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Menon
“Cara, você é pontual. Abaixei o som da música para ouvir o telefone tocar e quase que não dá tempo, em cima da pinta”. Que bom! O que você estava ouvindo?
“Racionais, Negra Li e Dexter, um rapper que é muito são-paulino”. Ronaldão, o zagueiro que gostaria de ser Ronaldo, bicampeão mundial pelo São Paulo e campeão do mundo com a seleção brasileira em 1994, sempre teve posicionamento político e nas questões sociais. A música negra é uma das suas facetas. A outra é fácil de perceber. “Dou todo meu apoio a quem for para as ruas protestar contra esse governo. O presidente monta em cavalo, provoca aglomerações, e ninguém fala nada. Agora, quando o protesto é contra ele, querem impedir”.
Mas, Ronaldo, e a questão da pandemia? “Ele é que propagou, os apoiadores dele também. O outro lado está apenas protestando agora, não pode ser culpado de nada”. O ex-zagueiro também fala sobre o racismo, tema amplamente discutido a partir do assassinato de George Floyd, nos Estados Unidos. Ronaldão diz que nunca foi ofendido dentro de campo, mas cansou de ouvir manifestações de torcedores ao redor do mundo. Protegidos por alambrados.
“Na cara, ninguém tem coragem. Racistas são covardes. Eles se protegiam através de um alambrado e agora com redes sociais. Em campo, nunca fui ofendido. Se fosse, daria resposta em campo e depois fora dele também. A sociedade tem de se unir e mostrar que rejeita essa gente. Não tem mais lugar para eles”. O racismo é estrutural. As pessoas usam termos como denegrir, lista negra, dia de branco e talvez nem percebam. Lembrei um caso desses a Ronaldo e me surpreendi com a resposta.
Lembra que você não gostava de ser chamado de Ronaldão? Dizia que tinha a mesma altura de Raí e que ninguém o chamava de Raizão.. “Olha, na época eu não tinha esse sentimento de racismo estrutural. Até porquê o Raí também não é branco. Eu estava injuriado porque estavam me criticando muito. Mas ficou Ronaldão mesmo. Quando cheguei na seleção para a Copa de 94, os repórteres foram me esperar no aeroporto. Perguntaram se eu preferia Ronaldo ou Ronaldão. Aí, cheguei na concentração, e o Zagallo e Parreira vieram me abraçar, falando ‘bem-vindo Ronaldão’. Não teve jeito. Ficou Ronaldão mesmo”.
No ano seguinte, Ronaldão começou a Copa América como titular. E foi muito criticado por alguém com muita força com um microfone nas mãos. Assim, teve de encarar Galvão Bueno. “Ele não se contentava em narrar. Queria comentar também e falava muita besteira. Ficava me criticando muito. Peguei um resfriado, fiquei fora de um jogo, e ele falou que o Brasil ia melhorar. Então, o Tino Marcos veio me entrevistar, e dei um recado para o Galvão. Me defendi. Mas já passou, hoje sou um cara muito mais tranquilo”.
Ronaldão chegou à quarta-zaga do São Paulo pelas mãos de Telê Santana, depois de jogar como lateral esquerdo e volante. Em 1991, foi para a zaga após uma contusão de Ricardo Rocha. E foi campeão, com participação direta dos jogadores em uma palestra com Telê. “Foi antes da final contra o Bragantino. O Elivelton, ponta esquerda, tinha se machucado. E eles tinham o Gil Baiano na lateral, que atacava muito. Então, pedimos para o Telê colocar o Zé Teodoro na lateral direita e mandar o Cafu para a ponta esquerda, em cima do Gil Baiano. Ele atendeu, e fomos na retranca. A gente tinha sido vice duas vezes seguidas, e estava na hora de ganhar o título”.
O título levou o time à Libertadores e a dois títulos mundiais. Ronaldão estava lá, com destaque. Em 92, marcou Stoichkov, e em 93 conteve Papin. Não é fácil, não. Foi bem. Sabia o que fazer. “O Barcelona, a gente conhecia bem. Tinhamis ganhado deles seis meses antes, por 4 a 1. Contra o Milan, o Telê passou uma fita. Mostrou alguma coisa, mas ele nunca se preocupava muito com o rival. Sempre privilegiava nossas qualidades e dava muita confiança para a gente”.
O jogo contra o Milan foi seu último com a camisa do São Paulo. Camisa que entregou toda suada a Telê, no elevador do hotel. “Ele estava com a mulher. Entreguei a camisa, e agradeci tudo que ele fez por mim. Ele disse que o mérito era meu.” Telê, Ronaldão conta, implicava muito com os gastos dos jogadores. “Até com pilha de walkman”, lembra.
Talvez os ensinamentos tenham dado certo. Ronaldão mora em Campinas e tem uma fazenda em São José do Rio Preto. Tem um seringal e exporta látex. Também trabalha com locação de imóveis e aplica na Bolsa de Valores. Com sensatez. Recomenda ações da Petrobrás. “Apesar desse governo e desse presidente, as ações da Petrobrás ainda são fortes”. É preciso cuidar bem dos investimentos em tempos de pandemia. No futebol também. Ronaldão fala sobre São Paulo e Ponte Preta, times que defendeu. E a receita é a mesma.
“A base é a solução. A Ponte sempre foi um clube formador. Precisa recuperar a característica. O São Paulo tem mais estrutura, mas também precisa ter cuidado com gastos. A pandemia vai prejudicar muito os clubes que estão com problemas, como o Cruzeiro”. Sem receita, sem público, sem bilheteria, sem patrocinadores… É hora de reabrir, de voltar a jogar? “Não, de jeito nenhum. Futebol é jogo de contato e o risco é grande. Só dá para voltar com uma logística boa, com muitos testes. Do jeito que está, com esse governo, não.”.
Ronaldo, filho de Ronaldão, estuda Administração de Empresas em Miami, na Universidade de Berry. Está no Brasil por causa da pandemia. Voltará em breve para fazer o último semestre e se firmar. Se estivesse nós Estados Unidos, no auge das manifestações antirracistas, Ronaldão estaria, sim, preocupado. “Mas sem medo. Tem de encarar a realidade e enfrentar, embora nunca se saiba como será a abordagem de um policial, como foi essa covardia contra o Floyd. Isso tudo precisa terminar. Não dá mais”. Amém.
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