Antes de retomar essa coluna que tanto prazer me deu por anos e anos, quero deixar registrado o agradecimento ao Artur, grande camarada que fiz nessa vida de encontros tricolores, e ao Shiro, meu irmão de tantas jornadas, por me chamarem para voltar a fazer parte da SPNet, projeto pioneiro, de vanguarda, que leva informações de qualidade e conteúdo dos melhores para a comunidade são-paulina há duas décadas. Que orgulho fazer parte de tanta história bonita, repleta de grandes emoções, mas também de perdas irreparáveis, como a partida prematura do nosso querido Barão, talvez o símbolo maior do que representa a SPNet: amizade e São Paulo Futebol Clube. Obrigado, amigos!
E não poderia ter dia melhor para retomar “O Memórias de um Gigante” extasiado que estou com a apresentação quase perfeita do nosso Mais Querido na noite de ontem em nosso caldeirão apocalíptico. Sim, apocalipse para os adversários que ousam pisar em nossa bendita grama. A casa sacrossanta representa o inferno para eles e o nirvana para nós. E essa sinergia Libertadores-São Paulo Futebol Clube começou no dia 17 de junho do ano da graça de 1992, quando levamos a primeira taça diante do Newell´s Olds Boys nas penalidades, com mais de 100 mil pessoas, as bênçãos de Mestre Telê e as mãos salvadoras de Zetti.
De lá para cá as quartas (ou quintas) de Libertadores em nossa Casa nunca mais foram as mesmas. O clima no estádio (graças a Deus não é uma insípida arena) é o dos bons tempos do futebol brasileiro: confusão na entrada, barraquinhas por todo o lado, flanelinhas, bandeiras trânsito, sinalizadores, corredor humano para receber as delegações, pedradas nos adversários, pernil e cachorro quente…é uma noite de caos. O são-paulino nessas noites incorpora um estilo latino-americano de torcer que nenhum coirmão brasileiro consegue fazer. Como disse um torcedor do River Plate diante do confronto nas seminais de 2005, “Em el Morumbi te mata”. E assim a história se repetiu, dessa vez não como farsa, mas com muitas glórias. Isso é Libertadores, o amor pela competição que está em nosso DNA.
E hoje lembraremos com carinho de uma dessas noites que não saem da nossa retina. Oitavas da Copa de 2004. Após perder o jogo de ida por 1 a 0, o time de Cuca precisa reverter o placar adverso no Morumbi com 60 mil pessoas. Diante do gigante Rosário Central, o São Paulo escreveu uma das páginas mais gloriosas de sua história. Era 12 de maio de 2004.
Os tricolores entraram m em campo com Rogério Ceni; Cicinho, Fabão, Rodrigo e Gustavo Nery; Alexandre, Ramalho, Danilo e Marquinhos; Vélber e Luís Fabiano. Os argentinos levaram Gaona; Ferrari, Raldes, Talamonti e Emiliano Papa; Messera, Acuña, Gustavo Schelotto e Irace; Belloso e Herrera.
Desde o apito inicial do árbitro uruguaio Jorge Larrionda, sabíamos que o adversário seria um osso duro de roer. A ideia do time de Miguel Angel Russo era pressionar a saída de bola adversária. E deu certo: Aos 6 minutos, o meia Marquinhos (que veio no Paraná) vacilou no meio, perdendo a disputa de bola. A pelota sobrou para Herrera (que jogou depois “neles” e no Botafogo por aqui) e, de canhota, anotou 1 a 0. Calafrios na noite gelada do Morumbi.
A partir do gol, o time se enervou, errou passes, mas criou algumas oportunidades.
Luís Fabiano levou perigo ao aproveitar escanteio e cabecear rente a trave direita, aos 11. Porém, a grande oportunidade de empatar surgiu aos 23, quando Danilo caiu fora da área, mas mesmo assim o árbitro uruguaio marcou penal. Era a chance de Luís Fabiano empatar. Mas o nervoso tomou conta do artilheiro, que bateu mal para a defesa do arqueiro. O lance ainda prosseguiu, mas o camisa 9 não estava numa noite feliz.
Aos 32, com a intuição e a coragem dos grandes treinadores, Cuca resolveu abrir mão de um volante para colocar em campo o contestado Grafite. Sim, perseguido por parte da torcida por ter sido o autor dos dois gols diante do Juventus que salvou o time da Marginal Tietê do rebaixamento do paulistinha daquele ano. Mas como o destino é implacável e o futebol é umas das coisas mais apaixonantes da vida, nascia ali um novo herói para a galeria tricolor. Já nos acréscimos da primeira etapa, o desconfiado torcedor foi ao delírio quando Cicinho bateu falta na intermediária. A jogada ensaiada encontrou Rodrigo no segundo poste. Este subiu mais alto e tocou a redonda para o meio da área, de cabeça. A bola encontrou a cabeça iluminada de Grafite, o renegado, para empatar a peleja e provocar uma loucura no Morumbi.
No intervalo, os comandando de Cuca permaneceram no gramado não abrindo mão do calor da fanática torcida. Uma cena belíssima que deu o gás necessário para virada no segundo tempo, que começou mais equilibrado, mas com um São Paulo organizado em campo. Aos 20, Fabão soltou um petardo em cobrança de falta, mas a bola foi à esquerda de Gaona. Seis minutos depois, Grafite teve outra oportunidade, mas o arqueiro “canalha” evitou o tento.
Aos 30, em um contra-ataque, González poderia ter sacramentado a classificação argentina se não tivesse Rogério Ceni pela frente. E no minuto seguinte, o já agora iluminado Grafite virou o placar: Luís Fabiano recebeu dentro da área e chutou. O goleiro defendeu, mas soltou e, no rebote, o camisa 7 levou a bola devagarinho até a linha de gol para fazer 2 a 1 e tirar todas as dúvidas que pairavam na cabeça do torcedor: Grafite, em poucas horas, se tornara bestial.
No caldeirão do Morumbi, o São Paulo quase matou o duelo aos 44: Luís Fabiano entrou pelo lado direito da área chutou forte, o goleiro deu rebote e Grafite mais uma vez apareceu para completar, mas dessa vez errou o gol. Essa foi a última chance e o jogo foi mesmo para a disputa de penalidades.
Aí entrou a vez do Mito brilhar, o segundo herói da noite. Mas a decisão começou com Cicinho perdendo e Carbonari colocando os Canalhas à frente. Na sequencia, Grafite, Herrera, Luís Fabiano, Talamonte, Fabão e Ferrari acertaram. O placar apontava 4 a 3 para eles e Rogério, o nosso último cobrador, teria a missão de fazer o seu e pegar o último para dar um sopro de vida ao Tricolor.
Diante de Gaona, o Mito bateu forte, no meio do gol. Quando percebe que o colega de profissão vai pra última cobrança argentina, Rogério catimba: “vai bater como eu? Forte, no meio do gol?”. O adversário sorri e o ídolo são-paulino pensa: “no meio ele não bate. Basta adivinhar o canto”. E assim foi. Com corações disparados e o ar rarefeito nas arquibancadas, Gaona bateu fraco, no canto direito, fácil para o capitão. O Morumbi observa atônito mais um milagre. Vamos para as alternadas: Gabriel, que havia entrado no lugar de Marquinho, bate com categoria. Já Irace sente o peso de 60 mil vozes e bate no canto esquerdo. O Mito adivinha e se atira para o infinito: São Paulo classificado! Que noite!
Ficha Técnica
São Paulo 2 x 1 Rosário Central
Local: Estádio do Morumbi, em São Paulo Público 59 mil pagantes
Árbitro: Jorge Larrionda (Uruguai)
Auxiliares: Roberto Silvera e Pablo Fandiño (Uruguai)
Cartões amarelos: Luís Fabiano (S), Acuña (R), Herrera (R), Rodrigo (S), Gustavo Schelotto (R)
Gols: Herrera, aos 6min, e Grafite, aos 46min do primeiro tempo; Grafite, aos 31min do segundo tempo
SÃO PAULO: Rogério Ceni; Cicinho, Fabão, Rodrigo e Gustavo Nery; Alexandre (Grafite), Ramalho, Danilo e Marquinhos (Gabriel); Vélber (Souza) e Luís Fabiano
Técnico: Cuca
ROSÁRIO CENTRAL: Gaona; Ferrari, Raldes, Talamonti e Emiliano Papa; Messera (Moreira), Acuña, Gustavo Schelotto (Carbonari) e Irace; Belloso (González) e Herrera
Técnico: Miguel Angel Russo
César Hernandes, o Cesinha, tem 40 anos e muitos deles vividos com emoção por ter sido testemunha ocular de tantas conquistas do Tricolor. Jornalista de formação e historiador por devoção, crê que é importante preservar a memória são-paulina com textos e imagens que servirão de inspiração para as novas gerações. Escreve nesse espaço todas as sextas-feiras.
Deu saudade de ver o Rogério Ceni no seu penúltimo ano vestindo nossa camisa até a aposentadoria no final de 2005
Poxa cara colocava só os melhores momentos.
Lembro que nesse tempo não sabíamos que o Pipoca pipocava, acreditávamos que ele era decisivo, kkkkkkkk
Quanta ingenuidade