Escolas de torcidas trocam brigas no futebol por amizade no samba

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UOL

Adriano Wilkson

O Carnaval é talvez a única época do ano em que é possível ver um torcedor organizado do São Paulo fazendo festa ao lado de outro do Palmeiras ou do Corinthians. No desfile das campeãs de sexta-feira (8), a campeã e palmeirense Mancha Verde planeja uma ação surpresa em conjunto com a são-paulina e vice Dragões da Real.

Em entrevista ao UOL Esporte, diretores de ambas reconheceram o pioneirismo da Gaviões da Fiel, que começou a participar da Liga em 1989, a primeira torcida organizada a virar escola de samba e a primeira a ser campeã do carnaval paulista. “A Gaviões abriu a porteira lá atrás e permitiu que a gente chegasse. E nós chegamos para ficar”, afirmou Reginaldo Pereira, diretor de alegoria da Mancha.

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“A rivalidade natural que existe entre nós acontece só depois da linha amarela”, afirmou Renato Remondini, o Tomate, presidente da Dragões, em referência à marca do sambódromo do Anhembi que sinaliza o começo do desfile. “Antes disso todo mundo se ajuda e torce pelo sucesso. Ajudamos o pessoal da Gaviões e o pessoal nos ajudou. Sabemos o quanto é difícil fazer um Carnaval e a quantidade de sonhos que estão ali na avenida.”

Mais sobre as escolas de torcidas no Carnaval de SP:

O passado já deu mostras da relação amistosa entre as escolas oriundas de torcidas. Se no futebol os organizados brigam para roubar e destruir bandeiras e faixas de torcidas rivais, no samba os componentes costumam retirar seus adereços das arquibancadas do Anhembi para dar lugar ao material de outras escolas de torcidas. E se as torcidas do futebol criaram cânticos desejando sofrimento e morte aos rivais, no Carnaval elas costumam se aplaudir mutualmente e até celebrar o sucesso uma da outra.

“Vi muitos torcedores da Gaviões aplaudindo nosso desfile”, afirmou o presidente da Dragões. “O povo do samba sabe reconhecer quando um trabalho é bem feito. As pessoas já entendem que o Carnaval é separado do futebol. Seria bacana se essa mentalidade do Carnaval fosse para o futebol”, disse.

Ricardo Matsukawa/UOL
Alegoria da Dragões da Real que conseguiu o vice-campeonato no Carnaval de São Paulo Imagem: Ricardo Matsukawa/UOL

A Gaviões é tetracampeã, a Mancha conseguiu seu primeiro título e a Dragões provavelmente já teria vencido se o Carnaval fosse disputado em pontos corridos: nos últimos cinco anos os são-paulinos estiveram sempre entre os primeiros colocados. O carnaval paulista também tem escolas como a Independente Tricolor (São Paulo), no Grupo de Acesso, a Torcida Jovem (Santos) e a Camisa 12 (Corinthians), no Grupo de Acesso 2.

“Nossa rivalidade no samba com a Gaviões vem desde os anos 1970, mas nunca teve nenhum episódio de violência. Sempre respeitamos e fomos respeitados”, disse Cosmo Damião, presidente honorário da Torcida Jovem. “Ficamos felizes com o título da Mancha também, é uma vitória das organizadas.”

Escolas e torcidas têm, em geral, CNPJs, objetivos e diretorias diferentes. Nem todos os componentes das escolas são torcedores dos clubes que deram origem a elas, o que é motivo de orgulho para seus membros. “Temos muitos sambistas aqui dentro, gente que se identifica com a escola mesmo sem ser palmeirense”, disse o manchista Reginaldo, ele mesmo antigo vice-presidente da torcida. “Nossa comunidade tem pessoas de vários bairros da cidade e de vários perfis diferentes, não apenas de Vila Anastácio, onde ficamos”, disse o presidente da Dragões.

Apesar de não permitirem a entrada de componentes com camisetas de times rivais em suas quadras, os diretores das escolas acolhem gentilmente esses torcedores, o que seria impensável no contexto das organizadas do futebol. Em comum, eles carregam uma tradição de organização das festas na arquibancada dos estádios, experiência que ajuda na montagem de desfiles no Anhembi.

“Fora corrupção, o Brasil é conhecido lá fora por futebol e Carnaval”, afirma Reginaldo Pereira. “Quando junta os dois, dá certo. Hoje está tudo proibido, mas torcida organizada é antes de qualquer coisa festa. Tem que ter muita organização para levantar 120 bandeiras no estádio, fazer fumaça, cantar junto. Quando viramos escola de samba, essa tradição de organização ajuda.”

Mancha Verde e Dragões da Real participam do desfile das campeãs na sexta, a partir das 21h.

Desfiles das campeãs de São Paulo

21h – Estrela do Terceiro Milênio – Campeã do Grupo de Acesso 2

22h – Barroca Zona Sul – 2º lugar no Grupo de Acesso

23h – Pérola Negra – Campeã do Grupo de Acesso

0h – Império de Casa Verde – 5º lugar no Grupo Especial

01h – Unidos de Vila Maria – 4º lugar no Grupo Especial

02h – Rosas de Ouro – 3º lugar no Grupo Especial

03h – Dragões da Real- vice-campeã do Grupo Especial

04h – Mancha Verde – campeã do Grupo Especial