Rei Raí faz chover no Morumbi. Pobre Cruzeiro
O Memórias de um Gigante de hoje recorre aos arquivos para trazer uma vitória marcante do nosso Mais Querido diante da Raposa. E já faz tempo, muitos de vocês nem eram nascidos. Eu, com 14 anos, tive o prazer de assistir a um dos gols mais belos da maravilhosa carreira do Rei Raí Souza Vieira de Oliveira.
Campeonato Brasileiro de 1989. O final dessa competição não nos traz boas recordações, mas isso fica de lado. No dia 20 de novembro daquele distante ano, o São Paulo Futebol Clube, do treinador Carlos Alberto Silva, entrava em campo em um Morumbi molhado pela incansável chuva que caia pelos arredores do nobre e charmoso bairro. A partida era válida pela quarta rodada do segundo turno do Grupo A. E a nossa equipe precisava vencer a todo custo, pois só o campeão da chave faria a final.
Apenas 9.781 pagantes foram ao gigante de concreto naquela tarde bucólica. O torcedor, desconfiado pela moderada campanha do São Paulo, começou a acreditar na possibilidade de voos mais altos após o duelo diante do clube mineiro, que na época era comandado pelo falecido treinador Ênio Andrade.
Ao ensopado gramado, o técnico Carlos Alberto Silva, que tinha levado à equipe ao título do Paulista de 89, levou a campo Gilmar; Neto, Adilson, Ricardo Rocha e Nelsinho; Flávio, Bobô e Raí; Mário Tilico, Nei e Edvaldo. Já os mineiros encaravam o Tricolor com Paulo César; Balu, Gilson Jader, Adilson e Eduardo; Ademir, Andrade e Careca; Betinho, Hamilton e Édson. A arbitragem ficou a cargo de Wilson Carlos do Santos.
A equipe do Morumbi sabia que o jogo seria duro. Durante a semana, o Carlos Alberto Silva havia alertado os seus atletas de que o Cruzeiro teria que receber uma marcação implacável, pois a equipe mineira vinha embalada por três vitórias seguidas; duas, inclusive, fora de casa.
E os tricolores acataram o pedido do treinador e partiram para cima do time azul. Os cruzeirenses foram sufocados no meio-campo e o São Paulo, bem postado em campo, comandou a partida com autonomia. Mesmo com o gramado pesado, os tricolores trocavam passes rápidos, intensos, bonitos, comandados por Raí e Bobô. Aos 30, uma bela jogada resultou no primeiro tento são-paulino. Mário Tilico desceu pela direita, passou pelo veterano Eduardo, sofreu a falta na sequência do lance mas levou vantagem e serviu o garoto Nei (qual o desse rapaz?), que entrava pelo meio. O centroavante recebeu a redonda, driblou dois adversários com altivez, e penetrou na área adversária. Na saída de Paulo César, só tocou para o barbante: 1 a 0.
Vencendo a partida, o São Paulo voltou mais moderado na segunda etapa. Ficou postado atrás, dando e cedendo campo para a Raposa acreditar e buscar, com perigo, as jogadas de ataque. O Tricolor recorreu à tática mortal dos contragolpes.
A equipe mineira começou a apertar os donos da casa, criando muitas chances de empatar a partida. A melhor delas foi quando Careca desceu um pouco pela esquerda, passou por três adversários e ajeitou na medida para o ponta Édson finalizar, mas a bola passou à esquerda de Gilmar. Os mineiros estavam atrevidos e o gaúcho Ênio Andrade resolveu arriscar tirando o volante Andrade para a entrada do atacante Heider.
O torcedor do São Paulo começou a vislumbrar o pior. Sua equipe, mesmo depois da entrada do ponteiro Paulo César (no lugar de Edvaldo), continuava a dar espaços para a equipe celeste. A angústia tomou conta das arquibancadas. O Cruzeiro crescia…
Porém, aos 37 minutos da etapa final, brilhou a estrela do Rei. E o gol marcado por esse atleta, que vestia a gloriosa camisa são-paulina pelo segundo ano seguido, não foi um gol qualquer. Foi uma obra de arte, daquelas de dar inveja ao mais nobre renascentista. O camisa 10 do Mais Querido recebeu a gorducha na entrada da área. Com a visão de uma águia e com uma precisão cirúrgica irretocável, Raí olhou para Paulo César e mandou a bola por cobertura, de mansinho. Ela, a adorada redonda foi majestosa, fez a parábola, e morreu no fundo do gol dos mineiros. Alívio no Morumbi!
O garoto de Ribeirão Preto correu para o fosso, próximo das numeradas inferiores (hoje, geral azul), e num gesto incontido abraçou aos muitos torcedores que lá se encontravam. Uma cena memorável. “Choveu muito e os torcedores não deixaram de incentivar. Fiquei com vontade de ir até a torcida”, disse o meia após o jogo. Mal sabia ele que a sua trajetória de glória mal tinha começado no Morumbi. Um jogo inesquecível.
Ficha
São Paulo 2 x 0 Cruzeiro
Campeonato Brasileiro de 1989 – Quarta rodada da segunda fase
Local: Estádio do Morumbi, São Paulo (SP)
Data: 19 de novembro de 1989
Arbitragem: Wilson Carlos dos Santos, auxiliado por Jorge Emiliano dos Santos e Edie Rios
Gols: Nei, aos 30 minutos do primeiro tempo e Raí, aos 37 minutos da etapa complementar
São Paulo: Gilmar; Neto, Adilson, Ricardo Rocha e Nelsinho; Flávio, Bobô e Raí; Mário Tilico, Nei (Bernardo) e Edvaldo (Paulo César)
Técnico: Carlos Alberto Silva
Cruzeiro: César; Balu, Gilson Jader, Adilson e Eduardo; Ademir, Andrade e Careca; Betinho, Hamilton e Édson.
Técnico: Ênio Andrade
César Hernandes, o Cesinha, tem 40 anos e muitos deles vividos com emoção por ter sido testemunha ocular de tantas conquistas do Tricolor. Jornalista de formação e historiador por devoção, crê que é importante preservar a memória são-paulina com textos e imagens que servirão de inspiração para as novas gerações. Escreve nesse espaço todas as sextas-feiras.