O desperdício de talentos no futebol é corriqueiro. Quando o jogador sai das categorias de base no Brasil é lhe cobrado comportamento de craque e adaptação imediata às exigências do futebol profissional. O mesmo acontece com atletas recém contratados pelos clubes, que vieram de equipes do interior, e rapidamente são instigados a render como talentos, vestindo camisas pesadas. O resultado dessa cobrança pode ser a descoberta de ídolos ou o fracasso definitivo de um jogador para o mundo do futebol. Nosso imediatismo é cada vez mais claro o motivo da ausência de valores individuais no País. Precisamos descobrir um meio-termo para evoluir. O princípio não é meu, mas esse equilíbrio entre a virtude dos vícios do excesso e do defeito foram defendidos pelo grego Aristóteles, mais de 300 anos a.C.
Somente os brilhantes jogadores, aqueles que vão fazer a diferença no futebol Mundial, conseguem sair de uma categoria de base jogando tão bem quanto os profissionais. Por essa razão os torcedores começam a demonizar alguns atletas, que não conseguem o seu desenvolvimento pleno devido à falta de sequência, à falta de confiança e à pressão sofrida pela direção do clube. O nosso caso mais recente é do zagueiro Lucão. Líder nas categorias de base, capitão e grande coordenador defensivo do time à época. Chegou ao profissional e teve dificuldades comuns, mas até o momento não lhe foi dada tranquilidade pra trabalhar. É motivo de piadas quando especulado interesse internacional em seu futebol e justamente por isso Alemanha e Espanha estão hoje em nossa frente: porque têm paciência em trabalhar o jogador, encontrar o meio-termo.
Bons exemplos de que é necessária tranquilidade, equilíbrio e oportunidade estiveram na base Tricolor no passado. O volante Hernanes atuou em quase todas as funções nas categorias inferiores. Por ser ambidestro foi lateral direito e esquerdo, volante e meia. Não conseguia render no profissional. Foi emprestado ao Santo André, em 2006, e voltou pra ser talvez o jogador mais importante da conquista de pelo menos dois Campeonatos Brasileiros (2007-2008). Outro exemplo de que santo de casa faz milagre: Edmílson. Ficou seis anos no São Paulo, de 1994 a 2000, antes de se transferir para o Lyon-FRA. Jogou de lateral-direito e volante, quando foi extremamente criticado, até começar a brilhar em meados de 97: dentro do clube. Mais tarde virou zagueiro, fez gol de bicicleta em Copa do Mundo, quando sagrou-se campeão em 2002.
Jogadores do interior
Não é só a base do São Paulo que merece paciência e tranquilidade. O mesmo ocorre com jogadores vindos do interior e de outros centros do País. Nem todos tem uma adaptação imediata, como teve o atacante José Rogério, no elenco atual. Ao centroavante Ytalo, recém-contratado, por exemplo, é preciso dar espaço para adaptação. O jogador, ao meu ver, fez uma excelente estreia, ajudando bastante na marcação ofensiva. Não podemos colocá-lo naquela lista de demonizados, e nenhum outro jogador do clube. Temos que aprender a entender o futebol, antes de comentá-lo. Ou tentar, em meio à passionalidade.
Exemplo claro do que digo é Centurión. O técnico Edgardo Bauza, bi-campeão da Libertadores e experiente no comando de equipes Sulamericanas, deu diversas oportunidades ao jogador. Foi bombardeado por críticos especializados, que acham que sabem tudo. Concordo totalmente com Bauza. O jogador é um menino de 23 anos, que enfrenta problemas graves em tenra fase da vida e ainda busca ascender no futebol profissional. Foi campeão meteoricamente com o Racing, sendo destaque da equipe, com a maior prova de que é um verdadeiro talento.
As respostas de Centurión já começam a aparecer. Teve uma atuação brilhante contra o Toluca-MÉX, na vitória por 4 a 0; além de outras boas atuações quando lhe foram dadas oportunidades e tranquilidade pra trabalhar. Na Libertadores, tem nos ajudado desde sempre. Em 2015, fez um gol decisivo contra o Cruzeiro nas quartas-de-final, na partida do Morumbi.
O caso do goleiro Dênis ainda é mais delicado. Para um goleiro pegar a confiança necessária de dominar a meta de uma equipe precisa de jogos, sequência, tempo de bola e confiança. Nosso goleiro só teve isso aos 28 anos, por conta da presença de um ídolo que se cuidou e jogou por muito tempo. Não é fácil substituí-lo. Como não foi fácil para Rogério Ceni substituir Zetti. Pelo contrário. As críticas foram parecidas, em relação à saída de bola e chegaram ao auge quando tomou um gol olímpico de Marcelinho Carioca. Pouca gente lembra, mas este jogador contestado virou Mito.
Isso aconteceu com Raí e Rogério Ceni.
Não podem bons jogadores chegarem ao São Paulo marcados para vender. E, sim, para render.
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Alexandre Velame é Jornalista e Advogado, são-paulino há quase três décadas e usuário da SPNet desde 1997. Escreve nesse espaço aos domingos.
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Muito bom argumento levantado. Somente jogadores realmente fora de série (esses que surjem 1 no Brasil a cada 5, 10 anos) conseguem se destacar jogando nos profissionais com 18 anos ou menos. A grande maioria dos jogadores bons demora um pouco mais para se adaptar aos rigores dos profissionais. Tem também a questão de adaptação a um novo clube, o próprio Raí chegou ao SPFC em 1987 mas começou a se destacar mesmo a partir de 1990-1991. Imagine o que seria da nossa história se o time não tivesse tido paciência com ele… Principalmente em posições de defesa (goleiro, zagueiros), onde o jogador falha 2-3 vezes e já é crucificado, é difícil encontrar jogadores muito jovens de grande destaque. Nessas posições, conta muito a experiência, ou vc acha que o Maicon era esse monstro que é hoje com 18 anos??? Não, ele fez categoria de base no Cruzeiro e jogou alguns anos sem grande destaque em clubes pequenos até ir pro Porto e ganhar o seu espaço.
Lemonz05.. é isso ai. Sorte que tivemos o Telê para identificar isso.
Ótima coluna! Com idéias claras e de quem entende não só de futebol, mas domina a escrita também.
Muito obrigado Reinaldo…