Miopia Esportiva – Não há Messias

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É cultural do povo brasileiro depositar a esperança num “salvador da pátria”. E alguns políticos ou homens de negócios até gostam deste tipo de personagem para poder perpetuar suas respectivas imagens. Ou seja, não é exclusividade do futebol. Mas o futebol tem muito disto.

Torcedor, no momento maior da paixão, seja na hora de disputar um título ou evitar uma tragédia, costuma creditar os resultados de um time ao trabalho de uma única pessoa, criando um herói ou vilão.

O torcedor do São Paulo vem tendo este comportamento nos últimos anos, induzido pela montanha russa que se tornou o clube e por tabela, o time dentro de campo: é capaz de grandes jogos na Libertadores intercalando com atuações pífias no Paulista ou na Copa do Brasil.

E aí, nesta turbulência, o torcedor apela para os nomes salvadores. Sugere coisas como “Rogério Ceni tem de ser o técnico” ou “Com Carlinhos Neves no CT teríamos chegado na decisão da Libertadores”. Poderia ficar o texto todo citando “salvadores da pátria” que o torcedor apela nos momentos de maior angústia.

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O “salvador da pátria” de todos os tempos da última semana tem nome e sobrenome: Marco Aurélio Cunha.

Inegável sua ligação e seu trabalho vitorioso no São Paulo. Mas não é justo depositar no MAC toda a pressão pelo momento do São Paulo.

Não é culpado pelo momento em que meteram o clube (dentro e fora de campo) como também não pode ser considerado o responsável pela guinada de 180° nas últimas duas vitórias.

MAC tem um trabalho importante que começa a fazer no vestiário e no cotidiano do CT. Mas ele não entra em campo. E pelo que eu saiba, não escala o time. Nem sequer dá treinamento.

A chegada do MAC foi elogiada por muitos, inclusive por mim, que fiz questão de mandar uma DM ao mesmo, torcendo por ele e me colocando à disposição para o que for necessário num moimento em que todos precisam somar e remar a favor do clube e não por ambições pessoais.

Essa chegada obviamente deu uma esperança de que as coisas melhorem. No entanto, cada coisa com seu devido reconhecimento.

É preciso ter serenidade ao avaliar o papel do MAC, cujo cargo, boa parte ainda não sabe explicar. Uns falam que é gerente e outros falam que é diretor de futebol. O que todos sabem que ele está ali com carta branca e que pode ajudar muito.

No entanto, assim como se o time tivesse perdido duas partidas não daria para crucificá-lo (estaria começando um trabalho) também não dá para exaltá-lo pelo mesmo motivo.

Então você vai perguntar o motivo das duas vitórias: o time começou a encaixar nas mãos do Ricardo Gomes.

A partir do momento em que o treinador teve o retorno de jogadores que estavam em suas respectivas seleções, a volta de alguns contundidos, além da parada da eliminatória onde teve uma semana para treinar, as coisas começaram a ficar mais claras na cabeça dos jogadores.

Assim que os jogadores passaram a entender o sistema de trabalho do Ricardo Gomes e resolveram abraçar a ideia, cada um se dedicando um pouco mais, o time como coletivo começou a corresponder.

O São Paulo não tem o melhor elenco. Mas também não tem o pior time. Se organizar, dá pra fazer um campeonato melhor do que estava fazendo.

Ainda tem falhas (bola aérea, etc.) mas é inegável que vem evoluindo e se entregando mais no jogo. Apesar do técnico ainda sofrer o que sofria o Bauza: na hora de mexer, a chance de tomar uma vaia é grande porque não tem tanta peça disponível no banco para poder fazer uma grande alteração tática.

Ou seja, considero que as duas vitórias vieram mais pelo trabalho executado em campo do que pelo trabalho executado fora de campo.

Acho que MAC veio pra somar muito e vai ajudar bastante o São Paulo. Mas essa cultura do “salvador da pátria” não é saudável pra ele e muito menos para o clube. Por exemplo: se venceu, MAC é herói. Se perder as duas próximas ou sofrer uma goleada neste campeonato, vamos dizer também que foi culpa dele?

As vitórias e derrotas de um clube, de uma cidade ou de uma nação, são reflexos de uma série de fatores. No caso do São Paulo, MAC é uma chegada benéfica. Mas longe de entrar no “oba oba” que o time obteve vitórias pela sua chegada.

Não confundamos uma doce coincidência de duas vitórias após a chegada de um dirigente com o fruto de um trabalho entre técnico, jogadores e demais integrantes do futebol profissional.

Respeitadas as devidas proporções, o Palmeiras cometeu esse erro. Quando o time começou a vencer, o dirigente Alexandre Mattos fez vídeos que eram apresentados nos telões do estádio antes dos jogos, como se ele fosse o grande arquiteto da equipe montada e passava a impressão de ser um dirigente acima da média sendo responsável pelas recentes vitórias conquistadas. Bastou o time naufragar no ano passado que o dirigente simplesmente pedia pra ser esquecido na hora das entrevistas. Dizia apenas que “não era o culpado da má fase pois não era quem jogava ou escalava”.

O grande fruto do trabalho do MAC nós vamos colher ao longo do tempo: vestiário com ambiente mais saudável, elenco mais afinado com a vitória, gente disposta a suar sangue pelo time, diretoria falando a mesma língua, comissão técnica maior blindagem e menos feridas com setores da torcida. E isso, ele sabe fazer com grande competência.

ricardo leiteRicardo Leite é apresentador na Rádio Capital SP, e comentarista das transmissões ao vivo da Rádio SãoPaulo Digital @spfcdigital. Escreverá nesse espaço todas as sextas-feiras.

Twitter: @RICARDOLEITE01

ATENÇÃO: O conteúdo dessa coluna é de total responsabilidade de seu autor, sendo que as opiniões expressadas não representam necessariamente a posição da SPNet ou de sua equipe de colaboradores.

2 COMENTÁRIOS

  1. Parabéns pela coluna, Ricardo Leite. De fato não há Messias, apesar de importante ter sido a chegada de uma figura apaziguadora de ânimos como Marco Aurélio Cunha.

    De fato, sob as mãos de Ricardo Gomes começa-se apresentar evoluções.

    Bauza preferia um meio campo com mais pegada com os volantes em suas posições; como Ganso conseguia armar a equipe sozinho, ele mantinha dois marcadores fortes e esperava por jogadas dos pontas em profundidade.

    Gomes mudou o temperamento do meio-campo. Cueva não é armador de bola longa como Ganso, mas de toques rápidos, aproveitando infiltrações. Wesley e Thiago deixaram o meio leve devido à velocidade e aparecem pra servir de opção ao peruano.

    Thiago está muito bem nisso. Agora Wesley entrou no sistema coletivo implantado.

    Se Gomes quiser ousar mais pode tirar Hudson, trazer Cueva pro meio e deixar Michel na esquerda. Desde que Wesley ajude no combate também teremos dois volantes mais móveis e vamos ganhar o jogo no meio campo.

    Até o momento vencemos de dois adversários que, assim como a gente, estavam sem confiança também.

    Agora pegaremos um time que está acima, na casa deles, e veremos mesmo em que nível está o São Paulo.