Jogadores alegam violações da Lei Pelé e pedem reparação de danos na Justiça; desenvolvedora de game argumenta que fez licenciamento coletivo com federação de atletas
Jonathan Calleri e Rafinha, jogadores do São Paulo, estão processando a EA Sports, desenvolvedora do game EA SPORTS FC (chamado de FIFA até a edição 2023), por supostas violações de direitos de imagem e pedem indenizações de R$ 35 mil e R$ 200 mil, respectivamente, segundo processos em tramitação no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), ainda sem decisões finais.
Os jogadores dizem que suas imagens são utilizadas pela EA Sports na franquia de jogos de futebol sem que eles tenham um contrato individual estabelecido com a produtora americana.
Calleri e Rafinha argumentam que não deram autorização para a utilização de suas identidades no jogo, o que seria uma violação da Lei Pelé, que protege os direitos de imagem dos jogadores de futebol no Brasil. O artigo 87-A da lei exige que seja firmado um contrato de natureza civil com o atleta para permitir a exploração comercial de sua imagem.
A EA alega nos processos que possui contratos coletivos vigentes com empresas como a FIFPro (Federação Internacional dos Jogadores Profissionais de Futebol) que a permitem retratar fielmente atletas, clubes e ligas, e por isso utilizou as imagens, nomes e atributos físicos de Calleri e Rafinha em épocas em que os dois ainda não jogavam no Brasil. Eles atuavam em clubes argentinos e europeus ao longo dos anos em que foram retratados no antigo FIFA.
— Os jogadores entendem que sua imagem é um direito personalíssimo e que sua utilização para fins econômicos deve ser remunerada, o que não ocorreu. A autorização emitida pela FIFPro não atinge o direito pessoal de cada atleta, sendo que essa autorização deve ser individual e pessoal — alegou o advogado dos jogadores, Joaquín Gabriel Mina, ao ge.
Segundo os processos, as supostas violações teriam ocorrido em edições anteriores do game: Calleri reclama que imagem, nome e atributos físicos apareceram nos FIFAs de 2015 a 2021; já Rafinha, nos FIFAs de 2008 a 2019 e 2021 e nos FIFA Manager de 2008 a 2014.
Na visão da defesa dos jogadores, as edições reclamadas ainda estariam dentro do prazo de prescrição, que é de três anos, por serem comercializados até hoje – em vendas físicas no varejo ou via GamePass (serviço de assinatura de jogos eletrônicos da Microsoft) – e ainda gerarem lucro à empresa.
Nas edições dos jogos FIFA mencionados nos processos, Calleri jogou por All Boys e Boca Juniors, da Argentina, West Ham, da Inglaterra, e Las Palmas, Alavés, Espanyol e Osasuna, da Espanha. Já Rafinha atuou por Schalke 04 e Bayern de Munique, da Alemanha, Genoa, da Itália, e Olympiacos, da Grécia.
O processo do atacante são-paulino contra a EA Sports foi protocolado em abril deste ano, e o do lateral corre desde agosto de 2022. Ambos ainda sem decisão de primeira instância.
Para legitimar o pleito, os processos também utilizam como base ações judiciais de outros jogadores contra a EA que já estão mais avançadas, tramitando em terceira instância, no Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Segundo Mina, são diversos os casos de atletas processando produtoras de jogos por irregularidades de direitos de imagem. Está no STJ um instituto de demandas repetitivas para chegar a uma decisão que será aplicada a todos os casos dessa natureza.
Procurada pelo ge, a assessoria de imprensa do Calleri disse que o jogador não irá se pronunciar sobre o caso. O ge também contatou as assessorias de imprensa de Rafinha e da EA Sports, que não responderam aos pedidos de comentário até a publicação desta reportagem. Caso se manifestem, as respostas serão incluídas no texto.
A partir da edição 2022 do FIFA, Calleri e Rafinha não aparecem mais no jogo, porque jogam no Brasil desde então, e a EA não tem licenciamento de times brasileiros.
Direitos de imagem no FIFA
O EA FC (antigo FIFA) é o jogo de videogame de futebol mais vendido, e no game são retratados os maiores clubes e ligas do mundo, assim como seus jogadores. Isso acontece mediante contratos de utilização de imagem celebrados entre a EA Sports e os jogadores, clubes e ligas.
Na Europa e em outros lugares do mundo esses direitos são negociados de forma coletiva, porque a EA tem parceria com o FIFPro, o sindicato internacional de jogadores, com 66 mil jogadores e 66 países associados, segundo a instituição.
No Brasil, por causa da Lei Pelé e em razão da ausência de uma liga, os direitos de imagem têm que ser negociados individualmente com os jogadores e clubes, o que acaba inviabilizando a operação – por isso os clubes brasileiros não aparecem no jogo.
Globo Esporte