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Alexandre Lozetti
Rogério Ceni toma decisão arriscada ao voltar. Coisa de quem é maluco pelo Tricolor…
No looping em que vive o São Paulo Futebol Clube, este é o momento em que o clube vaza notícias sobre problemas do ex-técnico – os jogadores não gostavam, os métodos eram retrógrados, o relacionamento era ruim, etc, etc… – e exalta qualidades do substituto – treinos revolucionários, grupo animado, trabalha até de madrugada, e por aí vai.
Até que os exaltados acabam humilhados, alguns um dia voltam e são exaltados novamente, à espera da próxima humilhação. O interessante, dessa vez, é que o tamanho dos personagens temperou o roteiro batido com ingredientes folhetinescos: paixão, amor, ciúme…
Apesar do desempenho oscilante, ótimo no início e tenebroso na reta final, Hernán Crespo conquistou o torcedor pelo envolvimento com a causa, o tesão similar ao demonstrado quando centroavante e, logicamente, o título paulista que pôs fim ao martírio de oito anos sem conquistas.
Em questão de minutos, repentinamente, essa paixão que só teve direito a um encontro no Morumbi, com público pequeno, limitado pela pandemia e pela incompetência da direção na venda de ingressos, foi substituída por um velho e eterno amor: o maior nome da história do São Paulo.
Rogério Ceni no treino do São Paulo — Foto: Rubens Chiri / saopaulofc
Rogério Ceni estreou como técnico no seu time, em 2017. Foi chutado de maneira lamentável pela gestão anterior e, desde então, protagonizou o agigantamento do Fortaleza, participou rapidamente, numa decisão equivocada, da derrocada do Cruzeiro e conquistou seu maior título, o brasileiro pelo Flamengo, numa passagem conturbada e que provocou ciúmes nos “ex”.
Ceni disse que a atmosfera rubro-negra era diferente da que ele vivera por 25 anos no Morumbi. Houve quem se sentisse atingido por quem mais se doou ao São Paulo em 91 anos de existência. Um tanto injusto, mas como julgar uma crise numa relação amorosa?
Rogério estava decidido a não trabalhar mais em 2021. Disse isso a mais de um dirigente que o procurou desde a saída do Flamengo. Mudou de ideia porque o chamado veio do São Paulo. Até mesmo a novos amigos, feitos noutras equipes, Ceni confidenciou o desejo que tinha de voltar ao Morumbi. Ele é maluco pelo Tricolor. Talvez, literalmente. Voltou, numa decisão arriscada.
Primeiramente, porque trabalhar no São Paulo deveria exigir capacetes e equipamentos de proteção a quem visita territórios sujeitos a desabamentos. O clube mais antidemocrático do país, neste primeiro ano sob nova direção, encheu o departamento de futebol de conselheiros, incrementou com dois profissionais e estabeleceu uma miscelânea sem muito sentido e que pouco efeito teve na necessária modernização do processo de fazer futebol.
Rogério Ceni conversa com o elenco do São Paulo — Foto: Rubens Chiri / saopaulofc
Ainda há poucos analistas de desempenho, pouco trabalho com dados e informações, o CT da Barra Funda é ultrapassadíssimo – não só pelos equipamentos velhos do Reffis, mas também em estrutura física, vestiários, alojamentos, etc – e muitos amadores sem conhecimento têm poder de decisão.
Como agravante, o time parece fisicamente destruído a essa altura da temporada. Inegavelmente, a decisão de emendar temporadas sem férias e tratar o Paulistão como Copa do Mundo – sim, Crespo foi demitido mesmo ganhando a Copa do Mundo do diretor Carlos Belmonte – colaborou para o excesso de lesões, mas também não se pode isentar os métodos da comissão técnica argentina, que não tinha, na vida real, o entrosamento das redes sociais.
O elenco do São Paulo não é tão bom quanto se diz por aí. É incompleto, desequilibrado. Falta velocidade e potência. A carência é antiga. Mesmo assim, a direção investiu em reforços que não preenchiam as necessidades óbvias da era Diniz.
Rogério adora ter velocidade, embora o Flamengo tenha oferecido a ele a experiência de escalar um time mais técnico do que veloz. Ok, que técnica, não?! Compensava carências.
A não ser que tire cartas da manga – e não se pode duvidar da simbiose entre este homem e este clube –, Ceni terá que conquistar pontos (15, a princípio) com um elenco sem forças. Também é verdade que grande parte deste elenco parecia não ter, de fato, apreço pelos métodos de Crespo.
Ainda assim, bem ou mal, gostem ou não, o argentino está na história. Tirou o São Paulo da fila. Isso não é pouco e se tornará maior com o passar do tempo, principalmente se o clube se mantiver na inércia e as taças se tornarem definitivamente raras. É provável nas mãos dos nobres conselheiros.
Para ter a longevidade que deseja, Rogério terá de saber lidar com as nuances de um São Paulo do qual ele gostaria de ser dono, como disse ao ge na véspera de sua aposentadoria, em 2015, e que tem potencial para decepcioná-lo com alguma frequência. Também será aconselhável um trabalho menos personalista, cercado de pessoas suficientemente capazes de debater no seu nível de entrega e conhecimento. Analistas, auxiliares, gente do futebol, atualizada.
Ao são-paulino, cansado de trocas e da sensação de andar em círculos, sugiro manter a paixão e a gratidão pelo argentino, e reacender o amor pelo ídolo histórico, até porque ele já mostrou ser competente por onde andou.
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