Sem soluções, sem título e sem técnico: saída de Diniz não resolve 1% dos problemas do São Paulo

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GloboEsporte

Alexandre Lozetti

Se a resposta para o substituto for “aquele que aceitar o desafio”, a mudança começa mal.

Nenhum dos postulantes ao título brasileiro praticou um futebol mais sedutor do que o produzido pelo São Paulo entre meados de outubro e dezembro. E nenhum jamais jogou tão mal quanto o mesmo São Paulo faz em 2021. A equipe deverá terminar o campeonato numa colocação até acima da que se esperava deste elenco, mas a queda vertiginosa de desempenho, do pico ao fundo do poço, custou o emprego de Fernando Diniz.

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Noutro país, onde expectativa e realidade se alinham de maneira mais honesta, Diniz poderia até emplacar mais uma temporada no Morumbi. No Brasil, sua demissão tornou-se aceitável após 17 meses em que o sonho do improvável título só se tornou possível pelo seu bom trabalho, e virou pesadelo numa derrocada acentuada na reta final.

O problema é que o São Paulo aparenta não saber que caminho deseja trilhar.

Nessa longa fila de conquistas, os dirigentes tricolores jamais deram qualquer sinal de compreensão da complexidade do processo de pensar e fazer futebol. Ele sempre se resumiu à escolha do treinador e análise de resultados. Se o presidente Julio Casares e sua imensa – não é sinônimo de qualificada – equipe de comando do futebol optaram pela demissão simplesmente por não quererem mais Fernando Diniz, trata-se de um equívoco.

Fernando Diniz foi demitido nesta segunda-feira, após derrota para o Atlético-GO — Foto: Reprodução/Twitter

Fernando Diniz foi demitido nesta segunda-feira, após derrota para o Atlético-GO — Foto: Reprodução/Twitter

O substituto será brasileiro? Português? Doutro país da América do Sul? Jovem? Veterano? Com que tipo de metodologia? Ofensivo? Reativo? Com que perfis de elenco ele teve sucesso na carreira? Se a resposta para o substituto for “aquele que aceitar o desafio”, começa mal.

Ao longo da “era Diniz”, findada nesta segunda-feira, criou-se falsas teses a respeito de seu trabalho. A mais corriqueira sobre haver um único jeito de jogar. Ele sempre buscou a imposição pela posse de bola, com passes predominantemente curtos, que exigiam movimentação constante de jogadores. Mas os meios de produção mudaram com frequência.

Diniz usou um atacante de velocidade, depois dois, até não sobrar nenhum. Tirou os zagueiros titulares, improvisou um lateral na posição, depois refez a dupla experiente. Atuou com ou sem um volante de essência defensiva. Nos últimos 30 dias, não houve mais boas soluções. A gestão de crise foi ruim, tanto nas sutis tentativas de mudanças em campo, como no destempero com Tchê Tchê.

A formação mais brilhante teve dois meio-campistas atuando pelos lados do campo – Gabriel Sara e Igor Gomes –, de pés trocados, o que estimulava ainda mais o afunilamento do jogo nas ações ofensivas. O São Paulo recebia a bola e vinha para dentro, onde se deparava com uma barreira de adversários e não conseguia evoluir.

Qual foi a solução? Aglomerar jogadores no setor da bola. Os dois meias sempre próximos entre si, e de Daniel Alves, de um lateral, de um atacante. A troca rápida de passes gerou, de maneira encantadora, os espaços que o time não era capaz de criar sem velocistas e dribladores.

Em 2021, o São Paulo voltou a ser um time de pouca movimentação e aproximação, defeito letal no contexto de um repertório bastante restrito de características individuais e coletivas.

Daniel Alves deveria ter tido um descanso estratégico — Foto: HEBER GOMES/AGIF - AGÊNCIA DE FOTOGRAFIA/ESTADÃO CONTEÚDO

Daniel Alves deveria ter tido um descanso estratégico — Foto: HEBER GOMES/AGIF – AGÊNCIA DE FOTOGRAFIA/ESTADÃO CONTEÚDO

Por que isso aconteceu? Nem todas as respostas estão evidentes. Se o time perdeu totalmente a confiança depois de ser eliminado pelo Grêmio em jogos equilibrados na semifinal da Copa do Brasil, evidencia-se um despreparo mental frustrante num time treinado por um psicólogo – Diniz é formado em Psicologia.

Não é normal que a menos brutal das eliminações, se comparada às do Paulistão, para o Mirassol, da Libertadores, ainda na fase de grupos, e da Sul-Americana, com um gol vadio do Lanús nos acréscimos, tenha o efeito de um peteleco na carta-base do castelo e faça tudo desmoronar.

Mas desmoronou, e ninguém pareceu ter o tamanho que exigia o momento: nem Diniz nem os jogadores, tampouco os dirigentes em transição da gestão Leco para a Casares.

O desfalque de Luciano escancarou lacunas do elenco, mas seu impacto também parece ter sido desproporcional. A sequência abalou a confiança a ponto de, nos últimos jogos, os atletas pouco se movimentarem, aparentemente preocupados em estarem posicionados para se reorganizar defensivamente no momento da perda da posse de bola.

Nesse cenário, também sucumbiu Daniel Alves, alicerce do crescimento. Seria impossível um jogador de 37 anos participar de todos os jogos de maneira intensa, sempre perto da bola, opção de passe, e não perder rendimento quando os companheiros começassem a se espaçar no campo. Daniel deveria ter tido descansos estratégicos ao longo da temporada, e uma leitura melhor do momento para simplificar o jogo, em vez de insistir em passes imaginários.

Trocar Fernando Diniz por um interino à essa altura não pode impedir a nova gestão de tentar entender sua parcela de responsabilidade na perda do título.

Do expurgo do gerente Alexandre Pássaro, que tratava de salários atrasados e impedia bizarrices como o desfalque de Juanfran contra o Bragantino, por um atraso no acerto financeiro de seu novo contrato, ao criminoso atentado de origem suspeita ao ônibus da delegação antes de enfrentar o Coritiba, passando pelo abarrotamento de conselheiros no comando do futebol, há um pedacinho de culpa para todo mundo.

O São Paulo não tem atacantes de velocidade, volantes rápidos, zagueiros que consigam construir o jogo e um centroavante de imposição física. Agora, não tem treinador.

Não tem uma quantidade razoável de profissionais, em todas as categorias, que saibam fazer futebol. São poucos analistas de desempenho, de mercado, estatísticos, é pouca inteligência. Não tem Ciência. A estrutura do centro de treinamento do time principal é velha, decadente. A base ainda ganha títulos, mas não acompanha os processos mais modernos. Não há dinheiro. Os novos diretores de outras áreas ainda não sinalizaram a que vieram. Mas há conselheiros e abnegados, aos montes.

A saída de Fernando Diniz não resolverá nem sequer 1% dos problemas tricolores. O plano a ser estabelecido e executado a partir dela será mais importante do que a troca pela troca.

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