você estava envolvido. Quando eu comecei a torcer pelo São Paulo, você já estava lá defendendo nossa meta. Já era nosso capitão. Já era, mesmo que só tenha aparecido alguns anos depois, um símbolo histórico.
Obrigado por quatro títulos paulistas, três brasileiros, duas Libertadores, dois Mundiais, um Rio-São Paulo, uma Sul-Americana, uma Conmebol, duas Recopas. Obrigado pelas Bolas de Prata, pelos prêmios da Fifa e da IFFHS. Obrigado não só pelos gols, mas por reinventar a posição. Obrigado pela falta contra o Santos em 2000. Obrigado pela decisão por pênaltis contra o Rosario Central (e por me fazer chorar como nunca naquele dia). Obrigado por colocar sua saída à disposição após a única perseguição por parte da torcida, também em 2004. Todos agradecem por não ter ido pra frente. Obrigado pelos gols contra Palmeiras, Tigres e River Plate. Obrigado pela declaração de amor no Morumbi lotado na noite de 14 de julho de 2005. Obrigado pela América.
Obrigado por marcar contra o Al-Ittihad e por ser o único goleiro a fazer gol em competições oficiais da Fifa. Obrigado por entrar em campo mesmo machucado e decidir o título. Obrigado por enfrentar o Liverpool. Obrigado pela defesa à queima roupa, pela defesa na cabeçada, pela defesa na bicicleta vermelha. Obrigado, mil vezes obrigado, por alcançar aquela bola de Gerrard e acabar com qualquer argumento contrário. Obrigado por ser nosso torcedor em campo e por trazer o mundo para casa. Obrigado, também, por falhar contra o Inter em 2006 e mostrar que és humano – mesmo que os feitos teimem em dizer o contrário. Não tem problema: obrigado por se tornar o maior goleiro artilheiro da história, obrigado pelo tetra. Obrigado por fazer ‘os de branco atropelarem os de vermelho’ em 2007 e obrigado pelo penta. Obrigado pela arrancada e pelo hexa em 2008. Ufa.
Obrigado pelo centésimo gol, pela milésima partida. Obrigado por passar a braçadeira para Lucas e levantar a Sul-Americana. Obrigado pelas defesas contra a Universidad Católica, obrigado pelos posicionamentos sobre a diretoria. Obrigado pelas preeleções. Obrigado por cada vez que ouvi Hells Bells no Morumbi. Ah, o Morumbi. Virou sua primeira casa, eu sei. Você se tornou o Senhor Feudal daquele lugar. Vitória atrás de vitória, título atrás de título. Gigante do Brasil, conquistador da América, dono do mundo.
Obrigado por não se importar em ser lembrado ou admirado pelo resto. Seu compromisso sempre foi conosco, e sempre fez questão de ser amado só pelos são-paulinos. E obrigado por isso. Teria tanta graça se os críticos não aparecessem aos montes?
Obrigado, Rogério, por me dar a chance de poder ter torcido por você. Obrigado pela festa de hoje. Obrigado pelos 25 anos de amor, dedicação e idolatria. Talvez, meu caro, talvez tenham existido goleiros melhores que você por aqui. Talvez tenham existido mais craques, mais brilhantes com a bola. Talvez, e bem talvez, tenha existido alguém tão são-paulino como você. E daí? Se dizem que todos têm goleiros, vou mais além: todos têm ídolos, só nós temos Rogério.
Vai ser difícil ver o São Paulo jogar e saber que você não está mais entre nós. Como você mesmo disse na última preeleção, você foi embora pra sempre. Quer dizer, sei que vai estar conosco no Morumbi, vibrando a cada gol e, agora, podendo xingar o passe errado na frente da área. Estará conosco na memória e no coração. No coração de cinco pontas. Vermelho, preto e branco.
Você é goleiro, é artilheiro, é capitão. É torcedor, é ídolo, é apaixonado. É craque, é lenda, é mito. É único. Obrigado, Rogério, por tudo que passou e nos fez passar nesses 25 anos. O futebol agradece.