Conviver é falar no plural: “nós”. O São Paulo, hoje, usa mais a primeira pessoa do singular: “eu”.
No “clube da fé”, histórico apelido do Tricolor, ninguém parece ter fé em ninguém, a não ser em suas necessidades. Desde os que vestem calça e camisa sociais até aqueles que fincam as travas da chuteira nos gramados, todos só olham para o próprio umbigo.
Da atuação razoável contra o fragílimo Mogi Mirim poderia se repercutir o esboço de recuperação de Centurión ou mais uma jornada invicta da defesa, mas o saldo da vitória por 2 a 0 são as reclamações de Rogério – endossadas por Paulo Henrique Ganso – e Alan Kardec.
O São Paulo parece ter noção dos erros cometidos nos últimos anos, e que levaram o clube da condição de referência de organização à de exemplo de bagunça. Mas, hoje, parece um grande barco em que cada um rema para um lado, e que, portanto, não sai do lugar.
Edgardo Bauza é um técnico vitorioso de métodos pouco vistosos a quem se deleita com o trio MSN no Barcelona, por exemplo, mas profundamente conhecidos por aqueles que estudaram sua contratação no São Paulo. Seu currículo não o torna imune de críticas. Algumas de suasescolhas nestes dois meses são questionáveis. Sua opinião de que Rogério pode ser mais decisivo como segundo atacante do que aberto soa um erro. Mas é preciso tempo e, acima de tudo, disposição em ajudá-lo.
Demonstrar inconformismo com certas situações como o banco de reservas não deixa de ser um sinal positivo, mas é preciso haver limites, bem como demonstrações de flexibilidade do técnico.
Qualquer jogador, principalmente os que já estavam na equipe, sabe que o Tricolor tenta ressurgir do limbo depois de pavorosas gestões – a última, um “case” predatório – e, dessa vez, com pessoas aparentemente sérias no poder. Com alguns erros, sim, mas munidas da imensa vontade de acertar, e, em setores estratégicos, de boa competência.
Acontece que no “clube da fé”, que virou o “clube do eu”, há gente demais pouco preocupada com o bem coletivo, mas muito interessada no sucesso pessoal. O empresário milionário que ajudou a derrubar o ex-presidente pressiona pela volta do antigo auxiliar à função para não perder o poder de palpitar. O conselheiro tenta adiar a aprovação do recebimento de R$ 60 milhões para ganhar moral em seu grupo político. O diretor do departamento X tenta provar a todos que é mais competente que o diretor do departamento Y. E vice-versa. Quem não está satisfeito com sua função tenta desqualificar aqueles que ocupam seu velho lugar. O assessor da presidência critica o jogador publicamente.
O atacante quer jogar aberto, mas o técnico diz que ele é mais decisivo pelo meio. O meia quer escolher os atacantes da ponta. O centroavante reserva quer falar para o técnico, mas manda o recado pelo jornalista. O jogador que não quer dar entrevistas porque tem dinheiro a receber do clube faz biquinho pro companheiro que atende os jornalistas.
A torcida organizada quer ingressos e dinheiro para viajar e financiar seu carnaval, mas sente-se no direito de palpitar no salário do jogador e do dirigente. O presidente permite que essa torcida tenha tais privilégios. A organizada vaia. Os demais aplaudem. Eles brigam.
Ou o São Paulo absorve palavras básicas de convivência em quaisquer esferas sociais, como compreensão, solidariedade, companheirismo, e deixa para trás o narcisismo e o egoísmo que caracterizam seu grupo há anos, ou aprende a gerir seus problemas, ciente de que só haverá êxito individual se forem capazes de esticar a mão uns aos outros, ao paraense Ganso, ao carioca Alan Kardec, ao uruguaio Lugano, ao pernambucano Rogério, aos argentinos Edgardo Bauza, Centurión e Calleri, independentemente de onde nasceram, cresceram ou de que língua falam, ou será mais um ano que terminará em lamúrias, “mimimi” e falta de “simancol”.