Aos 41, M. Paraíba se vê capacitado para jogar por qualquer time da Série A

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Marcello De Vico e Vanderlei Lima – UOL

Aos 41 anos, Marcelinho Paraíba defende hoje mais um clube em sua já longa carreira como jogador profissional – cerca de 25 anos. Ele foi emprestado pelo Inter de Lages ao Ypiranga de Erechin, clube o qual ajudará a conquistar o acesso na reta final da Série C. Mas e as Séries A e B? Ainda poderiam contar com o futebol do ex-são paulino? Nas palavras do próprio jogador, sim. Bem fisicamente e ‘puxando a fila dos meninos’ por onde passa, ele ainda se vê totalmente capacitado para defender qualquer clube brasileiro.

“Com certeza [jogaria na Série A ou B]. Eu falo isso porque o meu condicionamento físico é muito bom, os preparadores físicos que trabalham comigo e trabalharam podem falar melhor do que eu. E, tecnicamente, com o que hoje eu vejo no futebol, tanto na Série A como na B,  eu tenho certeza que posso e tenho condições de jogar em qualquer time”, disse o experiente Marcelinho Paraíba em entrevista exclusiva ao UOL Esporte.

Apesar dos 41 anos de idade, Marcelinho Paraíba ainda se vê como um jovem fisicamente. E tem motivos para isso, já que nunca precisou conviver com uma lesão sequer na carreira.

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“Eu acho que é a genética, não só a minha, mas tem o Zé Roberto, o Magno Alves. A gente gosta do que faz. Eu, especificamente, amo a minha profissão. Um fator que tem me ajudado muito também é que eu não tenho histórico de lesão. Nunca me machuquei na vida. Eu nem sei o que é fisgada, distensão, essas coisas, nunca tive nenhuma. Nunca operei, treino, então isso facilita. Tenho aquele cansaço normal depois de um treino forte, você cansa. Até os meninos mais jovens cansam. Mas logo que eu deito e descanso eu já estou pronto para outra jornada. Então é isso aí que faz com que eu continue jogando até hoje”, acrescenta.

Já ‘bem de vida’ e bem resolvido financeiramente, Marcelinho Paraíba não vê o dinheiro como algo que o motive a seguir em frente na carreira. E credita isso ao amor que tem pelo futebol.

“Se eu parasse hoje de jogar futebol a questão financeira não iria me atrapalhar. Tem como eu tocar a minha vida tranquilamente daqui para frente, mas o amor e a paixão de estar nos campos, o dia a dia de treinamentos… Eu gosto disso, entende? Eu tenho prazer de fazer isso. Lógico que a gente ganha um dinheiro, mas isso não é o fator mais importante pra mim”, diz.

‘Puxando a fila’ dos meninos

Nada de treino específico para o ‘vovô Marcelinho’. Paraíba conta que ainda acompanha o ritmo dos meninos durante os treinamentos. E mais que isso. ‘Puxa a fila’ das atividades e, quando precisa, até dá umas broncas nos mais preguiçosos.

“Eu brinco, mas não só brinco como cobro também. Eu cobro mais do que brinco porque, às vezes, não são todos. Às vezes você tem um ou outro que é preguiçoso, fica sempre reclamando de alguma coisinha, alguma dorzinha que está treinando muito, então eu cobro mais do que brinco porque eu falo: ‘Poxa, eu com 41 anos estou fazendo, puxando a fila aqui e não estou reclamando e você com 20 anos vai ficar reclamando’? Então eu procuro cobrar mais. Lógico, cobrar no sentido de incentivar, não para querer diminuir a pessoa”, afirma.

“Eu treino normal, como se estivesse começando a carreira, junto com o grupo. O que eles fazem no dia a dia eu faço, não tem preferência de treino especifico nenhum pra mim. Eu não sinto nada, consigo fazer tudo normal, inclusive eu procuro sempre estar na frente puxando a fila, motivando os meninos mais jovens para dar exemplo também. Lógico que, depois de uma partida, no outro dia sempre é a recuperação. Eu procuro dar um pouco de atenção nisso, mas quando inicia os treinos durante a semana eu treino normal igual a todo mundo”, acrescenta.

Vice pelo São Paulo ainda não saiu da cabeça

Revelado pelo Campinense, Marcelinho Paraíba teve o Santos como primeiro clube grande em sua carreira. Ainda jovem, teve poucas chances, foi vendido para o Rio Branco e, depois, enfim teve pela frente um gigante por onde conseguiu desempenhar seu futebol: o São Paulo. Lá, virou titular depois da saída de Denílson para o Betis e conquistou dois títulos: os Paulistas de 1998 e 2000. Ficou muito perto de dar ao time tricolor o único título que lhe falta, o da Copa do Brasil, mas uma derrota para o Cruzeiro nos minutos finais impediu esse feito. Foram dias sem dormir e, até hoje, ele ainda recorda detalhes da decisão, em 2000 (vídeo acima).

Wander Roberto/Vipcomm

“Foi um jogo que até hoje eu não esqueci. Eu não esqueço porque nós perdemos um título ali nos últimos minutos. A gente tinha uma equipe muito forte. O Cruzeiro também tinha, mas o São Paulo estava muito bem no jogo. A gente jogava por um empate com gols; eu consegui fazer o gol de falta, então taticamente estava liquidada a parada, e faltando alguns minutos o Cruzeiro fez dois gols e tirou o nosso título que até hoje está engasgado”, recorda.Marcelinho, inclusive, por pouco não recolocou o São Paulo como campeão em um lance no fim da partida. Mas sua cabeceada parou nas mãos de André.

“Teve no último lance a minha cabeçada que o goleiro André, rápido demais, conseguiu fazer uma ‘defesaça’. Depois eu não consegui dormir, estava passando um filme na minha cabeça, os lances do jogo, e até hoje eu lembro. É o título que faltava para o São Paulo e foi a única vez que o São Paulo chegou à final de uma Copa do Brasil até hoje”, acrescenta Paraíba.

Técnico que não gostava de brasileiros na França

Depois do São Paulo, Marcelinho Paraíba deixou o Brasil pela primeira vez para defender o Olympique de Marseille, clube francês. Mas a passagem por lá durou pouco, tudo por conta de um técnico que não ia muito com a cara de jogadores brasileiros, como explica o jogador paraibano.

“O São Paulo me vendeu e eu fui para o Olympique de Marseille. Quando eu cheguei lá eu tive dificuldade na língua, tive dificuldade na adaptação… Logo no início foi bom porque era o treinador Abel Braga, mas ele não ficou muito tempo, caiu, foi dispensado, e aí veio o treinador espanhol Javier Clemente. Ele não gostava de jeito nenhum de brasileiro porque já tinha brigado com o Denílson no Betis, e quando ele chegou já foi falando para mim e para o Adriano Gabiru que não gostava de brasileiro. Então eu já vi que a gente não ia jogar lá. Eu era o titular e depois comecei a ficar na reserva, aí eu resolvi voltar para o Brasil”, conta.

Encontro com Tite, um dos melhores

Eduardo Knapp/Folhapress

Após deixar a França, Marcelinho retornou ao Brasil para defender o Grêmio, em 2001. No clube gaúcho, teve a experiência de ser comandado pelo ainda pouco conhecido Tite, que comandava pela primeira vez um time grande e de quem virou um grande admirador. A passagem foi curta, de meio ano, mas bastante vitoriosa: título do Campeonato Gaúcho e da Copa do Brasil, competição a qual havia perdido de forma dramática no ano anterior.”Em 2000 eu fui vice da Copa do Brasil, e na próxima oportunidade eu falei: ‘agora vai ter que vir, né’? [risos] Era um jogo muito difícil contra o Corinthians. Foi muito importante para mim este título e o Tite é o mesmo, mudou pouca coisa, para melhor claro, mas é o mesmo em termos de profissional, de caráter, de ser humano, e com o decorrer do tempo ele foi estudando mais e tecnicamente ele foi se aperfeiçoando. Mas como caráter, como ser humano e como pessoa ele é o mesmo, é um cara fora de série, muito motivacional com o grupo. Eram muito importantes as palestras dele quando a gente ia para o jogo, isso me marcou bastante. Não é porque hoje ele está na seleção brasileira, mas todo mundo me perguntava há tempos atrás e eu sempre falei: foi um dos melhores treinadores que eu trabalhei até hoje”, garante.

Idolatria na Alemanha e muito aprendizado

Marcelinho Paraíba sequer chegou a disputar o Campeonato Brasileiro de 2001 pelo Grêmio. Antes disso foi contratado pelo Hertha Berlin, clube alemão do qual virou ídolo e teve a oportunidade de aprender muita coisa que levou para toda sequência da carreira.

“Modéstia a parte, eu sou [ídolo do Hertha], graças a Deus. Eu fiz história lá. Fui muito bem no Wolfsburg [que defendeu entre 2007 e 2008], mas no Hertha Berlin foi marcante porque foram cinco anos de conquistas, de titularidade constante, fui o artilheiro do time, então eu só tenho lembranças boas do Hertha Berlin. Eu ganhei duas Copas da Alemanha. O Hertha era sempre o time que subia, descia e brigava pra não cair para a segunda divisão. E nos cinco anos que eu fiquei lá a gente sempre conquistou vaga para a Copa da Uefa. A gente sempre ficava entre quarto e quinto colocado, e agora o Hertha é um time que briga por títulos lá, então só teve crescimento depois da minha chegada”, conta Marcelinho, que ao mesmo tempo em que virou ídolo da torcida do Hertha, passou a ser fã do ‘modo alemão de ser’.

“Eu aprendi a ser um pouco mais profissional em relação a horários, porque lá, por ser brasileiro, tinha os costumes daqui: eu chegava atrasado em treinos, chegava atrasado em algumas coisas, só que foi passando o tempo e eu fui aprendendo. E, quando eu voltei para o Brasil, em todos os clubes que passei eu coloquei na minha cabeça: eu quero fazer o que os alemães fazem, treinar com intensidade. Até no alongamento eu procuro fazer com perfeição, porque isso vai me ajudar. E questão de horário principalmente… Hoje eu detesto chegar atrasado em treinos, em concentração, porque eu via que os alemães eram perfeitos em relação a isso, então depois que eu voltei de lá eu procurei fazer isso nos clubes”, acrescenta.

Título alemão na Copa de 2014 não surpreendeu

Ciente da capacidade de trabalho e da evolução da Alemanha no futebol, Marcelinho Paraíba diz não se surpreender com o título mundial conquistado pela seleção na Copa de 2014.

“Eu tinha certeza que se o Brasil pegasse a Alemanha na final ia ser muito difícil. Claro que eu torci para o Brasil, sou brasileiro… Mas eu falava para todo mundo: se a Alemanha chegar na final vai ser difícil para o Brasil, e aconteceu o que aconteceu, né? Eu fiquei sete anos lá e vi a maneira que eles trabalham, a seriedade, eles trabalham visando o amanhã, eles se preparam para aquilo, então não me surpreendeu em nada”, revela Marcelinho.

Acusação de estupro ainda incomoda

Já em 2011, quando atuava pelo Sport, Marcelinho Paraíba viveu seu pior momento na carreira. Não dentro de campo, mas fora dele, quando foi acusado de estupro no mês de novembro e detido em Campina Grande, na Paraíba, cidade onde nasceu. De acordo com o jogador, que prefere passar brevemente pelo assunto, tudo não passou de uma armação.

CHICO MARTINS/FUTURA PRESS/AE

“Eu fui vítima de uma armação. O delegado que me acusou inclusive estava comigo no meu sitio, bebendo comigo, e não foi a primeira vez, já tinha ido outras vezes com a mulher que estava junto com ele. Então, para mim, foi uma surpresa, surpresa dele fazer isso porque ele era um cara que já tinha ido várias vezes no meu sitio, eu já tinha encontrado com ele e com ela em outros lugares e a gente tinha uma relação boa. Eu acho que ele se alterou, bebeu demais neste dia, ela também, e eu fui vítima”, recorda Marcelinho.”Fui acusado de uma coisa injusta, tanto é que foi provado. Eu não fui condenado de nada, fui absolvido de todas as acusações. Hoje em dia ele não trabalha mais na minha cidade, Campina Grande (PB), porque viram que ele foi injusto comigo. Mas eu nem pretendo e gosto mais de falar disso”, acrescenta o jogador, que acabou sofrendo com o caso na sequência da carreira.

“Para mim foi horrível, porque repercutiu no Brasil todo. Mas eu estava com a minha consciência tranquila, a minha esposa sempre do meu lado, os meus filhos sempre do meu lado, eles sabem a pessoa que eu sou e o pai que eu sou. A minha esposa falou só para eu ter cuidado, para não confiar em todo mundo, principalmente quando a gente está em festa e essas coisas, mas que ela estava do meu lado. Ela sabia que tudo era mentira, ela me conhece, tanto é que nós somos casados há 23 anos e até hoje vivo com uma única mulher”, diz.

Marcelinho recorda ainda que as torcidas adversárias não perderam a oportunidade de pegar no seu pé por conta do episódio. “Continuei jogando no Sport, a torcida sempre me apoiando, mas a torcida adversária sempre ficava xingando, pegava no meu pé, querendo me desestabilizar. Tiveram vários jogos, mas não vale nem a pena falar”, acrescenta.

Carreira que segue… Mas até quando?

Nos últimos anos, Marcelinho Paraíba rodou por diversos clubes e não conseguiu mais retornar a um time de expressão para, por exemplo, disputar uma Série A. Algo que, em sua análise, facilitaria bastante a sua vida, assim como acontece com Zé Roberto no Palmeiras.

Divulgação / Inter de Lages

“Para ele ainda é melhor porque ele joga num time que tem qualidade técnica. O duro é você jogar num time que você tem que fazer a diferença, que você tem que correr mais, aí fica mais difícil ainda. E graças a Deus eu tenho feito isso já há alguns anos: eu vou para um time tecnicamente inferior, mas procuro correr, fazer a diferença tecnicamente, e tem dado certo. Mas se pegar um time que tem qualidade, igual ao Palmeiras, aí fica melhor”, analisa.Agora emprestado ao Ypiranga-RS até o fim do ano e com contrato até o final de 2017 com o Inter de Lages, Marcelinho ainda espera jogar futebol por um bom tempo. “Ah, eu não sei, mas acho que mais uns três anos ainda. Às vezes eu brinco e falo: ‘Quando o Zé Roberto parar eu paro’, mas ele não quer parar também [risos]”, brinca Marcelinho, que ao menos já sabe onde quer encerrar a carreira: “No Campinense, onde tudo começou, é o meu clube de coração”.