UOL
Bruno Grossi
O UOL Esporte teve acesso ao documento elaborado pela “Comissão dos Poderes do SPFC” que vetou, pelo menos para este momento, a realização de eleições diretas no São Paulo. Esse estudo, de apenas cinco páginas, foi debatido no Conselho de Administração em setembro de 2018 e refutou a chance de tornar o pleito no clube mais democrático com alegações como a presença de torcedores rivais entre os sócios e a suposta modernidade do modelo atual, indireto, que está em vigor desde 1949.
Aprovado no fim de 2016, o novo estatuto são-paulino exigia a produção de um estudo de viabilidade de eleições abertas para sócios e, eventualmente, sócios-torcedores. O prazo máximo para a conclusão do processo era de um ano depois do início das atividades da diretoria que assumiu o comando do clube em meados abril de 2017, com Carlos Augusto de Barros e Silva na presidência.
Leco montou o que foi chamado de “Comissão dos Poderes do SPFC” com um representante de cada um dos seguintes grupos: diretoria (Marcio Carlomagno), Conselho Deliberativo (Marcos Tadeu Novais dos Santos), Conselho de Administração (Silvio Paulo Médici), Conselho Fiscal (Vinicius de Medeiros Cardoso Leite), Conselho Consultivo (José Carlos Ferreira Alves) e associados (José Ignacio Balsas de Oliveira Barreto).
Como a maior parte da diretoria iniciou trabalhos somente em maio de 2017, o prazo máximo para a conclusão do processo — que envolvia votações em vários órgãos até chegar aos associados — era maio de 2018, quando foi protocolada a entrega do estudo no Conselho Deliberativo. O documento, entretanto, só foi levado para análise e debatido em reunião do Conselho de Administração somente quatro meses depois. Na ocasião, o parecer contrário às eleições diretas foi aceito por unanimidade.
Estavam presentes nessa reunião o presidente Carlos Augusto de Barros e Silva, Adilson Alves Martins, José Eduardo Mesquita Pimenta, Julio Casares, Márcio Aith, Saulo de Castro e Silvio Medici. Julio Conejero e Roberto Natel não participaram do referido encontro. O debate sobre o parecer, segundo apuração, foi rápido e superficial, realizado brevemente após a leitura do texto. No clube, também há reclamações sobre o fato de o estudo ser pouco técnico e pouco democrático — com poucas pessoas ouvidas para chegar ao texto final.
Depois disso, como apontou a reportagem em março do ano passado, o assunto foi esquecido no São Paulo. O CA deveria levar o parecer para discussão no Conselho Consultivo, que tem como presidente justamente um membro do CA (José Eduardo Mesquita Pimenta). De lá, passaria para o Conselho Deliberativo, mas isso nunca aconteceu. Há quem diga que o debate só será retomado após as eleições deste ano, previstas para novembro. Leco não poderá concorrer à reeleição e os futuros candidatos ainda não foram definidos.
O que diz o documento que vetou as eleições diretas? O texto lembra, logo de cara, que também estava em curso um estudo sobre a separação entre futebol e clube social no São Paulo e que, assim, o estudo sobre as eleições diretas passa apenas por questões “legais e de conveniência”. Logo depois, um trecho da Constituição Federal que exalta a “soberania popular” para voto “direto e secreto” é apresentado, mas em seguida são enumeradas mudanças na legislação relativas a associações que levam à seguinte conclusão:
“…Pode-se concluir que o voto direto é legal, porém não mais obrigatório em caso de eleição dos administradores no caso das associações… A autonomia dada pela lei às instituições esportivas também é citada como justificativa inicial e só então a argumentação entra nas veias do Morumbi. O estudo lembra que a estrutura eleitoral do São Paulo, com associados elegendo conselheiros e conselheiros elegendo o presidente, estão em vigor desde 1949, “quando da gestão do saudoso presidente Cícero Pompeu de Toledo”.
Essa estrutura é chamada de “historicamente consagrada” e com “enorme tradição” por ter, basicamente, mantido o funcionamento do clube. Mais tarde, outros elogios à estrutura eleitoral do São Paulo aparecem: “legal”, “moderna”, “garante a democracia” e “tem credibilidade”. Para justificar tais elogios, mudanças aplicadas pelo estatuto aprovado em 2016 são listadas, como o fim da reeleição dos presidentes, o aumento de 240 para 260 conselheiros, dos quais 75 agora entram por votação dos associados e 25, por matrícula associativa mais antiga. O fato de que um associado pode concorrer a uma cadeira no Conselho Deliberativo após dois anos ininterruptos de de matrícula também é exaltado.
“…Indubitável a legalidade do voto indireto e a ampla participação dos sócios (…), que, por sua livre e espontânea vontade, elegem seus representantes no Conselho Deliberativo (Conselheiros), para que estes elejam o Presidente da Diretoria do Clube… Depois de valorizar a “eficácia do voto indireto”, o parecer chega a um ponto crucial quando justifica a negativa às eleições diretas pela suposta presença de torcedores rivais entre os associados do clube: “Embora não haja um estudo que comprove precisamente a quantidade, tem-se o conhecimento e convicção de que metade dos sócios do São Paulo Futebol Clube não efetivamente torcedores”.
Essa proporção calculada por observação faz com que os autores do estudo considerem que “não parece adequado que cidadãos que não são torcedores tomem decisões eleitorais e políticas do clube, sendo que a razão principal da entidade é o FUTEBOL”. O texto tenta dizer que não seriam todos os torcedores rivais irresponsáveis, mas alerta para possíveis “movimentos contrários” que poderiam gerar “graves consequências e prejuízos”.
O estudo ainda diz que o clube social representa apenas 8% do faturamento do São Paulo e que tem como foco lazer e entretenimento, e não “interesse político e representatividade na administração”. Assim, os autores recomendam que o “tradicional, consagrado e soberano” Conselho Deliberativo continue sendo eleito pelos sócios — mesmo que possam não ser são-paulinos — para depois escolher o presidente da diretoria.
A ordem do novo estatuto para também analisar a viabilidade de abrir as eleições para sócios-torcedores é lembrada somente no fim do documento e em breve trecho. O estudo diz que o critério de “integrantes adimplentes” é vago, porque pode variar com a situação financeira e esportiva do São Paulo, e que por isso não confere “confiabilidade para o exercício de missão tão grandiosa e significativa quanto é a de eleger a diretoria”. …Trata-se de instrumento que propicia ações oportunistas e desvinculadas do tão necessário conhecimento da vida interna da agremiação, fator essencial para sua estabilidade…
O documento termina com o parecer definitivo e negativo para as eleições diretas e com a sugestão de manter a atual estrutura política com “voto indireto e nominal”. O outro lado A reportagem procurou José Ignacio Balsas de Oliveira Barreto, que assina o documento como representante dos associados, para tentar entender se ele consultou outros sócios do São Paulo antes da decisão de vetar as eleições diretas. Essa é uma das principais reclamações sobre o estudo.
Barreto, ao ser informado sobre o tema da entrevista, disse estar ocupado e que poderia atender novo telefonema com mais calma depois das 19h da quarta-feira da última semana. O retorno foi feito no horário combinado, mas Barreto não atendeu mais às chamadas e também não respondeu o contato por mensagem. Já o representante da diretoria na “Comissão dos Poderes”, o assessor da presidência Marcio Carlomagno, aceitou falar sobre o assunto e negou que o documento tenha enterrado as chances de eleições diretas serem implantadas no São Paulo.
“Foi apenas uma recomendação para o momento atual. Nosso sistema de sócio-torcedor precisaria ser aperfeiçoado e até a relação dos associados do clube precisaria de ajustes. Não significa que não poderá ser feito no futuro. É algo que pode e deve ser debatido, principalmente pelo Conselho Deliberativo”, afirmou Carlomagno, que ainda elogiou os conselheiros como “guardiões do clube” e o sistema eleitoral atual como “democrático”.